Bella Grega VI
Cap. 6 - O Testamento
Em seu imponente Rolls Royce dona Helena chegou na Bella Grega para falar com Cybele. Foi com Henriqueta que ela sempre está ao seu lado.
__ Bom dia Cybele!
__ Dona Helena, que surpresa boa! O que a traz aqui?
__ O testamento de meu filho.
__ Do Dr.Ricardo? E o que eu tenho a ver com isso?
__ Você soube que o Dario desapareceu?
__ Soube sim, uma tragédia. Mesmo com aqueles boatos sobre ele, era um bom rapaz.
__ Era sim. O problema é que o Dario está no testamento e uma das clausulas escritas pelo meu irmão diz que se todos os herdeiros não estiverem reunidos, o testamento não pode ser aberto.
__ E como o Dario está desaparecido, o testamento não pode ser aberto.
__ Exatamente, por isso vim pedir a você que administre a Bella Grega por um mês.
__ Um mês? Mas é muito tempo. Por que um mês?
__ Dentro de um mês o testamento poderá ser aberto sem a presença de todos os herdeiros.
__ Ah bom, então é só até o testamento ser aberto e Silvia herdar Bella Grega?
__ É! Exatamente isso, pode fazer?
__ Já que é só por um mês, tudo bem.
__ Ótimo! Foi muito bom eu ter vindo, até por que não vinha aqui a anos.
__ Por que não aproveita e visita a loja ou o clube, vai adorar as mudanças que o Dr.Ricardo fez nos últimos meses.
__ Claro, porque não?
O velório e o enterro do Dr.Ricardo foram suntuosos. Principalmente o velório que foi a notícia do momento. Compareceram desde políticos como deputados estaduais e federais, vereadores do Rio, o prefeito e o governador. Até o presidente da República divulgou uma nota sobre o falecimento do empresário carioca. A importância de sua pessoa pública era tão grande que os mais importantes jornais nacionais e internacionais colocaram o fato como matéria de capa. Durante uma semana ainda se falava sobre o assunto até que como qualquer outro tema muito explorado, ninguém mais falou. O luto acabou e tudo voltou ao que era, só o que faltava imprensa era divulgar o testamento do multimilionário Dr.Ricardo Monteiro.
A imprensa teria que esperar um mês até a abertura do testamento, como os familiares também. Esse mês passou depressa, logo os poucos clientes que restaram também abandonaram a Mia. Sua depressão influiu no trabalho e saía cada vez pior. A Decoradora Danglars estava às portas da falência, da derrocada total veio quando Mia ficou “doente”.
Nesse mesmo mês Romeu se adaptou a fazenda, ao seu estilo de vida mais parado, porém não menos difícil. Enquanto inveja e os ciúmes de Lucas aumentavam, aumentava também o amor que Diana sentia por Romeu. O coronel lhe dava idéias inovadoras na criação como aumentar a produção pra poderem exportar. Animado com a empolgação do jovem, levou-o até a cooperativa de Ouro Negro pra que o diretor conhecesse estas idéias que poderiam ajudar muito no progresso dos fazendeiros e da pequena cidade.
Mia ía pra clínica ver os resultados dos exames e Romeu conhecer o trabalho da cooperativa.
__ E então Dr. D’Andréa, o que eu tenho? É grave?
__ Depende de como reage ao assunto. Gosta de crianças?
__ Gosto, mas e daí?
__ Srtª.Danglars, você vai ser mãe.
Houve silencio e depois de alguns segundos Mia acordou para o que estava acontecendo:
__ O que? Que disse? Pode repetir por favor?
__ Claro, a senhorita está grávida.
__ Não pode ser.
__ Mas é, é verdade. A gestação ainda está muita no inicio, cerca de um mês, mas já da pra saber que esta grávida.
__ Como?
__ Vai me dizer que não sabe como isso acontece?
__ Não estou pra brincadeiras doutor, vim me consultar aqui pensando estar com uma doença e o senhor me diz que estou... grávida?!
__ Eu sei, não sou especialista, vou pedir que fale com seu ginecologista e verifique melhor a situação do bebê.
Em Ouro Negro.
__ É um prédio magnífico, o que faz exatamente esta cooperativa?
__ A CCA os fazendeiros da região a beneficiar e o comercializar o produto com os grandes empresários do Rio de Janeiro e de São Paulo.
__ Qual é o produto mesmo?
__ Avestruzes.
__ Aquelas que nós criamos? Então é pra cá que são trazidas?
__ Sim, assim como eu há muitos outros criadores de avestruzes em Ouro Negro e região que trazem suas aves pra cá. Aqueles caminhões ali estão cheios de avestruzes já abatidas que estão indo pro frigorífico.
__ E comercializamos só a carne?
__ É claro que não, o mercado é muito melhor. As penas nós trabalhamos em outro lugar aqui na cidade e vendemos pra escolas de samba do Rio e de São Paulo.
__ Então se aproveita tudo?
__ Isso, até o couro nós usamos por que é mais macio e fácil de ser trabalhado. E ainda tem os ovos que podem ser talhados e decorados de mil maneiras diferentes. Ganhamos muito dinheiro com as avestruzes, mas o investimento é pesado também. Tivemos que gastar com propaganda, maquinário especial e funcionários especializados. Não tem sido fácil administrar as dividas e os ganhos de forma a restar mais.
__ Que interessante!
No dia marcado o testamento seria aberto. As buscas por Dario já tinham cessado há duas semanas, mas dona Helena manteve o combinado e mandou o Dr.Camilo esperar até o prazo terminar pro testamento ser aberto. Com todos os seis herdeiros que restaram, Dr.Camilo os reuniu na sala de jantar para a leitura. Bem, só estavam cinco, ainda faltava um:
__ O que estamos esperando? __ perguntou Percival.
__ Já estamos todos aqui, não falta ninguém __ concluiu Clara.
__ Não, ainda falta uma pessoa. E enquanto ela não chega, eu vou ressaltar que somente os herdeiros podem estar presentes.
__ Olha doutor, se diz isso por causa do Cássio, pode esquecer. Ele não vai sair do meu lado __ disse Silvia.
__ Meu amor, não tem problema. Eu volto mais tarde.
__ Pensando bem é melhor que fique. Os ânimos poderão ficar exaltados e precisarei de alguém pra me ajudar a acalma-los __ avisou o Dr.Camilo.
__ Desculpem o atraso, tive que ir ao médico antes __ disse Mia quando entrou para surpresa de todos.
__ O que ela faz aqui? __ perguntou Percival.
__ Ela é uma das herdeiras, a herdeira que faltava.
__ Era a ela que nós esperávamos? __ interrogou Clara se levantando da cadeira.
__ Olha, se não me querem aqui eu vou me embora __ disse Mia.
__ Não Mia, por favor, fique. Não ligue pro meu filho e minha nora, eles tem inveja de você. Pro favor sente-se ao meu lado, sua presença é indispensável.
__ Olha dona Helena, eu vou ficar. Mas é só pelo respeito que tenho pela senhora, nada mais.
__ Ah claro, sei! __ exclamou Percival pra si mesmo.
__ Muito bem, agora que estão todos reunidos nós podemos começar: “Eu, Ricardo Monteiro, em pleno uso de minhas faculdades mentais, deixo este testamento onde meus últimos desejos poderão ser ouvidos e realizados. Começarei por minha mãe que é o esperado. Pra corajosa dona Helena eu lhe deixo uma carta de instruções ao novo Zeus pra que a mantenha financeiramente até o fim de seus dias. Isto é para que esteja amparada não importa o que aconteça a nossa família.”
__ O Ricardo sempre foi atencioso __ comentou dona Helena.
__ “Agora vem os problemas, agora vem à parte que causará alvoroço e nervosismo. A minha adorada, ambiciosa e narcisista cunhada eu deixo um belíssimo espelho de prata que pedi a minha mãe, ele é pra você poder se admirar com toda a classe e pompa que acha que merece”.
__ Que brincadeira é essa? __ pergunta Clara indignada.
__ Sua herança senhora __ respondeu Dr.Camilo e continuou __ agora se me permite: “Eu andei fazendo umas contas, sabe quanto tempo você trabalhou em trinta anos Percival? Não? Eu respondo: três meses. Quanta diferença não? Você, Carlos, segue os passos do pai, então a herança de vocês será pra que isso mude. Eu lhes deixo um meio-milhão de dólares, isso mesmo, 500.000 dólares. Muito dinheiro! Só que eu tenho uma condição vital pra que recebam o dinheiro, vocês terão que se apresentar no dia seguinte a esta leitura pro trabalho na Bella Grega. Isso mesmo, trabalho. Vocês dois terão que trabalhar por um ano, mais do que já fizeram em toda a vida de vocês, e se não forem demitidos receberão o dinheiro. Vocês não terão privilégios, se alcançarem três advertências estarão automaticamente demitidos e conseqüentemente perderão direito a herança”.
__ Isso é piada! __ responderam os dois juntos.
__ Eu já disse, esta é a herança de vocês.
__ Mas e o dinheiro? As propriedades? As jóias?
__ Sinto, mas nada disso foi deixado pra vocês e o testamento ainda não acabou, continuando: “Ah Mia, como te amei. Te amei muito. Tanto quanto minha primeira esposa, Marcela. Sei que os seus negócios não vão bem, então deixei alguma garantia que se sustentasse. A você eu deixo dois apartamentos, um aqui no Rio e o outro em São Paulo. Os dois são luxuosos e já estão mobiliados. Espero que goste, fui eu pessoalmente que os decorou. E também lhe deixo 9% das ações da Bella Grega.”
__ O que? __ disse Mia espantada __ tem que haver algum engano. Ele me deixou isto tudo mesmo?
__ Concordo, deve haver algum engano aqui __ disse Percival.
__ Não há nenhum engano, agora: “Só me restaram dois herdeiros e serão com esses que haverá mais barulho. Primeiro a minha filha Silvia. A esta dama nobre e doce eu deixo todas as minhas outras propriedades (com a execão da mansão), além de jóias, títulos e dinheiro que haja nos bancos, cerca de dez milhões de reais ao todo e, é claro, 40% das ações da Bella Grega. E finalmente Dario, desde cedo eu o tive como ao filho homem que jamais tive. Me fez compania e nos tornamos amigos. Me serviu lealmente nesses anos todos, sem pedir nada em troca. Por motivos que prefiro não revelar no momento, eu lhe deixo a mansão Monteiro e 51% das ações da Bella Grega. Pode não entender agora mas vai entender. Por favor me perdoe Dario, pelo que fiz você passar. Espero que seja recompensado com este pequeno gesto perto do que me deu, amizade eterna e amor sincero como de um filho.”
__ Mais que palhaçada é esta? Este não pode ser o testamento do meu cunhado.
__ Mas é Percival, e não pode fazer nada contra __ afirmou dona Helena.
__ A posso sim, eu impugnarei este testamento __ afirmou Percival com toda a seriedade de sua voz, mas foi barrado da mesma forma.
__ Não vai não. Eu lhe proíbo de fazer isso __ disse dona Helena __ você não vai desonrar o nome de seu irmão com um ato baixo destes.
__ Mas mamãe, aquilo de trabalhar por um ano pra receber minha herança é um absurdo.
__ Pois eu não acho, o trabalho molda o caráter. E um desafio desse será muito bom pra que mude e pare de ser tão preguiçoso.
__ Eu quero falar uma coisa __ disse Silvia tomando a palavra __ eu concordo com a vovó, se o papai decidiu assim, deve ter sido por ótimos motivos. Eu aceito e também não permitirei que se faça nada com o testamento do meu pai.
__ Mas e quanto ao Dario? Ele está morto, e quanto à parte dele? __ interrogou o até agora calado Cássio.
__ É verdade, e a parte do Dario? __ disse Clara.
Em silêncio desde o fim da leitura, Mia com o rosto pálido disse:
__ Doutor, posso lhe falar um instante a sós? É muito importante.
Trancados no escritório que ficava ao lado, ela contou sobre sua gravidez e contou também a identidade do pai de seu filho: Dario, e explicou que tinha acontecido na noite anterior a viagem e o seu desaparecimento. Apesar de estar apenas com um mês ela já sentia tonturas e enjôos, sintomas característicos de seu estado. Dr.Camilo pediu uma semana pra confirmar algumas coisas que Mia lhe disse e depois deste tempo responderia o que fazer com a herança de Dario. Não houve revolta contra essa uma semana já que nas mãos do desaparecido Dario estavam seus destinos. Que, aliás, se apresentavam como incertos.
O coronel levou Romeu pro escritório do diretor da cooperativa. Romeu explicaria suas idéias ao diretor e se ele aceitasse, exportar seria um objetivo palpável.
__ Entende por que te trouxe aqui, não?
__ Sim coronel, quer que eu explique meu plano diretor da cooperativa.
__ Exatamente! Eu acho que é um bom plano, mas tudo por aqui tem que ser aprovado pelo diretor. Vamos entrar?
__ Vamos.
Os dois bateram na porta e entraram, Calisto estava numa ligação. Eles tiveram que esperar um pouco, depois foram atendidos.
__ Desculpem por isso, estou tendo problemas com o banco. Agora, o que o traz aqui coronel?
__ Como vai Calisto?
__ Mais ou menos, os problemas crescem e eu estou ficando sem saída.
__ Que tipo de problemas?
__ Lembra-se dos empréstimos que fizemos do banco pra começar nesse negocio, bem, o prazo pra pagá-lo está vencendo e não temos dinheiro em caixa pra fazer o pagamento. Eu vou dar um jeito, agora me responda: quem é você?
__ Também gostaria de saber __ respondeu Romeu.
__ Como?
__ Amnésia Calisto, esse rapaz tem amnésia. Não se lembra de nada de sua antiga vida.
__ Que curioso, nunca conheci alguém com amnésia, como é estar sem memória?
__ Não sei, se deixei alguém pra traz não me lembro, então não sinto nada.
__ É verdade, bem pensado. Voltando ao assunto coronel, ainda não me disse o assunto que o trouxe aqui.
__ É justamente sobre o Romeu que vim aqui.
__ Quem é Romeu?
__ Eu sou Romeu.
__ Esse é o seu nome verdadeiro?
__ Não, não sei. Mas todo mundo tem que ter um nome e esse é bonito.
__ Não foi você que escolheu né?
__ Não, foi a Diana.
__ Imaginava isso. O que você sem memória pode fazer?
__ Ele bolou um plano brilhante, tem que ouvir. Conte a ele Romeu.
__ Veja bem, Diana me contou diversas coisas a fim de que me lembrasse de algo, não deu certo. Mas essas mesmas coisas me deram uma idéia brilhante. Nós vamos vender pro mercado interno.
__ Mercado interno? Interessante, continue.
__ O mercado interno consome carne, couro, penas e ovos, mas acredito que a carne seja má explorada por vocês.
__ Estou ouvindo e não entendo.
__ Veja bem, a carne de avestruz é saborosa mas cara e por isso vocês a tem ou exportado ou comida vocês mesmos. Acontece que em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro há pessoas tão ricas que compram esse mesmo produto lá fora. Se chamarmos a atenção deles pra nós e os fizermos comprarmos nosso produto que tem a mesma qualidade e é mais barato. Se soubermos onde oferecer nosso produto, quem sabe até não conseguimos investimento financeiro no setor aqui na região.
__ A conversa se torna mais interessante a cada minuto.
__ Pense só, oferecemos carne hoje, penas amanhã, depois o couro e assim por diante.
__ Um bom plano! Mesmo, eu gostei mesmo. Mas não temos capital pra tanto.
__ Oh Calisto, vai desperdiçar a idéia do garoto por tão pouco?
__ Não é por pouco coronel, eu só tenho sois meses pra pagar uma das parcelas do empréstimo. E não temos condições de pagar.
__ O que são estas pastas?
__ A nossa contabilidade.
Romeu pegou uma e começou a folhear:
__ Nos temos uma saída.
__ O que? Onde?
__ A produção é boa, pode aumentar mais. Mas já é um bom começo. Há uma saída e esta será a salvação de vocês.
__ Qual? __ perguntou os dois.
__ Vi na TV que haverá um grande acontecimento em São Paulo daqui uma semana, uma feira de negócios rurais. Lá poderemos encontrar compradores pro nosso produto e talvez até alguns investidores.
__ Mesmo?
__ Mesmo, e com mais clientes poderíamos pedir mais tempo ao banco, mais prazo. O banco entenderá que mais tempo não será perda de dinheiro e sim ganhos já que futuramente poremos, depois de pagar este empréstimo, fazermos outro.
__ Com mais tempo eu poderia dar um jeito e pagar o empréstimo. Mas o banco nunca nos daria esse tempo.
__ Deixe que eu falo com ele, acho que consigo convencê-lo.
__ Coronel, onde encontrou esse rapaz?
__ Acredite se quiser, ele estava boiando num tronco de árvore indo rio a baixo. Foi Diana quem o socorreu.
__ Já imaginava. Sua neta não encontrou um mero rapaz e sim o salvador de Ouro Negro.
continua...