FUGA EM VENEZA
Esta é uma história real, nomes foram trocados para proteger as verdadeiras identidades daqueles que viveram os fatos.
Nos anos 80 em uma cidade próxima a Manaus, vivia Sueli, uma bela morena de cabelos negros e longos, com seus mais de 1,80m, vivia a sonhar com dias melhores para sua família. Desde criança vivia a dizer que quando fosse grande daria tudo de bom para sua mãe, dona Ercília. Talvez sempre pensasse assim em virtude das dificuldades que enfrentara no interior do estado, de onde haviam vindo para a cidade em busca de dias melhores. Sueli estudou com muita dificuldade, era sempre observada por onde passava, era bonita, e despertava atenção de todos, até daqueles que nem queriam saber da sua vida, mas sempre os chamava atenção.
Certo dia ao cruzar com uma aparentemente inocente senhora, na cidade de Manaus é convidada para trabalhar de modelo, segundo a senhora, Sueli dispunha de todas as qualidades inerentes a profissão e, melhor, com um ótimo salário poderia dar a senhora sua mãe o que sempre desejara, uma vida melhor e de paz financeira. Em poucos dias a senhora foi até a casa dos familiares de Sueli, conheceu todos, prometendo mundos e fundos para uma vida melhor.
Rapidamente a conversa se espalhou na cidade, Sueli iria morar no Rio de Janeiro e iria aparecer na televisão. Dias depois a conversa mudou de tom, agora Sueli já iria viajar para fora do país, segundo a “sua agente” após mostrar suas fotografias para os contratantes ficaram apaixonados por sua beleza incomum.
Após uns trinta dias de toda essa boa notícia, Sueli foi até a Polícia Federal e recebeu seu passaporte, estava tudo certo para viajar à Europa e conhecer terras distantes e ainda ganhar muito dinheiro com sua beleza. Tudo acertado, apresentadas as referências da agente, tudo como mandava o figurino. Agora era só esperar o dia da partida. Passados mais alguns dias a conversa mudou novamente, Sueli deveria viajar até Belém onde iria desfilar numa espécie de apresentação para umas marcas internacionais e depois seguiria para a Europa. Sem problemas para Sueli, ela queria mesmo era sair daquele fim de mundo para o velho mundo, o europeu.
Chegado o dia da viagem, houve as despedias, muita emoção, choro, mas Sueli estava feliz, iria em busca da sua vida, do seu sucesso. Deixada no aeroporto embarcou com sua agente para Belém. Durante o voo nova versão sobre o trabalho, agora não iriam mais desfilar em Belém, mas apenas fazer um conexão para a Paramaribo, no Suriname, e de lá direto para a Europa, segundo sua agente: “coisas do ofício, uma agenda muito corrida e conturbada para quem trabalha com moda”.
Chegaram em Belém à noite e foram direto para um hotel muito simples, deixando Sueli desconfiada, pois estava sendo contratada por pessoas ricas e a estavam hospedando num hotel de quarta categoria. Mas tudo bem, quem sabe estavam testando sua simplicidade.
No dia seguinte, foram de carro até uma determinada cidade e de lá pegaram um pequeno avião, agora havia se juntado ao grupo mais quatro meninas, todas com aparências de jovens amazônicas, do estilo da própria Sueli. O que tinham em comum: desejo pela riqueza e com baixa instrução, tinham vindo dos interiores, do meio da imensa floresta amazônica.
Chegando em Paramaribo a coisa foi ficando pior, agora o hotel era de última categoria, segundo a agente era em virtude da super lotação dos demais hotéis, havia um evento na cidade. Tudo bem, concordaram as moças, afinal estavam trabalhando, em turismo seria outra coisa.
Da periferia de Paramaribo pegaram a Kennedy Higway e chegaram no Aeroporto de Johan Adolf Pengel, tudo muito bonito, gente bonita, a coisa começava a melhorar. Apresentaram seus passaportes e em pouco tempo já estavam na luxuosa aeronave que rumaria a Rotterdam, no reino da Holanda.
Durante o voo, mais de dezoito horas, pois quando chegou na Europa houve algumas escalas, mas tudo era alegria, os planos das futuras e já novas beldades das passarelas europeias era contagiante. Muito planos, a vida melhor, a tão sonhada realização financeira e muito mais. Tudo era perfeito.
Uma vez em Rotterdam, desembarcaram, sem problemas com a emigração, foram orientadas e dizer que estavam de férias e, iriam se encontrar com um grupo de membros de uma congregação evangélica, segundo a agente era uma forma de evitar problemas, mas que logo teriam seus vistos de trabalho.
Em aproximadamente três horas chegaram “em casa”. Foram recepcionadas por pessoas estranhas, um homem com as feições da morte, se é que a morte tem cara, saíram da condução direto para um recinto que mais parecia um antigo alojamento militar, com uma diferença, escuro, sem circulação de ar, sujo, e seu dormitório se assemelhava às instalações de Auschwitz, aquele campo de concentração onde amontoavam as pessoas a espera da morte. Rapidamente pediram seus passaportes recolhendo e prometendo que logo os entregariam. Foram aconselhadas a entraram nas instalações e lhes foi dito que ali viveriam. Aquela seria suas realidades dali por diante.
A agente deu as costas e as entregou literalmente para aquelas pessoas. O desespero tomou contas das moças, tremiam, choravam, e começaram as agressões. Soco na barriga, alguns beliscões, tapas em suas faces. Incrédulas no que passavam se perguntavam o porquê de tudo aquilo, afinal de contas onde estavam as passarelas, o contrato que assinaram, que diabos era aquilo. Amontoadas e chorando, em total desespero, quando entra no local uma pessoa que pouco falava português, e explica que a partir daquele dia suas vidas não lhes pertenciam mais, que eram propriedades de um certo senhor Kropper, e que teriam hospedagem, comida, droga, e direito a sonhar, mas que seriam escravas sexuais, teriam que fazer muito sexo com os clientes do senhor Kropper, para pagar suas despesas.
As moças se juntam em torno de Sueli, que aparentemente se mostrava mais segura de si, mas era apenas fachada, estava com tanto medo que nem lembrava como havia chegado ali. Em poucos minutos foram empurradas para um outro local onde encontraram mais pessoas, aproximadamente umas vinte moças, ou o que havia restado delas, verdadeiros trapos humanos, pareciam drogadas, embora bem maquiadas e com uma espécie de um perfume coletivo.
Naquele momento foram dispensadas do “trabalho” mas no dia seguinte seria dureza, segundo avisou num falho português um dos seguranças do local. As moças desfaleceram, e no dia seguinte, pediam a Deus que acordassem daquele pesadelo, queriam suas mães, suas famílias, a vida pobre que tinham, queriam de fato suas liberdades. Mas a realidade era outra, e em poucas horas começaram as torturas, estupros, e tudo mais que se possa submeter uma verdadeira escrava sexual, estavam presas, sem direito algum, tudo a partir de agora seria apenas dor e sofrimento. Sueli estava em total desespero, na primeira oportunidade se drogou, não queria viver aquela realidade, queria fugir, embora nada pudesse fazer, apenas suportar todo aquele sofrimento.
Passados seis meses naquela vida desgraçada, Sueli conhece um italiano que virou seu “freguês” sempre que podia estava no local pagando e recebendo por favores sexuais. O local não era nenhuma boate, mas uma bonita casa, de fachada bonita, aparente calma, um bonito jardim, e uma conexão para as instalações onde viviam as escravas, um corredor enorme com vários cubículos com camas onde recebiam os clientes, ao fundo um banheiro coletivo das moças. O cliente que quisesse podia levar para o apartamento bebida ou fazer uso de droga pesada. Tudo isso custava caro, já que as moças eram importadas e segundo seus “administradores” tinham certificado de qualidade e saúde. O italiano ficara impressionado com a beleza de Sueli, ela por sua vez viu nele a sua oportunidade de dali fugir, escapar, pois já estava no limite da sua dor.
Certo dia o italiano chega e fala para Sueli que iria conseguir “um passe” para ela com ele ir a Veneza, ele queria visitar uns parentes e levaria ela como sua namorada, mas que para isso estava pagando uma fortuna para o senhor Kropper, seu proprietário. Sueli pensou consigo mesma, era a chance que pediu a Deus, uma vez na rua fugiria, apesar de se encontrar fraca, debilitada, começaria a fazer qualquer coisa por comida e se de fato fosse para Veneza daria um jeito na sua vida, ou ainda, numa atitude tresloucada iria suicidar, já que não suportava mais aquela vida.
Passados quase trinta dias, chega o italiano e diz que estava marcado, que no final de semana Sueli iria com ele até Veneza, passariam uns cinco dias juntos, já havia acertado tudo. Era chegada a hora, ou seria naquela oportunidade ou nunca mais Sueli sairia dali. Se preparou e confidenciou a sua única amiga, que iria fugir e voltaria com a polícia para libertar todas elas, mas que ela ficasse calada, e que se falasse perderia a sua vida de uma vez por todas.
Chegado o dia, Sueli recebeu roupas, bolsa, fez uma maquiagem, estava pronta, apesar do sofrimento enfrentado ainda era possuidora de uma beleza incomum, estava bonita e quem não sabia da sua vida jamais imaginaria o sofrimento que vivia. Foi com o italiano, juntos pareciam de fato um casal romântico e apaixonados. Sueli só tinha na cabeça a fuga, mas para isso precisaria comer bem, ficar forte, pois iria brigar se preciso fosse pela sua vida, considerando que estava muito debilitada.
No primeiro dia no hotel comeu que nem um dragão que estava adormecido por duzentos anos, bastante suco, mel, frutas, parecia uma pessoa muito feliz ao lado do seu amado. Fizeram passeios nas gôndolas de Veneza, e no terceiro dia, era chegada a hora do italiano apresentá-la a sua família, disse ele no seu pouco português que iria dizer que casariam em breve, que ela concordasse com tudo e pouco falasse, dissesse que não sabia o idioma e portanto, não teria que dar muitas explicações. Nesse dia ao irem a um restaurante, Sueli encontra um brasileiro, que era garçom no local. Na primeira oportunidade que o italiano foi ao banheiro Sueli o chamou e perguntou onde ficava a embaixada brasileira? Se estava próxima etc. inventando que precisava renovar seus documentos. O garçom brasileiro responde que ficava duas quadra dali, que ela deveria seguir reto a na segunda quadra virar a esquerda, logo ela veria a bandeira do Brasil. Que não era embaixada, mas uma espécie de consulado, mas que lá tudo faziam para ajudar quem pedisse ajuda.
Sueli mediu as consequências da sua atitude de fuga e pensou consigo mesma: amanhã eu retornarei e fugirei, antes vou deixar todos os meus dados com o garçom e pedirei sua ajuda. Das duas uma: ou serei socorrida no consulado ou o garçom chama a polícia e conta tudo. Com a esperança de fugir ficou feliz, foi com o italiano a casa de seus parentes e representou como uma verdadeira atriz, deixando o seu contratante satisfeito e feliz, ao ponto de dizer que mais vezes iria lhe buscar no seu alojamento para passearem por outros países.
O dia amanhece e com ele a esperança da fuga de Sueli, a sua liberdade estava próximo ou a sua escravidão em definitivo. Pediu ao seu acompanhante que queria comer a mesma comida do dia anterior e naquele restaurante, o que foi prontamente atendida pelo italiano. Antes fizeram novamente um passeio de gôndola e rumaram para o restaurante. Lá chegando foram bem atendidos e Sueli escolheu uma mesa próximo da saída, estava decidida. Pediu o melhor da casa, e na primeira oportunidade correria para sua liberdade. Antes pegou um papel que trazia consigo e entregou ao garçom, este por sua vez, pensava se tratar de uma paquera e foi para a cozinha, quando voltou estava nervoso, no papel, Sueli contava o que estava passando, o garçom se aproximou e disse que chamaria a polícia, mas Sueli disse que iria pedir ajuda no consulado e que se algo desse errado ele poderia chamar.
Após o almoço o italiano diz que vai ao banheiro, Sueli levanta-se e beija o rosto do italiano, seria uma espécie de obrigado por tudo e que jamais se veriam novamente. O italiano ficou feliz pela demonstração de carinho e nem imaginava o que aconteceria em minutos. Quando o italiano adentrou ao banheiro, Sueli tirou os sapatos dos pés e como numa corrida de cem metros imprimiu toda sua força, correu, seus cabelos voavam, era observada por todos que por ela passavam, pelo seu tamanho e beleza era notada, mas não enxergava ninguém, apenas corria, ia de encontro a liberdade a qual jamais pensou em perdê-la um dia. O garçom ficou no apoio, chegou a trancar a porta do banheiro por fora, nessa hora os frequentadores do restaurante se levantaram e foram até a porta verificar o que estava acontecendo, um pequeno tumultuo estava formado, Sueli dobrou a esquina e correu para os últimos metros para sua liberdade, avistou a bandeira brasileira e literalmente invadiu o local, passando por algumas pessoas e caindo aos pés de um senhor que explicava alguma coisa para os presentes, deu um grito de socorro e disse: “pelo amor de Deus, me ajude, fui sequestrada, estou sendo escrava sexual, socorro, querem me matar”. Com todo aquele escândalo, os presentes se voltaram para ela e presente um advogado brasileiro já tomou a frente, segurando-a pelo braço e pedindo que fechassem a porta.
Refeitos do susto, Sueli contou tudo o que havia sofrido, imediatamente chamaram a polícia que já havia prendido o italiano que estava no restaurante, que em sua defesa contou toda a verdade, as autoridades então começaram às providências e a polícia holandesa prendeu toda a quadrilha, libertando as mulheres que eram escravizadas sexualmente. Em três dias Sueli chegou ao Brasil e depois em sua casa, onde contou tudo e prometeu jamais deixá-los novamente. Alguns anos depois Sueli casou-se com um executivo, mas nunca teve coragem de contar o que viveu. Jogou toda aquela história horrível no mar do esquecimento. Entregou a Deus.
Esta é uma história real, nomes foram trocados para proteger as verdadeiras identidades daqueles que viveram os fatos.
Nos anos 80 em uma cidade próxima a Manaus, vivia Sueli, uma bela morena de cabelos negros e longos, com seus mais de 1,80m, vivia a sonhar com dias melhores para sua família. Desde criança vivia a dizer que quando fosse grande daria tudo de bom para sua mãe, dona Ercília. Talvez sempre pensasse assim em virtude das dificuldades que enfrentara no interior do estado, de onde haviam vindo para a cidade em busca de dias melhores. Sueli estudou com muita dificuldade, era sempre observada por onde passava, era bonita, e despertava atenção de todos, até daqueles que nem queriam saber da sua vida, mas sempre os chamava atenção.
Certo dia ao cruzar com uma aparentemente inocente senhora, na cidade de Manaus é convidada para trabalhar de modelo, segundo a senhora, Sueli dispunha de todas as qualidades inerentes a profissão e, melhor, com um ótimo salário poderia dar a senhora sua mãe o que sempre desejara, uma vida melhor e de paz financeira. Em poucos dias a senhora foi até a casa dos familiares de Sueli, conheceu todos, prometendo mundos e fundos para uma vida melhor.
Rapidamente a conversa se espalhou na cidade, Sueli iria morar no Rio de Janeiro e iria aparecer na televisão. Dias depois a conversa mudou de tom, agora Sueli já iria viajar para fora do país, segundo a “sua agente” após mostrar suas fotografias para os contratantes ficaram apaixonados por sua beleza incomum.
Após uns trinta dias de toda essa boa notícia, Sueli foi até a Polícia Federal e recebeu seu passaporte, estava tudo certo para viajar à Europa e conhecer terras distantes e ainda ganhar muito dinheiro com sua beleza. Tudo acertado, apresentadas as referências da agente, tudo como mandava o figurino. Agora era só esperar o dia da partida. Passados mais alguns dias a conversa mudou novamente, Sueli deveria viajar até Belém onde iria desfilar numa espécie de apresentação para umas marcas internacionais e depois seguiria para a Europa. Sem problemas para Sueli, ela queria mesmo era sair daquele fim de mundo para o velho mundo, o europeu.
Chegado o dia da viagem, houve as despedias, muita emoção, choro, mas Sueli estava feliz, iria em busca da sua vida, do seu sucesso. Deixada no aeroporto embarcou com sua agente para Belém. Durante o voo nova versão sobre o trabalho, agora não iriam mais desfilar em Belém, mas apenas fazer um conexão para a Paramaribo, no Suriname, e de lá direto para a Europa, segundo sua agente: “coisas do ofício, uma agenda muito corrida e conturbada para quem trabalha com moda”.
Chegaram em Belém à noite e foram direto para um hotel muito simples, deixando Sueli desconfiada, pois estava sendo contratada por pessoas ricas e a estavam hospedando num hotel de quarta categoria. Mas tudo bem, quem sabe estavam testando sua simplicidade.
No dia seguinte, foram de carro até uma determinada cidade e de lá pegaram um pequeno avião, agora havia se juntado ao grupo mais quatro meninas, todas com aparências de jovens amazônicas, do estilo da própria Sueli. O que tinham em comum: desejo pela riqueza e com baixa instrução, tinham vindo dos interiores, do meio da imensa floresta amazônica.
Chegando em Paramaribo a coisa foi ficando pior, agora o hotel era de última categoria, segundo a agente era em virtude da super lotação dos demais hotéis, havia um evento na cidade. Tudo bem, concordaram as moças, afinal estavam trabalhando, em turismo seria outra coisa.
Da periferia de Paramaribo pegaram a Kennedy Higway e chegaram no Aeroporto de Johan Adolf Pengel, tudo muito bonito, gente bonita, a coisa começava a melhorar. Apresentaram seus passaportes e em pouco tempo já estavam na luxuosa aeronave que rumaria a Rotterdam, no reino da Holanda.
Durante o voo, mais de dezoito horas, pois quando chegou na Europa houve algumas escalas, mas tudo era alegria, os planos das futuras e já novas beldades das passarelas europeias era contagiante. Muito planos, a vida melhor, a tão sonhada realização financeira e muito mais. Tudo era perfeito.
Uma vez em Rotterdam, desembarcaram, sem problemas com a emigração, foram orientadas e dizer que estavam de férias e, iriam se encontrar com um grupo de membros de uma congregação evangélica, segundo a agente era uma forma de evitar problemas, mas que logo teriam seus vistos de trabalho.
Em aproximadamente três horas chegaram “em casa”. Foram recepcionadas por pessoas estranhas, um homem com as feições da morte, se é que a morte tem cara, saíram da condução direto para um recinto que mais parecia um antigo alojamento militar, com uma diferença, escuro, sem circulação de ar, sujo, e seu dormitório se assemelhava às instalações de Auschwitz, aquele campo de concentração onde amontoavam as pessoas a espera da morte. Rapidamente pediram seus passaportes recolhendo e prometendo que logo os entregariam. Foram aconselhadas a entraram nas instalações e lhes foi dito que ali viveriam. Aquela seria suas realidades dali por diante.
A agente deu as costas e as entregou literalmente para aquelas pessoas. O desespero tomou contas das moças, tremiam, choravam, e começaram as agressões. Soco na barriga, alguns beliscões, tapas em suas faces. Incrédulas no que passavam se perguntavam o porquê de tudo aquilo, afinal de contas onde estavam as passarelas, o contrato que assinaram, que diabos era aquilo. Amontoadas e chorando, em total desespero, quando entra no local uma pessoa que pouco falava português, e explica que a partir daquele dia suas vidas não lhes pertenciam mais, que eram propriedades de um certo senhor Kropper, e que teriam hospedagem, comida, droga, e direito a sonhar, mas que seriam escravas sexuais, teriam que fazer muito sexo com os clientes do senhor Kropper, para pagar suas despesas.
As moças se juntam em torno de Sueli, que aparentemente se mostrava mais segura de si, mas era apenas fachada, estava com tanto medo que nem lembrava como havia chegado ali. Em poucos minutos foram empurradas para um outro local onde encontraram mais pessoas, aproximadamente umas vinte moças, ou o que havia restado delas, verdadeiros trapos humanos, pareciam drogadas, embora bem maquiadas e com uma espécie de um perfume coletivo.
Naquele momento foram dispensadas do “trabalho” mas no dia seguinte seria dureza, segundo avisou num falho português um dos seguranças do local. As moças desfaleceram, e no dia seguinte, pediam a Deus que acordassem daquele pesadelo, queriam suas mães, suas famílias, a vida pobre que tinham, queriam de fato suas liberdades. Mas a realidade era outra, e em poucas horas começaram as torturas, estupros, e tudo mais que se possa submeter uma verdadeira escrava sexual, estavam presas, sem direito algum, tudo a partir de agora seria apenas dor e sofrimento. Sueli estava em total desespero, na primeira oportunidade se drogou, não queria viver aquela realidade, queria fugir, embora nada pudesse fazer, apenas suportar todo aquele sofrimento.
Passados seis meses naquela vida desgraçada, Sueli conhece um italiano que virou seu “freguês” sempre que podia estava no local pagando e recebendo por favores sexuais. O local não era nenhuma boate, mas uma bonita casa, de fachada bonita, aparente calma, um bonito jardim, e uma conexão para as instalações onde viviam as escravas, um corredor enorme com vários cubículos com camas onde recebiam os clientes, ao fundo um banheiro coletivo das moças. O cliente que quisesse podia levar para o apartamento bebida ou fazer uso de droga pesada. Tudo isso custava caro, já que as moças eram importadas e segundo seus “administradores” tinham certificado de qualidade e saúde. O italiano ficara impressionado com a beleza de Sueli, ela por sua vez viu nele a sua oportunidade de dali fugir, escapar, pois já estava no limite da sua dor.
Certo dia o italiano chega e fala para Sueli que iria conseguir “um passe” para ela com ele ir a Veneza, ele queria visitar uns parentes e levaria ela como sua namorada, mas que para isso estava pagando uma fortuna para o senhor Kropper, seu proprietário. Sueli pensou consigo mesma, era a chance que pediu a Deus, uma vez na rua fugiria, apesar de se encontrar fraca, debilitada, começaria a fazer qualquer coisa por comida e se de fato fosse para Veneza daria um jeito na sua vida, ou ainda, numa atitude tresloucada iria suicidar, já que não suportava mais aquela vida.
Passados quase trinta dias, chega o italiano e diz que estava marcado, que no final de semana Sueli iria com ele até Veneza, passariam uns cinco dias juntos, já havia acertado tudo. Era chegada a hora, ou seria naquela oportunidade ou nunca mais Sueli sairia dali. Se preparou e confidenciou a sua única amiga, que iria fugir e voltaria com a polícia para libertar todas elas, mas que ela ficasse calada, e que se falasse perderia a sua vida de uma vez por todas.
Chegado o dia, Sueli recebeu roupas, bolsa, fez uma maquiagem, estava pronta, apesar do sofrimento enfrentado ainda era possuidora de uma beleza incomum, estava bonita e quem não sabia da sua vida jamais imaginaria o sofrimento que vivia. Foi com o italiano, juntos pareciam de fato um casal romântico e apaixonados. Sueli só tinha na cabeça a fuga, mas para isso precisaria comer bem, ficar forte, pois iria brigar se preciso fosse pela sua vida, considerando que estava muito debilitada.
No primeiro dia no hotel comeu que nem um dragão que estava adormecido por duzentos anos, bastante suco, mel, frutas, parecia uma pessoa muito feliz ao lado do seu amado. Fizeram passeios nas gôndolas de Veneza, e no terceiro dia, era chegada a hora do italiano apresentá-la a sua família, disse ele no seu pouco português que iria dizer que casariam em breve, que ela concordasse com tudo e pouco falasse, dissesse que não sabia o idioma e portanto, não teria que dar muitas explicações. Nesse dia ao irem a um restaurante, Sueli encontra um brasileiro, que era garçom no local. Na primeira oportunidade que o italiano foi ao banheiro Sueli o chamou e perguntou onde ficava a embaixada brasileira? Se estava próxima etc. inventando que precisava renovar seus documentos. O garçom brasileiro responde que ficava duas quadra dali, que ela deveria seguir reto a na segunda quadra virar a esquerda, logo ela veria a bandeira do Brasil. Que não era embaixada, mas uma espécie de consulado, mas que lá tudo faziam para ajudar quem pedisse ajuda.
Sueli mediu as consequências da sua atitude de fuga e pensou consigo mesma: amanhã eu retornarei e fugirei, antes vou deixar todos os meus dados com o garçom e pedirei sua ajuda. Das duas uma: ou serei socorrida no consulado ou o garçom chama a polícia e conta tudo. Com a esperança de fugir ficou feliz, foi com o italiano a casa de seus parentes e representou como uma verdadeira atriz, deixando o seu contratante satisfeito e feliz, ao ponto de dizer que mais vezes iria lhe buscar no seu alojamento para passearem por outros países.
O dia amanhece e com ele a esperança da fuga de Sueli, a sua liberdade estava próximo ou a sua escravidão em definitivo. Pediu ao seu acompanhante que queria comer a mesma comida do dia anterior e naquele restaurante, o que foi prontamente atendida pelo italiano. Antes fizeram novamente um passeio de gôndola e rumaram para o restaurante. Lá chegando foram bem atendidos e Sueli escolheu uma mesa próximo da saída, estava decidida. Pediu o melhor da casa, e na primeira oportunidade correria para sua liberdade. Antes pegou um papel que trazia consigo e entregou ao garçom, este por sua vez, pensava se tratar de uma paquera e foi para a cozinha, quando voltou estava nervoso, no papel, Sueli contava o que estava passando, o garçom se aproximou e disse que chamaria a polícia, mas Sueli disse que iria pedir ajuda no consulado e que se algo desse errado ele poderia chamar.
Após o almoço o italiano diz que vai ao banheiro, Sueli levanta-se e beija o rosto do italiano, seria uma espécie de obrigado por tudo e que jamais se veriam novamente. O italiano ficou feliz pela demonstração de carinho e nem imaginava o que aconteceria em minutos. Quando o italiano adentrou ao banheiro, Sueli tirou os sapatos dos pés e como numa corrida de cem metros imprimiu toda sua força, correu, seus cabelos voavam, era observada por todos que por ela passavam, pelo seu tamanho e beleza era notada, mas não enxergava ninguém, apenas corria, ia de encontro a liberdade a qual jamais pensou em perdê-la um dia. O garçom ficou no apoio, chegou a trancar a porta do banheiro por fora, nessa hora os frequentadores do restaurante se levantaram e foram até a porta verificar o que estava acontecendo, um pequeno tumultuo estava formado, Sueli dobrou a esquina e correu para os últimos metros para sua liberdade, avistou a bandeira brasileira e literalmente invadiu o local, passando por algumas pessoas e caindo aos pés de um senhor que explicava alguma coisa para os presentes, deu um grito de socorro e disse: “pelo amor de Deus, me ajude, fui sequestrada, estou sendo escrava sexual, socorro, querem me matar”. Com todo aquele escândalo, os presentes se voltaram para ela e presente um advogado brasileiro já tomou a frente, segurando-a pelo braço e pedindo que fechassem a porta.
Refeitos do susto, Sueli contou tudo o que havia sofrido, imediatamente chamaram a polícia que já havia prendido o italiano que estava no restaurante, que em sua defesa contou toda a verdade, as autoridades então começaram às providências e a polícia holandesa prendeu toda a quadrilha, libertando as mulheres que eram escravizadas sexualmente. Em três dias Sueli chegou ao Brasil e depois em sua casa, onde contou tudo e prometeu jamais deixá-los novamente. Alguns anos depois Sueli casou-se com um executivo, mas nunca teve coragem de contar o que viveu. Jogou toda aquela história horrível no mar do esquecimento. Entregou a Deus.