Bella Grega VIII

Cap. 8 - O Modo de Amar

Enquanto voltava pro seu velho apartamento Mia foi se lembrando de uma coisa que quase esquecera depois de tudo isso.

"No Domingo daquela semana fatídica o Dr.Ricardo lhe entregou algo enquanto estavam em Búzios. Os dois sempre iam pra lá, pra um hotel a beira da praia. Quando acordou naquele Domingo, o Ricardo estava sentado na cama com algo na mão.

__ Bom dia meu amor!

__ Bom dia Mia!

__ O que é isso que tem aí?

__ Um presente pra você?

__ Mesmo? O que é?

__ Isto __ disse lhe mostrando uma caixinha de madeira. Era pequena, envernizada e com delicados desenhos pintados a mão em estilo japonês __ isto é para que você tenha a chance de fazer justiça. Não falo de vingança, só justiça.

__ O que tem dentro? __ disse querendo abrir quando foi impedida.

__ Não é pra abrir agora, é só depois. E, você tem que estar na mansão pra faze-lo.

__ Por que tudo isso Rick?

__ Muitas coisas vão acontecer a partir de amanhã Mia, só quero que saiba que eu gosto muito de você.

__ Você está me assustando Rick.

__ Esquece vai, só não abra esta caixinha agora. Ricardo pôs a misteriosa caixinha sobre o criado e disse:

__ Vamos pra piscina?

__ Vamos."

Por algum motivo se esquecera dessa conversa e da bendita caixinha até aquele momento. Agora que se lembrara, lembrou também da curiosidade que sentiu em abrir a tal caixinha mas se controlara. Porem agora que passaria uma noite na mansão e que tudo o que o Ricardo disse aconteceu, ela decidiu abri-la na noite seguinte quando estaria na mansão.

Todo sábado era a folga da Henriqueta. Sempre fazia a mesma coisa: acordava cedo e ía ao shopping comprar roupa. Ela comprava a mais chamativa pra que à tarde quando fosse ao cinema fizesse sucesso entre os rapazes. Arranjar um namorado duradouro que aceite sua falta de tempo ra missão quase impossível. Porém Henriqueta persistia na busca.

A manhã foi interessante. Percival e Carlos trabalhavam no sábado também, não ficaram contentes, mas tiveram que aceitar. Carlos foi contratado como mensageiro interno. Ele ía de um lado ao outro da Bella Grega levando memorandos e ordens da administração central. Percival ficou como vendedor do departamento masculino, sua experiência no assunto seria muito útil ao departamento. Chegou pontualmente as sete da manhã, seu segundo dia e tinha que trabalhar no sábado. O chefe da sua seção lhe dera ordens para recepcionar os clientes e dizer lhes o que comprar. Fazia isto há uma hora quando se sentou numa cadeira atrás do balcão:

__ Levanta Percival, se o Jordão te pega descansando vai estar com problemas.

__ Eu tenho que descansar, não estou acostumado a esse ritmo puxado de trabalho. E você então Fernando? Que faz conversando comigo? Por que não sta atendendo os clientes?

Fernando balança a cabeça em sinal de desaprovação e pensa consigo: “Quem ele pensa que é”. Jordão apareceu por trás do preguiçoso funcionário:

__ Pode me responder como vai atender os clientes sentado aí Percival?

__ Jordão!?

__ Pelo menos sabe o meu nome. Quer receber uma advertência, quer?

__ Não senhor.

__ E por que estava sentado, não vê como sala está cheia de clientes ainda não atendidos?

__ Eu só descansava um momento.

__ Sei, claro. Dona Cybele falou-me de sua situação especial e agora tenho 500 mil motivos pra lhe fazer trabalhar. Ou prefere que não tenha nenhum.

__ Não senhor, eu quero.

__ Ótimo, agora atenda os clientes. Comece pro aquele homem ali.

__ Certo senhor.

Percival se aproximou pra atender o homem que estava de costas pra ele e quando este se virou:

__ Percival Monteiro?

__ Gregório Stacciarini?

__ Eu não acreditei quando me disseram que era vendedor aqui. Tive que vim ver com meus próprios olhos.

__ Ah Gregório, que isso. É só um trabalho como outro qualquer.

__ Pra uma pessoa qualquer, espere até eu contar isso pro pessoal clube de golfe e do clube de pólo __ e enquanto se afastava do vendedor ía rindo largamente.

Saindo do shopping henriqueta tinha que pegar um certo ônibus, justamente aquele que viu indo embora quando chegava no ponto.

__ Droga! Perdi o ônibus, agora vai demorar pra passar outro ônibus num dia de sábado. É melhor eu ir até outro ponto. Espera, outro ônibus __ avistou outro da mesma linha e destino na outra pista da avenida.

Henriqueta saiu correndo pra alcança-lo, mas um carro que vinha na outra pista estava mais próximo, mais rápido e em sua direção. Henriqueta ficou paralisada de pavor, mas foi salva por um desconhecido que a agarrou e a arrastou depressa pro meio-fio. Os dois caíram rolando no chão enquanto o carro tentava brecar a tempo. Quando pararam de rolar o seu salvador estava em cima dela.

__ Oi! Você está bem?

__ Estou sim, obrigada por perguntar. Quem é você?

__ Rafael.

__ Que nome bonito!

__ Obrigado! E qual é o seu?

__ O meu é Henriqueta. Poderia sair de cima de mim agora.

__ Perdão, perdão. Eu tinha esquecido.

A proximidade dos olhos, da pele e das bocas criou um clima entre os dois tímidos. Ela se recompõe, ele cata as sacolas espalhadas pela rua e os dois juntos voltam ao ponto de ônibus.

__ Por que correu daquele jeito?

__ Queria pegar o ônibus. Depois daquele só daqui uma hora.

__ E qual o problema?

__ E fazer o que aqui durante uma hora?

__ Se o caso era esse, eu posso te fazer compania.

__ Mesmo? Mas nem te conheço?

__ Sabe meu nome.

__ E você o meu, mas e o resto? Conhecer alguém é mais que saber seu nome e sobrenome.

__ Minha mãe diz isso o tempo todo. Eu sou Rafael Maia, tenho 29 anos. Sou solteiro, moro na casa dos meus pais, Cybele e Ivan Maia. Meu pai não faz nada e minha mãe é vice-presidente da Bella Grega. E você quem é?

__ Oh meu Deus! Eu não acredito nessa coincidência.

__ Que coincidência?

__ Eu sou enfermeira particular de dona Helena Monteiro, conheço sua mãe mas desconhecia você.

__ Enfermeira de dona Helena? Que coisa? Ela, pelo menos, escolheu bem. Pode me responder uma coisa?

__ O que?

__ Por que todas as enfermeiras são lindas?

__ Não sei de onde tirou isso, quantas enfermeiras você conhece?

__ Quantas? Bem, com você são...deixe-me ver, uma... não, é só você mesmo.

__ Então você não pode fazer tal afirmação se sou a única que conhece.

__ Para mim já basta. Mas não precisa ficar aqui uma hora, eu estou de carro posso te levar em casa.

__ Mesmo? Que ótimo? Espera, o que fazia na rua se está de carro?

__ O estacionamento lá dentro está cheio, vim estacionar aqui fora e te vi correndo feito uma louca pela rua.

__ Louca?

__ Você me entendeu.

Na fazenda, Lucas tomou coragem e foi falar com seu João. Ele trabalhava no escritório da casa grande quando o peão chegou:

__ O que foi Lucas? Algum problema com as aves?

__ Não senhor, nenhum problema. Os negócios só prosperam.

__ Então por que veio falar comigo?

__ Eu conheço o senhor desde sempre e sei como a família Dias mantém os antigos costumes.

__ Vá direto ao assunto Lucas.

__ Sei que ainda faltam algum tempo, que o costume é que se peça no próprio dia da festa, mas...

__ Que festa?

__ A Festa do Peru.

__ É mesmo, já tinha me esquecido. Mas continue.

__ Vim convidar sua filha Diana pra ir comigo a festa amanhã.

__ Que bom, você é um bom rapaz. Gosto de você, com certeza daria um ótimo par pra ela. Mas não acho que ela queira ir com você.

__ Por que seu João? Há três anos que convido sua filha e ela sempre aceitou.

__ É que desta vez é diferente, agora tem namorado. Eu acho que ela vai preferir ir com o namorado.

__ Ela tem namorado?

__ Não soube? Ontem, no jantar, Romeu me pediu permissão pra namora-la e eu aceitei. Precisava ver com Diana ficou feliz quando respondi que sim.

Em seu rosto tinha um tímido sorriso que desapareceu imediatamente quando estas palavras. Toda a raiva e os ciúmes que já sentiu pelo estranho sem memória veio à tona com tanta forca que não pode agüentar, saiu correndo dali em direção ao quarto da Diana pra tomar satisfações:

__ Por que ele?

__ Que isso Lucas? Não pode entrar no meu quarto assim.

__ Ele por acaso é mais bonito do que eu? Ou mais trabalhador? Por que ele e não eu pra namorar?

__ Então é disso que fala? Pensei que já você fosse passado.

__ Mas não é passado, é presente. Nosso presente que aquele idiota sem memória está estragando.

__ Nunca houve um presente nosso Lucas, nunca te dei esperanças. Não espere compaixão de mim.

__ Mas eu te amo, te amo desde criança. Te amo desde que tinha 7 anos. Sabe disso.

__ Um amor que eu nunca correspondi. Lucas, vê se entende, eu amo o Romeu. É só ele que eu amo, mais ninguém.

__ Mas você não pode amar alguém como ele.

__ Por que não? Ele é bonito, inteligente, divertido. O vovô o adora, e sabe que quando o coronel gosta de alguém, ele passa a fazer parte da família e assim será.

__ Que quer dizer?

__ Quero me casar com Romeu e se ele me pedir, eu vou aceitar.

Lucas a olhou em condenação e saiu furioso batendo o pé. Diana sorriu e respirou aliviada. Rafael levou Henriqueta pra mansão e depois foi pra Bella Grega. Decidiu contar a mãe sobre quem conhecera.

__ A senhora não vai acreditar mãe, conheci uma linda mulher hoje.

__ Que rapidez, dois dias no Brasil e já conhece uma mulher. Quem é ela?

__ Henriqueta.

__ A enfermeira particular de dona Helena?

__ Essa mesma. Nunca vi mulher tão bela na vida mamãe, nem aqui nem nos 10 anos que vivi em Londres.

__ Sabe o que parece? Não sabe?

__ Não, o que?

__ Amor.

__ Não pode ser, o amor não pode ser tão simples.

__ O pior é que é. Começa assim devagar e depois aumenta. O amor é tão simples que quando conhece não parece, então você despreza, depois sofre. Aí descobre que é amor.

__ Que modo de falar? Parece que sentiu isso. Mãe, já sofreu por amor?

__ Todos, um dia na vida, já sofreram por amor. Faz parte do aprendizado. E também faz parte morrer de trabalhar.

__ O que foi dona Cybele? Algum problema com a rainha dos deuses?

__ Não debocha, estou muito, muito cansada e não tenho tempo pra nada. Nem almoçar em casa posso mais.

__ O que a aflige mamãe?

__ A Bella Grega tem que renovar alguns de seus produtos e ninguém pode me ajudar.

__ Poderia explicar melhor.

__ O Dr.Ricardo criou um cargo especifico que visava viajar por todo país e por alguns paises trazer novos produtos a nossas prateleiras.

__ Qual é o seu problema?

__ Todos estão ocupados demais pra irem a feira de lançamentos em São Paulo semana que vem. Normalmente eu iria, mas sem um Zeus, eu acabei ocupando os dois cargos, o de vice-presidente e o de Zeus. Não posso ir, e não tenho ninguém pra mandar.

__ Eu vou, posso ir pra senhora.

__ Mesmo? Faria isto pro mim meu filho?

__ Claro, não foi pra isso que fiquei 10 anos em Londres estudando administração. Eu vou até São Paulo e trago os melhores negócios. Basta me dizer que tipo de novidade quer e quanto posso gastar.

__ Você é o máximo!

__ Que coincidência.

__ Eu também sou o máximo?

__ Não. Eu também acho que eu sou o máximo.

__ Rafael?__ disse rindo.

Novamente na piscina, Ivan pensava em encontrar Natacha. Encontrou. Ela queria vê-lo de novo depois do modo como se conheceram no dia anterior. Desta vez eles conversaram também, conversaram e se entenderam.

Mia foi à tarde ao escritório do Dr.Camilo e suas suspeitas estavam certas, tinha encontrado uma maneira de ter a tutoria dos bens do Dario sem ter que esperar tanto tempo.

__ É possível?

__ Olha Mia, é um plano mirabolante.

__ Mas é possível?

__ Sim, é. Principalmente pelo modo como as coisas se deram, tudo está te favorecendo.

__ E quando eu posso tomar posse?

__ Calma, não é assim. Terei que entrar com um pedido no fórum, depois...

__ Burocracia! Detesto burocracia! Façamos assim, você lida com essa parte chata e eu conto a eles.

__ Devo preveni-la que não será tão fácil quanto imagina.

__ Mas você não acabou de dizer que com seus contatos daqui a uma semana eu já seria nomeada tutora?

__ Disse, e é verdade. Mas se esquece do Percival, da Clara, do Carlos e da Silvia. Qualquer um deles, principalmente a Silvia, poderá entrar com um recurso protestando essa medida.

__ O importante pra mim é ser nomeada tutora, eu quero entrar na mansão como dona, descobrir quem armou aquilo pro Dario e pra mim e me vingar dele.

__ Sabe o que eu penso sobre vingança, não sabe?

__ Não me venha você também com sermões sobre como a vingança é ruim. Estou cansada de ouvir isto desde que era criança.

__ Não vou conseguir convence-la mesma, não é? Eu faço o que me pede, entro com recursos depois caso algum deles abra um processo, mas é só. É só o que posso fazer por você e sua vingança.

À noite, antes de dormir, tanto Romeu quanto Mia ainda tiveram uma última conversa. Romeu antes de dormir ficou parado diante da janela admirando a silenciosa noite estrelada.

__ Não é bela?

__ O que Romeu? __ perguntou Neto.

__ À noite. É tão misteriosa, tão mística.

__ Que jeito de falar, é só uma noite comum como muitas outras.

__ Não falo de qualquer noite. Na cidade grande, as luzes da cidade ofuscam o brilho de muitas estrelas. Aqui, a noite está esplendorosa. Magnífica!

__ Nunca tinha percebido isso.

__ Olha, não sei quem eu era antes de perder a memória, mas disso tenho certeza, eu ficava vendo as estrelas como faço agora.

__ Que bom! Já é uma coisa de que você se lembra.

__ É, mas ainda estou com amnésia. Sabe, de vez em quando me pego pensando no que eu estaria fazendo se eu me lembrasse.

__ Eu sei.

__ O que?

__ Vendo as estrelas da janela do quarto antes de dormir.

Abriu um sorriso e disse:

__ Tem razão! Vamos dormir?

__ Até que fim, pensei que ainda demoraria em dizer isto __ disse Neto, seu colega de quarto.

Já deitada na cama do quarto de hóspedes, lembrou-se da caixinha. Levantou-se, acendeu a luz, tirou-a da pequena mala e a abriu devagar. Que espanto! Estava vazia. Que coisa estranha, fazer tanto segredo de uma caixinha vazia. Olhou melhor e não viu nada. Mas quando a sacudiu ouviu um som conhecido.

__ Parece papel, será que é? Mas onde está?

Vistoriou-a novamente e encontrou um fundo falso, dentro deste compartimento secreto tinha um bilhete. “Sob os pés do rei a verdade”. Sem entender guardou tudo novamente em seu local secreto, guardou a caixinha e foi dormir.

A noite seria bem longa. O sono não chegava, a insônia imperava. Lucas andou um pouco pelos arredores da casa grande e da janela do quarto de Diana. Seus simples ciúmes de Diana, tinham se transformado em raiva por Romeu. Agora era guerra, aproveitaria qualquer oportunidade para destruí-lo um pouco mais até que não reste nada do desconhecido desmemoriado que apareceu repentinamente. Ele não aceitaria a rejeição e agiria contra isso, ou melhor, contra ele.

Todos nesta historia amam alguém. Alguns amam a sí mesmos, outros amam com o olhar puro do amor sincero, outros ainda não amam, idolatram a paixão e o calor do momento. E é claro, alguns também amam de forma obsessiva. Mas tudo isso é amar, modos diferentes de amar. Não há um modo especifico e único de se amar, o que muda é que alguns são sadios enquanto outros ferem os que estão à volta. E estes segundos, são dolorosos para os dois lados, para quem ama e quem é enganado.

continua...

Thiago A Almeida
Enviado por Thiago A Almeida em 24/03/2007
Código do texto: T423993
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