Charlie e as visitas

Uma história do tenebroso Dr. Brian Max

CHARLIE E AS VISITAS


Miguel Carqueija



Em certa época as coisas não corriam tão bem para Mister Max. Foi quando os seus valiosos guardas caninos pegaram uma epidemia que os levou à hospitalização, e as obras no muro causaram uma vulnerabilidade que a própria relativa crise financeira que atingira o advogado, contribuíra para aumentar.
Foi nessa ocasião excepcionalmente propícia que ocorreu o assalto à residência de Mr. Max. O que então aconteceu, passo a contar em primeira mão
— Nós viemos trazer o sofá encomendado – disse o homem de bigode.
Dashiell tinha já visto o nome da fábrica na kombi, de forma que não viu razão para desconfiar. Ele estava mais do que entediado, montando guarda no trecho do muro recém substituído temporariamente por um frágil tapume. Dias atrás um caminhão quebrara aquela parte do muro já enfraquecido pela infiltração de um olho d’água. Assim, Dashiell chamou Lutz e ambos abriram os portões blindados da mansão. Se fossem um pouco mais inteligentes já teriam desconfiado da presença de três homens só para trazer um sofá, além do motorista. Apesar dos uniformes que usavam.
A kombi parou no pavimento de pedras. Dashiell aproximou-se e observou quando abriram as portas:
- Puxa o patrão não costuma comprar sofás assim usados...
E então o homem magro e alourado encostou o revólver no nariz do assistente.
- Tem toda razão, imbecil. Esse sofá nem eu quero!
Lutz, que fechara o portão sem ter percebido nada, ao dar conta do que se passava exclamou espantado:
- Esperem aí! Será que vocês estão pensando em assaltar esta casa?
- Estamos sim, a não ser que você tenha alguma objeção – disse o bigodão, apontando uma pistola para Lutz.
- Objeção, eu? Não, que nada! Eu até ajudo!
- Ótimo! Nós gostamos muito de colaboração! Vamos entrando, rápido!
Atravessaram sem demora o caminho que entre alamedas viçosas conduzia ao átrio do palacete, construído em estilo “maxiano”. Nessa altura Dashiell começou a ficar realmente preocupado:
- Escutem por favor, senhores... não percebem que o patrão é capaz até de nos despedir por causa disso?
- Que pena – falou o assaltante mais alto, magro e pálido, dono apenas de um tufo de cabelo. – Diremos a ele para não fazer isso.
Dashiell abriu a pesadíssima porta e entraram na sala de recepção. A primeira coisa que se avistava era o cartaz na parede: LEMBRE-SE: SEJA BREVE.
- Seremos breves sim – observou o bigodudo, que aparentava ser o líder. – Alfie, você vai ficar vigiando aqui atentamente, ouviu? Assim que o pessoal estiver amarrado.
- Certo, chefe – Alfie era o motorista, o mais velho do grupo.
- Agora – prosseguiu o chefe – quantas pessoas estão aqui? Não tentem me enganar, pois mato o que se fizer de bobo.
Lutiz falou: – Bem, creio que a Geneviève, a Cunegundes, o James e a Cynthia.
- E o Max?
- Ele está também.
- Pois bem: vá chamá-lo, múmia ressecada. Seu colega fica como refém. Bert, vá com ele
- Trataram de amarrar Dashiell – estavam todos bem equipados com bolsas a tiracolo – e aguardaram o retorno do magricela Bert. O mulato, Enoch, fora mandado procurar o resto da criadagem.
O chefe sentou-se numa boa poltrona e encarou Dashiell:
- Me diga uma coisa, espiguento: por que é que as paredes aqui são pretas?
- Foi o Dr. Max que mandou pintar assim.
- É, eu sei que esse velho é maníaco. E é cheio da nota, hein? Podre de rico! Bem, Alfie, espere aqui e vigie esse gajo!



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Mr. Max estava na biblioteca quando Bert entrou com Lutz à frente. Contornaram a estátua de ligorne (1) feito de mármore rosa, que deixou Bert meio embasbacado, e aproximaram-se do advogado que sentado a uma das mesas de leitura, lia “O segredo dos hititas”, de C. W. Ceram.
- Que negócio é esse, Lutz?
- Chefe, é uma encrenca da grossa...
Bert declarou: – Finalmente temos o dono da casa. Dr. Brian Max, isso é um assalto! Acompanhe-nos sem resistir!
- Estão assaltando esta casa? Mas e o pessoal, onde está?
- Estão todos sendo localizados e amarrados! Cale a boca e venha comigo!
- Está bem, mas o Charlie não vai gostar nada disso!
- Charlie? Esse urubu aqui não falou de nenhum Charlie.
- Esqueci – Lutz sacudiu os ombros.
- Bem, o Engelbert saberá disso.
Max seguiu silenciosa e sombriamente. Desceram as escadas e atravessaram um lúgubre corredor.
– Raios, que idéia é essa de colocar esses esqueletos nesses nichos? - reclamou Bert.
– São parte da decoração!
- Safa! Você é doido varrido!
Mister Max não respondeu.
Chegaram então à sala de entrada. Max fitou toda a sua criadagem presente naquele dia, todos já amarrados, menos Lutz – o que também não tardou muito. Engelbert, o chefe, saudou Max zombeteiramente; este porém não se perturbou:
- Acho melhor vocês desistirem e irem embora. O Charlie não gosta nem um pouco de assaltantes e vai ficar um bocado zangado quando descobrir que vocês estão aqui!
- Como é o negócio?
– É isso, Eng. Ainda tem um tal de Charlie por aqui - disse Bert.
- Ah, é? E ele é mesmo valente, Max?
- Nunca o vi ter medo de nada.
- Então temos um valentão por aqui? Quem é ele na ordem das coisas?
- É um antigo morador da casa, e praticamente um membro da família.
- Eu adoro deparar com valentões! Me mostre onde está que eu quebro a cara dele! Aliás não acho que seja tão valente, pois está se escondendo!
- Não notou a presença de vocês ainda. Repito o aviso: vocês não sabem com quem estão lidando. Nem quero pensar no que vai acontecer quando o Charlie descobrir vocês por aqui!
- Então vamos logo ao tal Charlie! Venham vocês dois!
O chamado fora dirigido a Enoch e Bert. Eng segurou o braço esquerdo de Max e fez menção de empurrá-lo, ao que este reagiu:
- Calma, chefe! Nada de violências porque isso só tornará o Charlie mais raivoso ainda!
Os três bandidos se entreolharam com evidente incredulidade enquanto Max, com um gesto, indicou o caminho.
- Acho que o velho Charlie está na pinacoteca. Ele lá se encontrava há meia hora atrás, e costuma demorar por lá.
- Está bem, espertinho. Vamos logo com isso. E avise esse Charlie para não tentar nada senão morre na hora!
- Não sei não, isso é o tipo da coisa difícil de fazer com o Charlie...
Após alguns minutos de caminhada, Eng perguntou exasperado:
- Afinal, Max, essa sua mansão é cópia do Labirinto? Quando é que nós chegamos?
- Já estamos lá. É nessa porta aqui.
Penetraram numa vasta sala repleta de quadros e gravuras, geralmente de estilo clássico. Max caminhou numa direção, entre estantes portáteis, e falou:
- Charlie, tem gente aqui lhe procurando!
Os bandidos olharam. E viram um homem alto, de porte majestoso e cabelos grisalhos, com um casaco de modelo antigo e um par de óculos – e através dele viram o sombrio quadro fixado à parede, que ele contemplava: uma caverna de morcegos.
Charlie se voltou, mostrando os botões grandes e antiquados e as botinas. Não havia dúvida: o homem era transparente!
UNÍSSONO DOS TRÊS ASSALTANTES – Um fantasma!!!!!!!!!!
- Quem são esses, Max?
- São três assaltantes e há mais um na sala de entrada. Prenderam toda a criadagem e fizeram ameaças.
Charlie colocou as mãos em garra e fez uma carranca.
- Detesto assaltantes. Quando era vivo eu costumava surrá-los com minha bengala. Pena que eu a deixei lá em cima...
E assim dizendo avançou na direção deles...
Estourou o pânico. Brancos como cera (mesmo o Enoch), deixaram cair as armas e saíram em desabalada carreira pelo corredor afora, aos gritos, com Charlie atrás. Max fleumaticamente recolheu as armas e ligou para a polícia. Os bandidos, depois de se entrechocarem e se perderem pela labiríntica mansão, acharam finalmente o caminho, juntaram-se a Alfie sempre com o espectro nos calcanhares e saíram como balas...
Como porém não tinham evidentemente tempo de abrir o portão, trataram de pular o muro, abandonando o carro. Então Max, da janela-guarita do segundo andar, acionou o botão que fez abrir o estratégico alçapão que fizera construir a toque de caixa diante do muro arrombado, completando um sistema de segurança iniciado há vários anos...



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Mais tarde, Max e Charlie conversaram sobre o acontecimento no escritório do primeiro:
- ... e descobri que o “acidente” no muro foi provocado por eles. Muito espertos, mas esqueceram-se de que Max não é qualquer um!
Charlie concordou, tolerantemente. Afinal, ele era um fantasma muito diplomático... tipicamente britânico.

(1) animal fabuloso: cavalo com um chifre na testa.













(imagem do google)

































 
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 26/10/2013
Reeditado em 07/02/2014
Código do texto: T4542553
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