ESCLARECIMENTO: A MORTE DE ZÉ DAS NEVES

- Aí Cris...

- Cris a puta que te pariu! Prá você, Dr. Crisóstono! Delegado classe especial, advogado com carteirinha da OAB e faxineiro das tuas cagadas!

- Ih! Foi mal dotô! Disculpaí...

- Eu mandei descer o Zé das Neves e você o mata?

- O Negão reagiu dotô...

- Não foi o que eu ouvi!

- Pô Dotô! O sinhor ficaí sentado escutando us malacos e duvida dimim puliça há 25 anus i só mi manda pras zicas brabas e dispois mi enrraba...

- Um velho com mais de 60 anos, analfabeto, baixinho, gordo, manco, corno, alcoólatra, tentando me convencer que lutou com o Zé das Neves, Negão de 2 metros de altura, 3 metros de envergadura, 130 Kilos de massa muscular, ex lutador, ex força especial...

- Ai dotô... Corno não! Respeita eu...

- Artur, não tenho a mínima idéia de como você entrou para a polícia...

- Na repressão dotô, eu fui do CCC, era motorista e dus bão, dedo leve, prá mais de déis presuntu, fui ficanu e ingagei...

- Vou te aposentar...

- O dotô, fais issu não, o sinhor vai fuder eu...

- Artur, você não me obedece! Os tempos mudaram, existem leis, direitos humanos, imprensa, não posso mais te segurar...

- Ô dotô! Eu fui dus direitos humanos, só que pras vítimas. Elas careciam du meu servicin...

-Tiro na nuca? Artur, você quer me foder...

- Num é isso dotô... Xô contar pru sinhor...

- Conte Artur! Mas se não me convencer, vai sair daqui sem arma e sem distintivo, fui claro?

- Sim sor dotô... Xô contar...

- Desembucha...

- Hoje cedo u sinhor mandou eu lá em riba buscar o Zé das Neves, eu fui, o sinhor leu a Capivara dele, num leu? U Negão tem todus artigos de crime, num tem? Cheguei lá em riba e vi uma muié choranu, fui ter com ela.

- Qui ôve dona ?

- Num falu cum puliça...

- Si num falá vai apanhá...

- O Zé das Neves pegou nosso fio de 6 meses, bateu muito pruque tava chorano, colocô num sacu di mercadu e tacô na vala...

- Quandu achei o saco dotô, pensei até que era de carne muida, de tão mole... Entrei no barraco e ví o negão covarde de joelhos e mão na cabeça, rezei pra tudo que é santu, credito na lei di deus... Quando qué ele sarva... Fiz só u buraquim, Deus feis u restu...

- Era a criança no saco?

- Sim sor dotô, toda massada...

- E porque não o trouxe prá cá ?

- Ô doto! O sôr sabe... Ele num ia ficá preso, os devogados, a imprensa, os dereitos humanos chegaram antes deu descê, como si subessem di tudin quele feis...

- Artur! Vá para sua casa e tire a semana de folga, vou resolver isto.

Estou na polícia há muito tempo, fui investigador e hoje sou Delegado concursado há mais de 20 anos! Já ví quase de tudo.

Artur era agente policial e há muito tempo na polícia, ( quando entrei ele já era velho) ninguém mexe com ele, primeiro pela história e segundo, pela bravura. Todos nós quando queremos uma limpeza, o mandamos. No fundo eu também queria o Zé das Neves morto, apenas gostaria que Artur tivesse sido mais discreto.

Chegando ao local dos fatos ví o Zé das Neves caído em decúbito ventral, armas descarregadas e munições nas proximidades, indicando que realmente não haveria ,como não houve reação da vítima.

Aproximei da cabeça do indivíduo e vi a perfuração na base da nuca, procurei a saída e ví que saiu pelo olho direito... Ia ser muito difícil fazer daquela cena uma defesa pessoal, tinha sido executado!

Fui ao lado de fora procurar o perito quando tropeço em algo. Olhei para o chão e ví um saco de mercado com manchas de sangue, agachei olhei mais de perto, abri o mesmo e ví...

Dava para reconhecer apenas o pano da fralda, o resto era pura carne moída, o neném apanhou até morrer...

Chamei o perito aos gritos, quando vi, já tinha dado a ordem:

- Quero que você prove que foi legítima defesa...

- Impossível doutor, a trajetória do tiro, o local, o entorno do corpo...

- Foda-se! Foi legítima defesa e comprove isto!

- Mas doutor, ele estava agachado e tomou um tiro na nuca debaixo prá cima, saiu pelo olho...

- O Artur é pequenininho, lutou com ele que é mais alto e a arma disparou na nuca da vitima...

- Mas doutor...

Mostrei o conteúdo do saco para ele, olhou, analisou e perguntou o que era. Disse apenas que era o filho da vítima, que acabara de morrer pelas mãos do pai.

Vi lágrimas surgirem em seus olhos, ao mesmo tempo que saía vomitando por todo barraco, derrubando tudo pela frente.

Descemos e fui direto para casa de Artur que me serviu uma pinga, um cigarro de palha. Tomei em um trago só, acendi o paieiro e disse apenas:

- Bom serviço! Vamos resolver isto, vá pescar e só me apareça aqui semana que vem, eu vou segurar esta bronca.

Sai de lá e fui direto pra regional e apesar dos esporros o Delegado Regional me autorizou a comprar a bronca de Artur.

Em meus sonhos vejo apenas o pacote de carne moída! Não vejo a cara de mais ninguém, nem de meus mortos...

Cesão
Enviado por Cesão em 25/05/2013
Reeditado em 25/05/2013
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