O vinho mais caro da terra(segunda parte)
__Meu tio ensinou muita coisa para o Sr.wallace.Ele não lhe contou isso,detetive?
O alfaiate tinha o olhar decidido,e,ao contrário do parente casca grossa do sommelier,tratou Roberto muito bem,mesmo depois de saber o motivo da visita.
O detetive ajeitou-se na poltrona e diminuiu o desconforto que sentia a cada respiração.
__Não.Só disse que eram grandes amigos.
__Grandes amigos!Essa é boa!__O alfaiate colocou uma camisa de puro linho numa das prateleiras de madeira do atelier__Amigos não fazem o que ele fez.
__E o que el...
__Ele traiu meu tio!__Juan elevou o tom de voz,interrompendo bruscamente a pergunta.
Depois de tomar mais um gole do chá que lhe fora servido numa espetacular porcelana francesa,Roberto concluiu a indagação:
__E você poderia me dizer como?
Cada palavra da resposta veio impregnada de raiva:
__Meu tio dava consultoria para mais de 75 vinícolas.Pouco antes do ataque cardíaco que o matou,havia recebido uma proposta para ser o CEO de uma importante vinícola européia.Seria um acontecimento sem precedentes.Apesar da origem espanhola,ele fizera toda sua carreira aqui no Brasil.Imagine um brasileiro no comando de uma das principais vinícolas do mundo!
__Entendo...Mas onde entra o Sr.Wallace?
__Ele marcou um encontro com os excutivos da vinícola e falou um monte de inverdades;disse,entre outras coisas,que meu tio havia perdido o paladar,o olfato,que estava ultrapassado...e,no final,outro sommelier foi escolhido para a função.
__E por que ele fez isso?
__Ele queria o cargo!Mas Deus foi justo!Ele também ficou de fora!
Durante alguns segundos os dois ficaram em silêncio.Coube à Roberto recomeçar o diálogo:
__Eu lamento que as coisas tenham acontecido desse jeito Juan,de verdade;mas eu vim até aqui na esperança de que você pudesse me dar alguma pista ou dica que me ajudasse a encontrar a garrafa.
__Eu não sei de nada.Não falo com ele há quatro anos.Tudo o que posso lhe dizer é que o senhor wallace tem um talento especial para arrumar inimizades;muita gente gostaria de ter roubado a garrafa...__o alfaiate consultou seu relógio de pulso__Agora,infelizmente,teremos que interromper a conversa,vou atender a um cliente vip que marcou hora.
__Entendo...
Roberto levantou-se devagar.Pela primeira vez desde que haviam iniciado a conversa,Juan disse alguma coisa sobre os ferimentos do visitante:
___Não seria melhor você ir para casa descansar?Esse olho esquerdo não está com uma aparência boa.Um pouco de gelo aí em cima iria ajudar.
__Quando eu morrer eu descanço__a resposta veio com uma risada forçada__Aquela garrafa pode ser aberta a qualquer momento;não dá para esperar ficar bom...
__Boa sorte então.
__Obrigado.
O celular do detetive tocou assim que ele saiu do atelier.Do outro lado da linha estava o inspetor Murilo,da civil.Roberto o ajudara num caso de latrocínio há alguns anos atrás e os dois se tornaram amigos desde então,trocando informações sempre que trabalhavam num mesmo caso.Como o detetive havia comunicado ao policial sua entrada na investigação logo depois da entrevista com o sommelier,Murilo com certeza trazia alguma novidade:
__Roberto;aqui é Murilo.Estou na casa do Sr.Wallace.Temos um problema aqui.
__De que tipo?
__Do tipo "corpo-ensanguentado-baleado-no-jardim-da-casa"
___Estou indo.
Ao chegar na residência,Roberto observou dois carros da civil na calçada em frente ao imóvel e uma patrulhinha da PM que isolava o local dos curiosos.
O detetive identificou-se na entrada e foi direto para o jardim.Deitado de barriga para cima em meio a uma poça de sangue e com um buraco de bala na testa,o corpo de um homem negro de mais de um metro e oitenta de altura e de uns quarenta e poucos anos presumívels,era examinado por dois peritos.O sr.wallace,sentado numa das inúmeras cadeiras brancas de madeira,observava a tudo visivelmente abalado.
__O senhor viu alguma coisa?__arguiu Roberto.
__Nada__O sommelier falou sem tirar os olhos do chão,não reparando no olho inchado do detetive__estava no meu escritório quando ouvi o tiro.Desci o mais rápido que pude para o quintal e encontrei o Jairo ali,assim.
O calor tornava o desconforto de Roberto ainda maior.A dor fina a cada respiração persistia,embora fosse agora menos intensa;mas o lado esquerdo do rosto latejava.
__Detetive!__0 inspetor Murilo fez um sinal chamando Roberto,que pediu licença ao sommelier e foi falar com ele:
__O que os peritos disseram?__ao falar,Roberto girou o pescoço tentando esconder o olho machucado
__O disparo veio de longe;provavelmente dali__o policial apontou com a caneta que estava na mão um morro em frente a residência.Depois de analisar a distãncia,Roberto ponderou:
__Eles tem certeza?
__Aparentemente sim,e os dois são muito bons nisso...Nossa!O que foi isso?__Murilo apontou para o olho inchado.A tática de camuflagem não dera certo.
__Estou tendo alguns problemas com essa investigação...
O policial fez uma cara de quem já estava acostumado com aquele tipo de problema e disse:
__Eu não estou melhor...Até aqui era um caso de furto;se você não descobre o culpado é ruim,mas sempre existe a possibilidade de pegar o ladrão quando ele atacar novamente,são danos materiais...mas assassinato...aí complica.
__Vamos manter nosso acordo.Informações compartilhadas, ok?
__Combinado!Tudo bem com a Angela?
__Não tenho a mínima idéia__Roberto olhou para o lado ao responder__Terminamos há dois meses.
Percebendo que dera um fora,Murilo lamentou rapidamente a notícia e os dois se despediram.Roberto ainda ficou um pouco no local conversando com os peritos,que confirmaram a teoria da distância do tiro.
Antes de sair,o detetive conversou um pouco com o Sr.Wallace,que lhe reiterou o apelo para que pegasse o agora assassino.Roberto soube também pelo Sommelier que Dona salustiana faltara ao serviço,mas ligara dizendo que estava doente,com muita febre.
Minutos depois ele estava sentado no banco do seu carro a caminho de uma visita que deveria ter feito logo no início daquele caso.
Quando chegou na avenida Ayrton Senna,pegou um engarrafamento colossal por causa das obras para a copa do mundo.
Sem opção,encostou a cabeça outra vez no banco e olhou seu rosto no retrovisor.Fosse ele um psicólogo,pensou,diria que sua aparência exterior refletia exatamente o seu interior:um lixo.
Como não havia nenhuma indicação de que o trânsito melhoraria, decidiu revisar o interrogatório que fizera com os empregados do somellier,o agora falecido Sr.jairo e dona Salustiana.
Foram as primeiras pessoas ligadas ao caso que interrogara,logo após a contratação dos seus serviços:
Os dois estavam sentados lado a lado nas cadeiras brancas do jardim da casa do sommelier,mas a atitude era completamente diferente.Salustiana encolhida,com o olhar quase todo o tempo no chão;Jairo empertigado,olhando nos olhos do detetive.Não era um olhar de desafio,de escárnio,e sim o de quem nada deve.
__Como vocês já devem saber,fui contratado pelo senhor Wallace para investigar o roubo da garrafa.
Ambos balançaram a cabeça afirmativamente.Jairo tirou um lenço do bolso da bermuda e enxugou a testa.
__Eu gostaria que vocês me contassem tudo que aconteceu no dia do roubo.Vamos começar pela senhora.
__Eu?__Salustiana deu um pulo na cadeira.Esperava que jairo abrisse os trabalhos.Refeita do choque,respondeu__Bem...Eu só me lembro de ter escutado um barulho de explosão muito forte vindo da rua.Depois as luzes da casa se apagaram.
__Aonde a senhora estava nesse momento?
__Estava colocando as roupas na máquina de lavar.
__Fora o barulho da explosão,ouviu mais alguma coisa?
__Pouco tempo depois do estrondo da rua,escutei um barulho de porta sendo arrombada,vindo do porão.Fiquei com medo de ir até lá.Peguei meu celular e chamei a polícia.
__E o senhor__Roberto virou-se para o jardineiro__O que viu de diferente?
__Estava plantando o cerca canteiro quando ouvi o mesmo barulho.Parecia barulho de transformador estourando.Estava com o meu aparelho de cd ligado numa tomada externa e percebi que a luz tinha ido embora.Terminei de plantar as mudas que faltavam e fui até a cozinha ver se a Salustiana tinha desligado as tomadas da geladeira e do frezzer.
__E você a encontrou?
__Sim.Ela estava nervosa,com o celular no ouvido,e me disse que havia escutado um barulho no porão.Na mesma hora fui até lá.Encontrei a porta da adega arrombada mas não dei falta de nada;só quando o patrão chegou é que fiquei sabendo do roubo.
O detetive anotou alguma coisa no seu caderninho e continuou:
__Jairo:quanto tempo se passou entre o estouro na rua e a sua ida até lá para checar o local?
Ele pensou por uns trinta segundos e respondeu:
__Acho que uns dez minutos..Não!Uns quinze,por que eu ainda acabei de plantar os cerca canteiros
__Viram alguém saindo ou entrando na casa?
Salustiana fez um sinal negativo com a cabeça.Jairo disse:
__Achei umas marcas de sapato no muro dos fundos da casa,na parte que dá para um terreno baldio.Nada mais...
A fala do homem não trazia qualquer sinal de dissimulação,pensou Roberto.Após a entrevista com os empregados,o detetive designou Randhir para a tocaia na casa da empregada e esteve,na manhã seguinte, na vizinhança da residência do jardineiro para levantar a rotina do suspeito junto a alguns vizinhos.Descobriu o perfil de um homem honesto e bem humorado,apesar de morar sozinho desde a morte de sua esposa,há muitos anos atrás.Dali,foi direto para a consulta com a dermatologista.
__O senhor está se sentindo bem?
Um Guarda batia no vidro da janela do carro.Roberto saiu do transe e viu que o engarrafamento havia melhorado muito e tinha toda a avenida para avançar.Na verdade,agora era ELE que atrasava o tráfego.Pediu desculpas ao guarda e seguiu em frente.
Obs:Publicarei as duas partes restantes nos próximos Domingos.
Um abraço!