PSICOPATA FOI LONGE DEMAIS VII

O Delegado-chefe interrompeu as reflexões murmuradas do amigo e consultor do aparato policial.

-Alguns dos nossos cometem suas burradas e as reclamações dos superiores recaem sobre mim.

-Só as que vêm do Gestor Mor ...

-Dele mesmo ...

-É, porque nem mesmo o Secretário reclamaria de você ...

-NNãnãnããã! O Secretário, quando muito faz uma observação em tom meio incisivo mas sempre enfatizando a responsabilidade de um subalterno meu, mesmo deixando nas entrelinhas que sou eu o alvo de suas palavras. Você sabe, corporações como esta às vezes ganham vida própria, e para evitar que isto aconteça é preciso ter à frente pessoas com características especiais, você sabe, afora este seu amigo, não há mais que dois ou três em condições de assumir ... esta delegacia, como bem apropriadamente qualificou uma autoridade no assunto, pode se tornar um monstro de quase impossível controle, então ... fazer remanejamento de pessoal, trocar chefias, realizar intercâmbio de elementos da área operacional com unidades similares de outros Estados e até com organizações federais afins ... mas nem todos, claro, porque há necessidade de manter núcleo estratégico mínimo, afinal, realizamos um trabalho que envolve inteligência, domínio de tecnologias avançadas, auto-controle emocional, desprendimento, entrosamento e para coordenar um grupo com essas características ... você sabe, o perfil tem que caber dentro de um figurino capaz de conciliar pulso, voz de comando com certa maleabilidade, bem você conhece. São problemas relacionadas a essa questão, um desvio de conduta, um excesso, alguém que foi além no que seria sua atribuição específica que pode preocupar e até mesmo irritar o Secretário. Ele procura evitar que as coisas saiam do eixo, é isto.

-E eu bem não sei? Você SABE que EU BEM sei.

-Claro que SEI que você SABE. Estava só ... bom, vamos lá ... O código da operação será "Matar e não matar" ou "Não matar e Matar". É isto mesmo? Teremos que optar por uma das duas denominações, segundo entendi. Posso inserir no meu tablet?

-Tablet?

-Claro! No MEU Tablet, sim. N MEU, em nenhum outro mais, ou você não lembra como funciona? - perguntou o Delegado-chefe com ar sorridente. E continuou - Sim! Por que a surpresa? Você é tão familiarizado com nosso sistema operacional! Sabe que para cada ação damos um nome, algumas recebem até mais de um, e o ... registro, a ... CERTIDÃO, se quisermos chamar assim fica gravado no meu tablet e este é o único equipamento onde o nome fica gravado. As outras pessoas que têm conhecimento têm apenas que decorar e SÓ! Até o Secretário e o Gestor Mor.

-Não é disto exatamente que estou falando.

-DISTO O QUE? - O Delegado-chefe pronunciou estas últimas palavras deixando transparecer uma ponta de aborrecimento com o amigo, consultor e benfeitor da corporação.

-Não estou falando de código - falou com mansidão o médico amigo do Delegado e seu interlocutor privilegiado. Sei que estou roubando seu tempo e lhe tirando a paciência mas serei breve e o mais objetivo que puder.

-Não! Você não me aborrece. Vamos tomar um cafezinho e um pouco de água. Sei que você prefere capuccino.

-Hoje, para ordenar minhas idéias, prefiro cafeína mais concentrada. Café puro.

-Vamos lá.

-Xícara grande, com o líquido quase rente às bordas e sem açúcar, meu raciocínio não pode se perder um fio sequer.

-Aqui está. Cuidado para não derramar, está quase transbordando.

-Obrigado, não se preocupe.

-Mas, voltemos "Matar e não matar" que eu imaginava ser um código, bem criativo, por sinal, imaginado por você.

-Não. É como eu quero que fique a energúmena até morrer. Sofrendo, querendo morrer, mas sem nada poder fazer para colocar um fim ao indescritível, atroz, intolerável sofrimento que um ser humano - ser humano que ela só é na aparência física, quero mais uma vez acentuar - é capaz de padecer.

-Sou inteiramente ouvidos, olhos e cérebro à disposição do velho amigo e benfeitor. Consolida-se minha convicção de que seu objetivo é morte sob tortura intensa mas lembro outra vez que esse tipo de método nós já não temos como ...

- ... viabilizar ...

- ... estamos nos entendendo, finalmente ...

- Finalmente!

- Não é desse tipo de tortura primitiva, rudimentar, artesanal, não!

- Eu lhe direi o quanto há de viabilidade em sua pretensão se você for bem explícito, claro como a luz do sol nas terras cortadas pela linha do Equador.

-AGORA!

-Então, Já!- disse o Delegado-chefe ocupando o canto de um dos sofás.

-Esta ... criatura ... tem que ficar acordada ... consciente ... vendo ... ouvindo ... mas sem poder falar ou andar ... nem mover uma só parte de seu corpo abaixo do pescoço ... a respiração terá que contar contar com a ajuda de aparelhos ... deverá ficar traqueostomizada pelo tempo de vida que lhe sobrar após o ... incidente ... a alimentação ... administrada através de sonda, sem sentir o sabor dos alimentos ...

-TETRAPLÉGICA? É O QUE VOCÊ QUER DIZER?

-É o que eu QUERO QUE ACONTEÇA! E EU irei lá para vê-la, sentir, degustar a satisfação de contemplar seu corpo definhando em cima de uma cama, acompanhar o flagelo potencializado pela visão de minha presença sem poder pronunciar meu nome nem poder fazer um sinal que seja me acusando de nada, de coisa alguma, porque sua incapacidade será total e este será meu grande, enorme, indescritível, inenarrável prazer, e, claro, esforçando o quanto possível for para fingir uma piedade que não estarei sentindo.

Outra vez o telefone privativo do Delegado-chefe interrompe o interlóquio.

Alfredo Duarte de Alencar
Enviado por Alfredo Duarte de Alencar em 09/12/2012
Reeditado em 15/01/2013
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