A justiça dos homens ( ou a história de “School Boy”)
Era um momento solene. O juiz, circunspecto, estava sentado em sua grande cadeira, numa plataforma mais alta. O martelo de madeira, símbolo de justiça, estava a seu lado. Plateia, promotor público, advogados, cada um em sua posição previamente designada. Claro, o monstro cruel também estava lá. Só não estava a vítima, uma garota de 16 anos, que fora estuprada e brutalmente assassinada há alguns meses atrás. Ela estava no cemitério.
Os pais não estavam em casa, ela havia faltado às aulas, estava sozinha. Quis o destino que o assassino estivesse na área. Ou talvez estivesse à espreita, sondando. Isso não se sabe. O que se sabe é que, cometido o hediondo crime, ele saiu apressado da casa, com uma corrente de ouro na mão. Sua camisa, de cor azul escura, estava rasgada do lado direito, na altura da barriga. Virou a cabeça para os lados para ver se alguém o observava. De fato, havia pelo menos cinco testemunhas. Era alto, tinha queixo um pouco protuberante. Alguém de quem você não se esquece facilmente. A porta da casa estava aberta e um dos vizinhos entrou. Na sala, o corpo da menina, todo ensanguentado. A polícia chegou rápido, entrevistou as testemunhas e o alerta estava na praça em alguns minutos. A descrição do homem, com a camisa rasgada, a cor, o queixo pontudo, tudo. Ninguém o encontrou na rua. No entanto, a uns cinco blocos dali, morava alguém com essa descrição, segundo um vizinho. A polícia bateu à porta e lá estava Bryan, que era alto, tinha o queixo ligeiramente projetado, mas estava usando camisa branca. Um dos policiais, muito esperto, foi até o banheiro e examinou o saco de roupas sujas. Lá estava uma camisa azul com um rasgo. Foi preso imediatamente e levado para o prédio da polícia.
Nos dias seguintes, fizeram as sessões de reconhecimento. Duas das testemunhas não tinham muita certeza. Talvez a camisa do suspeito fosse um pouco mais escura. O queixo era mais pontudo. As outras três, embora tivessem alguma dúvida, reconheceram oficialmente o assassino. Uma chegou a falar do rasgo que parecia ser muito pequeno. Parecia ser muito maior no dia do crime. Uma outra falou que talvez o suspeito fosse um pouco mais alto. O investigador explicou para elas que aquilo era irrelevante. “Na hora do sufoco”, a gente acaba se esquecendo dos detalhes. Para elas ficarem tranquilas, que estavam fazendo um bem para a sociedade, tirando aquele monstro das ruas.
Era esse Bryan que estava lá agora, o réu. Não parecia mais feroz. Agora era um coitado encurralado. O advogado de defesa estava tentando convencer o juiz e os jurados de que havias poucas provas. Não havia evidências colhidas na casa que mostrassem uma ligação direta do seu cliente com o caso. De seu lado, o promotor afirmou que o suspeito fora visto saindo da casa por várias testemunhas e que as características físicas do réu eram óbvias. Tudo isso, sem contar a camisa azul. Azul e rasgada. Houve ainda mais duas testemunhas que afirmaram que o réu trabalhava num prédio em construção, do outro lado da rua em que estava a escola onde a menina estudava, e que já havia sido repreendido duas vezes por seu chefe por estar parado, sem trabalhar, olhando para as garotas no pátio da instituição escolar. Isto teve um impacto e tanto no júri.
Talvez se o advogado de defesa não fosse apontado pelo estado, o Bryan tivesse alguma chance. Havia várias coisas que ele poderia alegar. Mas o crime tinha sido horrível, a pressão era muito grande, o Bryan era a pessoa mais odiada da cidade. Foi condenado à morte.
Alguns meses mais tarde, um outro crime horrível aconteceu numa cidade a cerca de cem quilômetros dali. Uma menina foi seguida depois das aulas até sua casa. Os pais ainda não haviam chegado. O criminoso entrou pela porta da frente, estuprou a vítima e a estrangulou. Escreveu com sangue no espelho do banheiro: “School Boy”. Dois vizinhos chegaram a ver o assassino entrar na casa. Um sujeito de camisa xadrez, segurando uma pequena valise na mão direita. Um outro vizinho viu o mesmo fulano sair e pegar um carro a uns cem metros da casa. Um carro Ford, branco, com a pintura estragada. Quando os pais chegaram, ficaram petrificados diante da cena horrível. Chamaram a polícia. Mais três vizinhos disseram o que viram e a partir daí começou a caçada ao Ford branco.
Duas horas mais tarde, não muito longe dali, foi detido um sujeito cujo carro batia com a descrição feita pelas testemunhas. No entanto, não encontraram a valise que viram na mão do assassino nem acharam nada suspeito em sua casa. O fulano, porém, era esquisito. Vivia sozinho, tinha hábitos estranhos. Os detetives tinham pouco, só aparências. O acusado, que aliás era muito cínico e arrogante, tinha um pouco de dinheiro e contratou um bom advogado. Não foram muito longe. O caso, para o promotor, era muito fraco e não conseguiriam uma condenação. Foi liberado. Sua intuição, porém, dizia que ali havia algo estranho. Colby Baker era o nome do suspeito.
Nos próximos anos, o “serial killer School Boy” ficou famoso. Sempre escrevia seu nome no espelho, com sangue.Sempre levava consigo alguma lembrança da vítima. Sempre cruel e violento. Sempre escolhia, como vítimas, meninas de 15 ou 16 anos de idade e que estavam frequentando a escola. Ficou famoso por todo o estado e depois nacionalmente. Seus crimes se espalhavam por cidades num raio de 300 quilômetros. Havia inúmeros artigos sobre o “School Boy” em toda a imprensa nacional.
Quase 12 anos depois e mais de 23 assassinatos, o “School Boy” cometeu um erro. Por algum motivo, demorou-se um pouco além do usual na casa de uma das vítimas. Saiu às pressas quando ouviu as sirenes da polícia. Na correria deixou para trás sua valise.
Os detetives conseguiram identificar o monstro depois de quase 15 horas. Era o mesmo Colby Baker, que se livrara das acusações há uns anos atrás. Cercaram sua casa. Invadiram e logo perceberam que ele havia fugido. Lá dentro, um verdadeiro santuário em reverso. Fotos de todas vítimas, recortes de jornais, as “lembranças” que levava após o crime.
Foi aí que descobriram que Colby Baker tinha assassinado também a primeira menina desta história. Aquele caso em que Bryan havia sido condenado. Estava lá até a camisa azul rasgada, como relíquia. A corrente de ouro que ele havia levado, também. E para ninguém ter dúvidas, o nome da menina estava lá na longa lista que ele mantinha na parede de seu quarto.
Colby, porém, sumiu, ninguém mais ouviu falar dele. De vez em quando, alguém chama a polícia e avisa que viu o monstro em algum lugar, mas é sempre notícia falsa.
Agora todo mundo cometa que, de fato, seu queixo era um tanto protundente e ele era alto. Bryan, no entanto, não poderia sair da prisão, pois ele não estava mais lá. Tinha sido executado há cinco meses atrás.
Até o momento, apesar da caçada nacional, não encontraram o tal de Colby. Deve estar vivendo em algum outro lugar, com outro nome.. Pode começar a matar de novo, a qualquer momento.
Que a justiça seja feita. Quando for possível.
P.S. Esta história não é baseada em fatos reais. Mas tudo que está aqui, de uma forma ou outra aconteceu, com pessoas diferentes, em diferentes lugares, em alguma época.
Era um momento solene. O juiz, circunspecto, estava sentado em sua grande cadeira, numa plataforma mais alta. O martelo de madeira, símbolo de justiça, estava a seu lado. Plateia, promotor público, advogados, cada um em sua posição previamente designada. Claro, o monstro cruel também estava lá. Só não estava a vítima, uma garota de 16 anos, que fora estuprada e brutalmente assassinada há alguns meses atrás. Ela estava no cemitério.
Os pais não estavam em casa, ela havia faltado às aulas, estava sozinha. Quis o destino que o assassino estivesse na área. Ou talvez estivesse à espreita, sondando. Isso não se sabe. O que se sabe é que, cometido o hediondo crime, ele saiu apressado da casa, com uma corrente de ouro na mão. Sua camisa, de cor azul escura, estava rasgada do lado direito, na altura da barriga. Virou a cabeça para os lados para ver se alguém o observava. De fato, havia pelo menos cinco testemunhas. Era alto, tinha queixo um pouco protuberante. Alguém de quem você não se esquece facilmente. A porta da casa estava aberta e um dos vizinhos entrou. Na sala, o corpo da menina, todo ensanguentado. A polícia chegou rápido, entrevistou as testemunhas e o alerta estava na praça em alguns minutos. A descrição do homem, com a camisa rasgada, a cor, o queixo pontudo, tudo. Ninguém o encontrou na rua. No entanto, a uns cinco blocos dali, morava alguém com essa descrição, segundo um vizinho. A polícia bateu à porta e lá estava Bryan, que era alto, tinha o queixo ligeiramente projetado, mas estava usando camisa branca. Um dos policiais, muito esperto, foi até o banheiro e examinou o saco de roupas sujas. Lá estava uma camisa azul com um rasgo. Foi preso imediatamente e levado para o prédio da polícia.
Nos dias seguintes, fizeram as sessões de reconhecimento. Duas das testemunhas não tinham muita certeza. Talvez a camisa do suspeito fosse um pouco mais escura. O queixo era mais pontudo. As outras três, embora tivessem alguma dúvida, reconheceram oficialmente o assassino. Uma chegou a falar do rasgo que parecia ser muito pequeno. Parecia ser muito maior no dia do crime. Uma outra falou que talvez o suspeito fosse um pouco mais alto. O investigador explicou para elas que aquilo era irrelevante. “Na hora do sufoco”, a gente acaba se esquecendo dos detalhes. Para elas ficarem tranquilas, que estavam fazendo um bem para a sociedade, tirando aquele monstro das ruas.
Era esse Bryan que estava lá agora, o réu. Não parecia mais feroz. Agora era um coitado encurralado. O advogado de defesa estava tentando convencer o juiz e os jurados de que havias poucas provas. Não havia evidências colhidas na casa que mostrassem uma ligação direta do seu cliente com o caso. De seu lado, o promotor afirmou que o suspeito fora visto saindo da casa por várias testemunhas e que as características físicas do réu eram óbvias. Tudo isso, sem contar a camisa azul. Azul e rasgada. Houve ainda mais duas testemunhas que afirmaram que o réu trabalhava num prédio em construção, do outro lado da rua em que estava a escola onde a menina estudava, e que já havia sido repreendido duas vezes por seu chefe por estar parado, sem trabalhar, olhando para as garotas no pátio da instituição escolar. Isto teve um impacto e tanto no júri.
Talvez se o advogado de defesa não fosse apontado pelo estado, o Bryan tivesse alguma chance. Havia várias coisas que ele poderia alegar. Mas o crime tinha sido horrível, a pressão era muito grande, o Bryan era a pessoa mais odiada da cidade. Foi condenado à morte.
Alguns meses mais tarde, um outro crime horrível aconteceu numa cidade a cerca de cem quilômetros dali. Uma menina foi seguida depois das aulas até sua casa. Os pais ainda não haviam chegado. O criminoso entrou pela porta da frente, estuprou a vítima e a estrangulou. Escreveu com sangue no espelho do banheiro: “School Boy”. Dois vizinhos chegaram a ver o assassino entrar na casa. Um sujeito de camisa xadrez, segurando uma pequena valise na mão direita. Um outro vizinho viu o mesmo fulano sair e pegar um carro a uns cem metros da casa. Um carro Ford, branco, com a pintura estragada. Quando os pais chegaram, ficaram petrificados diante da cena horrível. Chamaram a polícia. Mais três vizinhos disseram o que viram e a partir daí começou a caçada ao Ford branco.
Duas horas mais tarde, não muito longe dali, foi detido um sujeito cujo carro batia com a descrição feita pelas testemunhas. No entanto, não encontraram a valise que viram na mão do assassino nem acharam nada suspeito em sua casa. O fulano, porém, era esquisito. Vivia sozinho, tinha hábitos estranhos. Os detetives tinham pouco, só aparências. O acusado, que aliás era muito cínico e arrogante, tinha um pouco de dinheiro e contratou um bom advogado. Não foram muito longe. O caso, para o promotor, era muito fraco e não conseguiriam uma condenação. Foi liberado. Sua intuição, porém, dizia que ali havia algo estranho. Colby Baker era o nome do suspeito.
Nos próximos anos, o “serial killer School Boy” ficou famoso. Sempre escrevia seu nome no espelho, com sangue.Sempre levava consigo alguma lembrança da vítima. Sempre cruel e violento. Sempre escolhia, como vítimas, meninas de 15 ou 16 anos de idade e que estavam frequentando a escola. Ficou famoso por todo o estado e depois nacionalmente. Seus crimes se espalhavam por cidades num raio de 300 quilômetros. Havia inúmeros artigos sobre o “School Boy” em toda a imprensa nacional.
Quase 12 anos depois e mais de 23 assassinatos, o “School Boy” cometeu um erro. Por algum motivo, demorou-se um pouco além do usual na casa de uma das vítimas. Saiu às pressas quando ouviu as sirenes da polícia. Na correria deixou para trás sua valise.
Os detetives conseguiram identificar o monstro depois de quase 15 horas. Era o mesmo Colby Baker, que se livrara das acusações há uns anos atrás. Cercaram sua casa. Invadiram e logo perceberam que ele havia fugido. Lá dentro, um verdadeiro santuário em reverso. Fotos de todas vítimas, recortes de jornais, as “lembranças” que levava após o crime.
Foi aí que descobriram que Colby Baker tinha assassinado também a primeira menina desta história. Aquele caso em que Bryan havia sido condenado. Estava lá até a camisa azul rasgada, como relíquia. A corrente de ouro que ele havia levado, também. E para ninguém ter dúvidas, o nome da menina estava lá na longa lista que ele mantinha na parede de seu quarto.
Colby, porém, sumiu, ninguém mais ouviu falar dele. De vez em quando, alguém chama a polícia e avisa que viu o monstro em algum lugar, mas é sempre notícia falsa.
Agora todo mundo cometa que, de fato, seu queixo era um tanto protundente e ele era alto. Bryan, no entanto, não poderia sair da prisão, pois ele não estava mais lá. Tinha sido executado há cinco meses atrás.
Até o momento, apesar da caçada nacional, não encontraram o tal de Colby. Deve estar vivendo em algum outro lugar, com outro nome.. Pode começar a matar de novo, a qualquer momento.
Que a justiça seja feita. Quando for possível.
P.S. Esta história não é baseada em fatos reais. Mas tudo que está aqui, de uma forma ou outra aconteceu, com pessoas diferentes, em diferentes lugares, em alguma época.
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