Rubão

Aqui estou , á espera dele . Amigo , protetor , amparo pra todas as broncas.Desde os doze anos , quando me viu bestando pelas bocadas , aprendendo a fumar . Olhou para mim e mandou me chamar . Rubão não fala direto com ninguém . E até hoje mermão , estou com ele .Tudo o que tenho naquele muquinfo ,foi graças a ele .Foi meu pai , professor ,condutor ,o caralho a quatro . Sem Rubão ? Seria um molambo qualquer , feito aquela música que minha velha cantava tanto .

Nunca esquecerei ,quando dei uma afundada no pó: pagou tudo para que eu largasse, dizia que quem ta no tráfico não pode se viciar , os bacanas é que se viciam para enriquecer a gente . Parece simples , mas é muita sacação num cara que mal aprendeu assinar o nome .

Rubão é o cara , sempre foi .Ganhei até nariz novo depois do tratamento , o doutor falou que cafunguei tanto , que a cartilagem do nariz furou , igual um carinha lá da clínica de recuperação , que cheirava até açúcar , no auge da fissura . Quem diria , que um crioulo feioso feito eu tem um nariz platinado ? Né pouca merda , não .

Ás vezes , o Rubão parece ser médium ou ter parte com o diabo : profetizou que eu subiria graças a ele e tudo enfrentaria , para contar a história . Fui seu avião mais dedicado , fui subindo no tráfico , cheguei a tomar conta de uma boca lá no Alemão : muita grana ,mulher gostosa , uísque no meio da canela , carro importado na época que até o presidente da república dizia que nessa merda só tinha carroça . Na verdade ,eu não sabia o que fazer com tanta grana .Sou bom pra ganhar e burro pra gastar .

Até o Deny do Pavãozinho mijar fora do caco e me dar um tiro na cabeça, á traição .Ele surfou sem prancha no Guandu e eu fiquei cego , mermão . Mas não fiquei burro , não . Todo dia na esquina da Vieira Souto com a Vinícius de Moraes,óculos escuros ,uma caixa de papelão na mão e uma sacola no chão . Jogam de tudo na minha caixa:moeda, palito de picolé , ponta de cigarro careta , o escambau . Mas na hora certa , chega alguém , canta a senha e troca a sacola .Muitas vezes na cara dos homens, uns moscas que num sufoco não localizariam a própria bunda .Ontem ,a sacola pesava como chumbo .

Uma voz aveludada da mulher:

- Fique na paz , irmãozinho Paulo – vapt, vupt .

Rubão ligou, marcando pra falar comigo , na beira- mar , á noite , perto do bar do Espanhol . Metade da zona sul , deve estar doidona , a essa hora .

Estou muito emocionado . Os anos passam e a gente vai ficando mole .A brisa do mar acaricia o meu rosto e minha solidão . Ouço vozes distantes e animadas, do lado do bar . Escuto um carro parar no meio – fio . De dentro, a voz inconfundível :

- Oi Paulinho ! Tudo bem ?

Respondo alegre , uma felicidade alvoroçada de cachorro de madame .Escuto um assovio , algo me acerta na testa e tombo de costas , na areia da praia .Vejo toda minha vida , num filme de três segundos. Rubão é Deus.