Os demônios do passado

Os demônios do passado

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Avó Filócia era um amor de pessoa, ela estava sempre sorrindo, sorria sempre. Mesmo quando as coisas não iam bem, ela sorria tentando transmitir confiança ao Élan e a esperança de que tudo iria melhorar; tudo iria se resolver. Às vezes Élan chorava baixinho à noite por causa dos demônios que sempre vinham atormentá-lo em seus sonhos e o perturbavam porque ele sentia-se fraco e impotente diante do inimigo. Em seus sonhos Élan era o mesmo vigoroso e forte soldado, exímio lutador; mas sentia-se débil e indefeso como o menino de oito anos. Aí estava outro conflito: sabia que poderia lutar; defender-se e defender a sua mãe, mas não conseguia proteger Sophia. Suas pernas eram fracas e trôpegas, e seus braços eram frouxos e inertes. Outra vez eles lhe batiam, o prendiam no carro e, com crueldade, molestavam a sua mãe. Outra vez ele sofria; outra vez, com o traiçoeiro Tântalo ele perecia em seu suplício, sem merecê-lo. Outra vez ele padecia fome e sede de justiça e vingança. As dores sofridas, mesmo nos sonhos, eram tão reais como as que ele sofreu no maldito e infausto dia. Ele sonhava quase todas as semanas com isso. Era um martírio atordoando a sua mente, fazendo-o sofrer. Como em um purgatório, o sofrimento não cessava, e também ele nunca conseguia satisfazer a justiça divina por seus méritos para fazer cessar a dor e entrar no desejado paraíso.

Era preciso matar. Era preciso matar sempre para libertar alguém da angústia da vida; assim, de alguma forma, ele estaria libertando-se a si mesmo de um estigma amaldiçoado trazido desde a sua infância. Élan Acordava aflito e com calafrios, e corria logo ao quarto de sua mãe e a encontrava dormindo, serena e bela. Ele não a acordava, mas voltava furtivamente para o seu quarto, se assentava à beira de sua cama e chorava baixinho. A avó Filócia ouvia o seu murmúrio quase mudo e ia até o seu quarto onde o encontrava assentado à beira da cama, com os olhos chorados. Ela o abraçava e beijava a sua cabeça; e ele lhe beijava as mãos.

___Meu menino, meu Deus! – Dizia ela, - ficou um homem tão grande, tão forte; mas ainda é o meu menino!

Élan a tinha por seu porto de ancoradouro seguro para as suas emoções. Embora tão grande e forte, ele ainda era o menino da avó Filócia. Sua mãe ficara estranha desde a noite da festa junina, mas ele a amava e estava feliz por tê-la ali, mesmo tão estranha. Quando ele a abraçava e beijava seu rosto, ela sorria e seus olhos brilhavam. O sorriso e o brilho efusivo dos olhos de Sophia davam a ele alívio e alento; ânimo e força.

___Vó, fica aqui comigo! – Dizia como o pequeno Élan.

Sua avó acariciava seus cabelos e ficava assentada à beira de sua cama, a solfejar uma cantiga infantil.

(Recorte do meu romance policial: A Escolha)

Naassom
Enviado por Naassom em 09/05/2013
Código do texto: T4282541
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