A Mansão ACBR - parte 3
Parte 3 – A investigação
# Puseram o mordomo em um dos banheiros interditados da mansão. Apenas um banheiro social efetivamente funcionava e a falta de manutenção fazia com que o encanamento estivesse um pouco entupido.
# _Bem _pigarreou Sir Pete _Cá estamos nós. Falemos sem rodeios. Está nevando e a mansão está inacessível. Duvido muito que alguém tenha entrado ou saído. Isso nos deixa com... Um de nós para ter apunhalado o homem.
# Todos baixaram os olhos. Fran entrou, trazendo um bule de chá recém-feito. Serviu as xícaras, mas ninguém estava com estômago para beber chá naquele momento. A fumaça ficou subindo enquanto se entreolhavam sub-repticiamente.
# O silêncio foi interrompido por Strix, que acabava de entrar na sala e disse, em tom de lamento:
# _Sem dúvidas era o homem que entrou no laboratório mais cedo. Eu só queria saber quem o apunhalou com o MEU punhal.
# _Seu?!
# Os ouvidos da sala ficaram alertas.
# _É. É uma herança de família. Podem ver o “A” na defesa. Era pra ser do Lucius, o mano mais velho, mas ele não tinha interesse. Como sou especialista em armas brancas...
# _Você é o quê? _perguntou Luky, assombrada.
# _Especialista em armas brancas _ela sorriu. Pegou uma faca de cortar pão que estava na bandeja do chá e atirou-a com precisão entre dois livros _Papai sempre foi meio preocupado com a minha segurança. Quer que eu saiba me virar sozinha.
# O silêncio constrangido voltara. Alguém anotou num papelzinho: “- Especialista em armas brancas.” Sir Pete foi o primeiro a se recobrar e perguntou, com dureza:
# _E onde você guarda esse punhal?
# _Sempre deixo na mesa de cabeceira. Sabe, pro caso de ser surpreendida no sono. Já aconteceu uma vez, em um balneário.
# _Então estava esse tempo todo no seu quarto?
# _Sim.
# _E o seu quarto estava trancado?
# _Obviamente. Mas como a Luky tem uma chave extra dos quartos na recepção, temo que essa precaução não adiante muito.
# Luky enrubesceu.
# _É uma garantia. Imagine se vocês perderem suas chaves ou derem um piripaque enquanto estiverem trancados lá dentro?
# _Não estou te culpando de nada, Luky _Strix sorriu e piscou o olho para ela. _Só estou tirando o meu da reta.
# _De qualquer forma _Sir Pete disse, gravemente. _A polícia vai tirar as digitais do punhal e talvez descubramos quem pegou. Seria uma boa idéia separarmos a chave extra do quarto da Strix para colherem digitais dela também.
# _Se alguém souber colher digitais, _a garota não se conteve _tenho todo o equipamento. Sabe, luvas, saquinhos transparentes, pozinho... Além de colecionar venenos, também coleciono equipamentos de investigação. Tenho umas lupas bem potentes.
# Lorde Death olhou para ela com a testa franzida. Quando falou, sua ordem foi clara e ríspida:
# _Traga isso aqui. Não vou mexer no punhal, o que é lá com a polícia, mas quero ver essa chave. _Ela já ia sair para cumprir a ordem, quando ele acrescentou: _É melhor ir acompanhada. Só por precaução.
# O olhar dele percorreu Samael “Não confio nele!”, André “Muito tímido.”, Mitáfilo “Esses músicos! E ele nem estava lá embaixo quando o mordomo entrou.”, Tiago, Flávio “Não confio em advogados.”, Júnior “Nem em motoqueiros!” e terminou em Luís “Só um jovenzinho.” Suspirou, desanimado.
# Percebendo as intenções cavalheirescas dele, Strix sorriu.
# _Só preciso dessa companhia _tirou a faca da parede onde se cravara. _Não chega a ser uma arma branca, não tem 12 cm de lâmina, mas dá pra fazer um estrago.
Saiu da biblioteca saltitando. Sir Pete franziu a testa.
# _Enquanto ela não volta, _Sir Pete continuou, com voz imperiosa _Vamos estabelecer alguns pontos. Em primeiro lugar, precisamos saber quem foi o último a ver o mordomo com vida e estabelecer os álibis.
# A palavra “álibi” ressoou ameaçadora na mente das pessoas na biblioteca. Desajeitadamente, cada um disse a última vez que viu o mordomo, começando por André, que estava à esquerda de Lorde Death.
# _Na hora do chá das cinco. Estávamos na sala de jantar, eu, a Lisa, Tuppie, as Lus, Zaira, Luís, Mônica e Pandora.
As pessoas citadas confirmaram que não tinham visto o fulano depois do chá. Embora, no caso de Lu Bertini e Lu Naomi, isso não fosse bem verdade...
# O olhar geral recaiu sobre Mitáfilo, que parecia estar a quilômetros dali. Alguém pigarreou, e o silêncio que veio em seguida chamou a atenção do músico. Atordoado, endireitou-se.
# _Hein?
# _Quando viu o mordomo pela última vez, Mr. Neujahr?
# _Ah, isso?... Não sei. Ele levou uma bebida para mim lá pelo meio da tarde.
# _Meio da tarde é vago.
# _Eu sei. Mas entrei no meu quarto depois do almoço e não saí até que me chamasse para contar sobre o cadáver.
# _Quer dizer _disse Sir Pete com um tom de voz seco _que você não só não pode precisar a hora que viu o mordomo, como, de antemão, já nos informa que não tem um álibi válido desde o almoço até depois que o homem morreu.
# Mitáfilo estremeceu, mas apenas confirmou com a cabeça. Os próximos, em ordem, eram Tiago e Flávio.
# _Estivemos jogando sinuca a tarde toda no salão de jogos _explicou Tiago. _O cara trouxe bebidas para nós, mas deve ter sido bem mais cedo... Três horas, três e meia, algo assim...
# _Três e quinze. Olhei no relógio _Flávio secundou.
# _Não vi o homem desde o almoço _Júnior se adiantou. _Dei um passeio no Museu do Crime, conversei um pouquinho com as meninas, fiquei no meu quarto...
# _Também não o vi _ajuntou Fran. _Estava conversando com as meninas, mas não quis tomar chá... Em momento nenhum cruzei com ele.
# _Um de cada vez _ordenou Sir Pete com rispidez. _Mr. Darcângelo?
# _Ele me serviu um chimarrão perto da hora do chá. Um pouco antes, talvez... Sim, decididamente foi antes. Lembro-me de ouvir o sino do chá depois de ter bebido.
# _Certo. Luky?
# _Passei a tarde quase toda no hall, Pete. Só pude vê-lo de canto de olho, enquanto ele subia e descia as escadas com suas bandejas. Mas não me peça para precisar horários.
# _Fiquei na biblioteca o tempo todo. Também tenho certeza de que fui servido pelo mordomo antes do chá. Falta apenas perguntarmos a Strix se ela tem noção de quantas horas eram quando o mordomo bateu em seu quarto. Comecem a preparar seus álibis para depois do chá.
# Strix voltou pouco depois com uma grande maleta preta.
# _Está tudo aqui.
# _Ótimo. Só uma pergunta. Que horas eram, mais ou menos, quando Mr. Pugliesi bateu em seu laboratório?
# _Quantas horas? Não sei ao certo, mas acho que foi pouco depois das seis. Sou muito boa para saber a hora que o Sol se põe, mesmo não podendo vê-lo. Pelos meus cálculos, quando o barbudinho bateu lá, decididamente já havia passado das seis, mas não muito.
# _Isso faz de você a última pessoa a ver o mordomo com vida.
# _Sério? _os olhos dela brilharam. _Fantástico! Mas isso não está muito certo. O último a vê-lo foi o Basil. Eu os tranquei no terraço, lembra?
# _Falando nisso... Tem alguma idéia do que o homem quês dizer com “o cão”?
# Pela primeira vez ela hesitou. Correu os olhos pelos hóspedes e abanou a cabeça.
# _Não, não posso imaginar. Basil jamais faria mal a ele. Não dei nenhuma ordem nesse sentido. E cães não apunhalam pessoas pelas costas.
# Lorde Death suspirou. Aquela seria uma noite cansativa...
# _Vamos recapitular isso com ordem e método _disse Sir Pete, escrevendo em uma folha de sulfite. _Ás cinco, Diego Pugliesi serviu o chá. Mais tarde, recolheu as xícaras e as deixou na pia, para lavar depois. Algum tempo depois das seis, a julgar pela impressão de Strix, ele subiu ao laboratório. Ela trancou-o junto com o cão. Depois, Mr. Pugliesi só foi visto novamente às oito, pouco antes de cair morto. Suas últimas palavras foram “o cão”. Até aí, tudo certo.
# “Quanto aos álibis, poucos os têm válidos. Ou, em última análise, ninguém os tem válidos, já que uma ou mais pessoas podem estar de conluio. Mas vejamos. Luís alega que esteve com Júnior, Pandora, Mônica e Fran jogando Verdade ou Conseqüência. Nenhum deles se afastou do jogo. Zaira, Tuppence e Lisa ficaram vendo fotos. Tuppence se afastou apenas para pegar o álbum. As três Lucianas ficaram juntas resolvendo assuntos pertinentes ao conserto dos banheiros da Mansão. Tiago e Flávio ficaram na sala de jogos. Alegam ter jogado sinuca por um bom tempo e depois mudado para xadrez. Samael, Mitáfilo, Strix e eu ficamos sozinhos todo o tempo, portanto não temos nem sombra de álibi.
# “O que me intriga é a aparente ausência de motivo. Que ele foi apunhalado deliberadamente e à traição, está claro, já que a pessoa teve o trabalho de pegar o punhal no quarto de Strix e carregá-lo consigo. Mas por quê? Ele chegou hoje à Mansão. O que ele poderia ter feito para despertar em alguém a necessidade de matá-lo? E o que significam suas misteriosas palavras finais? Alguém tem alguma idéia?”
# Os hóspedes se entreolharam, sem jeito. Não tinham idéia e, se tivessem, não diriam na frente de todos. Muito vermelho, André arriscou:
# _Espero que não se ofenda, Strix, mas... Não tem nenhuma prova de que o homem esteve no seu laboratório no horário que você disse que esteve, nem de que o punhal estava em seu quarto.
# _Tem razão _disse ela, tranqüilamente, pegando uma xícara de chá. _De qualquer forma, mantenho meu testemunho _bebericou um pouquinho. O líquido estava apenas morno àquela altura.
# _E também, _contrapôs Samael, em tom cortante _por que ela diria que viu o homem depois da hora do chá? Se fosse a assassina, nem sequer mencionaria que o conhece!
# _Obrigada, Sam _murmurou a garota, dando mais uma chupadinha no chá.
# André se encolheu um pouco, com a dureza da fala do outro. Sir Pete anotou esses fatos mentalmente.
# _Mais alguém tem pontos a discutir?
# O mais longo silêncio desde então se formou. Lorde Death preparava-se para interrogar cada um separadamente, quando Strix deixou a xícara de chá quase totalmente cheia cair. Ela estava estranha. Olhou para Sir Pete, súplice, e disse:
# _Eu menti quando disse que as palavras do mordomo não queriam dizer nada pra mim _bocejou. _Tem outro cão aqui na Mansão sem ser o Basil. Só que eu não podia... _pestanejou. _Não podia... Não...
# Caiu pesadamente para frente, desabando da poltrona. Luky correu para ela, e tentou reanimá-la, dando tapinhas em seu rosto. Os outros se aproximaram, circundando as duas. Tuppence tomou o pulso da garota e soltou um pequeno grito.
# _Não tem pulso!
# Constataram que ela também não tinha respiração. Todas as tentativas de acordá-la foram em vão. Foi com um abalo que todos perceberam que Strix estava morta.
# Depois de Mitáfilo e Lu Bertini deitarem o corpo de Strix em sua cama, o pequeno cortejo que os seguia lançou um último olhar para ela e se manteve na soleira da porta. # Sir Pete dirigiu-se a todos num tom áspero que disfarçava a comoção:
# _Acabou a brincadeira de detetive. Voltem todos aos seus quartos, tranquem as portas, não comam nada, não bebam nada e não abram para ninguém. Amanhã, quando a polícia chegar, esse assunto será resolvido. Boa noite.
# Luky foi a última a deixar o quarto. Pôs um lençol de coelhinhos sobre o corpo e suspirou. “Pobre criança...” Encostou a porta sem fazer barulho. “Durma em paz.”