O pacificador

"Em nome de Cipriano e suas sete candeias ,em nome de seu cão preto, e suas sete moedas de ouro,em nome de Cipriano e sua montanha sagrada ,em nome da árvore dos zéfiros e do grande carvalho - eu peço e serei atendido, pelas sete igrejas de Roma, pelas sete lâmpadas de Jerusalém , pelas sete candeias douradas do Egito,eu sairei vencedor”. Oração para fechar o corpo , atribuída a Cipriano de Antioquia.

Chuto a porta , entramos os dois no barraco , no olho do furacão :Vado na cama , pra lá de chapado , mas o cano da 9 milímetros clareia a consciência rapidinho ,o pilantra já está sentado na cama , meio grogue ,olhar injetado de cachorro doido ; entre o vício e a surpresa , um banho de cuspe na própria cara ,saliva palavrões assustados e mugangas .Todos dão uma de doido , inocente ultrajado , bons cidadãos , só faltam dizer que pagam os impostos em dia , mas pra tudo tem limite : uma pulga entre cachorrões não conta , mas na falta de cachorrões , as pulgas incomodam demais .Jeremias esquenta – lhe o ouvido , a bofetada estala feito chicote , no muquinfo imundo ; Vado mora num duplex em Boa Viagem mas esconde- -se aqui no morro da Conceição , quem sabe , ficar perto da Santa é mais seguro ;a cabeça tomba para um lado,o corpo sarado e musculoso oscila , mas não cai ,feito um joão – teimoso ; a gente bate , ele vira e retorna , vislumbro um olhar arrogante naquela cara cheirada e cuspida , que já despachou tanta gente pro inferno , tanto pó e crack distribuídos , que contornaria esta cidade perdida umas três vezes ; chuto – lhe o peito com vontade , na camiseta de grife surge uma nova estampa ; não , nunca vendi nada , droga é a vida que eu levo ; o cara é um artista da miséria , um soco no meio dos cornos , esse ele sentiu , começa a estranhar a pegada diferente , ninguém falou em grana ; implora ajoelhado , por um alívio , diz que já apanhou bastante ,Jeremias arrebenta –lhe os testículos com a coronha do fuzil ,Vado cai gemendo baixinho , segurando os preciosos , começa a amarelar ,mas é duro na queda - caiu a ficha que algo vai errado .Dinheiro ? Vinte mil para cada um e boa noite ; lá se vão dois dentes no meu soco-inglês , segura o cagaço ,o rosto já é uma poça de sangue em pé ; patético, começa a recuar ,olhos arregalados de espanto : oferecer grana e perder dois dentes ?Encurralado ,braços abertos contra a parede : um inseto no papel pega – moscas . Tira o rolex de ouro novinho do pulso e me estende, em silenciosa oferenda ; encerro o expediente : um tiro entre os olhos de cão danado,saímos do barraco,encapuzados como entramos. Rua quase deserta ,um velho bêbado nos aplaude , entre um tombo e outro: enfim , a paz .

andre albuquerque
Enviado por andre albuquerque em 29/12/2012
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