A Mansão ACBR - parte 1

# Explicações para quem não conhece a ACBR

# ACBR é a abreviatura de Agatha Christie Brasil. É uma lista de discussão do Yahoo! Grupos que se dedica a discutir as obras da grande Dama do Crime e, eventualmente, outros autores policiais. A lista é carinhosamente tratada como “Mansão” e seus moradores podem sobreviver por dias, meses ou anos, desde que tenham a sorte de não beber o Sirop de Cassis envenenado. Em homenagem a esse ambiente tão divertido e querido para mim, compus esse pequeno conto. Os nomes de praticamente todos os personagens são nomes de integrantes da lista, embora a descrição física, psicológica, profissional não seja rigorosamente verdadeira, assim como a ficha criminal de cada personagem.

# Breve comunicado aos aceberianos

# Os nomes dos personagens foram atribuídos, há alguns meses, com base na quantidade de e-mails que cada um enviou para a lista no período que analisei. Espero que ninguém fique triste se o personagem com seu nome só tem uma fala ou se faz o papel de “arbusto” ou “estante de livros”. Se alguém não tem seu nome citado aqui, provavelmente não havia entrado na lista na época. Mas não significa que não esteja na história. A ala oeste sempre está lá, abrigando os fantasmas da lista e outras criaturas que talvez não queiram se identificar...

# Parte 1 – A Mansão do Crime

# Luky acabou de espanar a sala de estar e sentou-se, exausta. Outra Luciana, a Naomi, chegou com uma vassoura e também se atirou em uma poltrona. Por fim, Luciana Bertini entrou com um escovão e caiu em uma terceira poltrona, tão exausta quanto as outras. As três eram primas, e a família delas não tinha muita criatividade para nomes.

# _Precisamos contratar um mordomo, uma faxineira e uma cozinheira logo, Luky! _reclamou Lu Naomi.

# _Não podemos fazer o todo o serviço na Mansão e duvido que algum dos outros aceite fazer! _apoiou Lu Bertini.

# _Mas vocês sabem que sempre foi difícil arrumar empregados para cá, e ficou mais ainda depois do... incidente.

# As três respiraram fundo. Pelo menos, por aquele dia o serviço estava feito, e feito antes dos outros chegarem.

Três anos antes

# As três jovens Lucianas entraram em um café e se sentaram, cabisbaixas. Fizeram o pedido e só depois de sorverem alguns goles do revigorante líquido escuro se animaram a falar.

# _É tão difícil acreditar que o tio Leo Lopes... morreu.

# _Ele era tão bom pra nós...

# _Tão inteligente... O maior criminalista da Europa!

# Suspiraram.

# _Nós três juntas herdamos as relíquias de crimes do tio, a Mansão ACBR e uma quantidade de dinheiro _começou Lu Bertini. _O que vamos fazer com isso?

# As três tinham empregos satisfatórios e estavam muito bem de vida. A família delas era muito rica, por isso, não sentiram necessidade urgente de transformar toda a herança em dinheiro e colocar na poupança.

# _Hummm... _começou Lu Naomi. _Que tal montarmos um museu do crime?

# Luky torceu o nariz.

# _Um monte de pessoas entrando, falando baboseiras e mal escutando o que o guia tem pra falar? A ACBR tem atmosfera, gente. É uma mansão vitoriana em que aconteceram os mais curiosos e sangrentos crimes. Ficaria estéril depois de um ou dois meses de visitação.

# _Então o que sugere? _retrucou Bertini, curiosa.

# _Que tal um hotel?

# _Quem está falando de destruir atmosferas agora?! _Naomi perguntou, triunfante. _Dividir os quartos, abrigar um bando de gente estúpida, com crianças piores ainda... Você endoidou, Luky?

# _Não, não é nada disso. Não estou sugerindo um hotel como outro qualquer. Montaríamos nele um museu do crime, como a Lu sugeriu, mas com acesso apenas para os hóspedes. Estes não poderiam ser qualquer um. Exigiríamos apenas pessoas solteiras, por exemplo. E um dos cômodos poderia ser uma espécie de Diógenes, onde ninguém pode conversar. Além disso, faríamos uma entrevista com o hóspede antes de aceitá-lo, para ver se ele se enquadra. Só abriríamos nas proximidades do Natal, é claro.

# _Por que do Natal?

# _Essa época tem uma atmosfera bem própria. É inverno, e tudo o mais. Desde o dia 26 até pouco depois do Ano Novo, poderíamos abrigar corações solitários, sedentos de crimes e... atmosfera. Não abriríamos por mais tempo que isso, para não criar muita intimidade entre os hóspedes e ficar sempre aquele clima de mistério. Podíamos abrir também na Páscoa, mas sem ser por muitos dias, também.

# _É... _disse Lu Bertini, sonhadora. _Pode até dar certo...

# As três empregaram parte da herança para reformar alguns setores da mansão e montar o pequeno museu com as relíquias de crimes. Em abril, colocaram o anúncio para a primeira temporada de dezembro. Durante um mês esperaram sem que ninguém respondesse. Em meados de março, porém, tiveram o primeiro pedido de reserva. Era um nobre, Sir Pete Daniel Death, velho desconfiado e meio ranzinza, mas cujo título fez com que as três Lucianas achassem que ele combinava com o ambiente da mansão.

# Menos de uma semana depois, um repórter policial relativamente famoso em Londres (nem sempre uma boa fama) fez sua reserva. Mr. Samael Darcângelo também passou no crivo das três por seu conhecimento do mundo do crime.

A partir daí, começaram a aparecer várias reservas. As três levaram um susto ao receber resposta de uma antiga conhecida: Sabrina Baltor (por algum motivo conhecida como Tuppence), uma universitária que estudava Letras na França. Passaram o primeiro dezembro com número razoável de hóspedes.

#

# Na Páscoa, quase todos os hóspedes voltaram. Haviam descoberto uma paixão comum por livros policiais, que quebrara o desagradável gelo inicial, embora todos se mantivessem reservados.

# Foi no segundo dezembro do hotel que coisas realmente desagradáveis começaram a acontecer.

# Um ano antes

# Em outubro, em plena noite do dia 31, um homem tinha marcado um encontro com elas para tratar da reserva. Devia estar próximo dos quarenta, era loiro de olhos azuis celestes, maçãs do rosto repletas de sardas e um sorriso suave e cansado. Quando falou, tinha um sotaque pronunciadamente alemão.

# _Boa noite. Sou Alexander Van Allen. Gostaria de fazer uma reserva e uma proposta um tanto incomum. Espero que não me julguem demasiado louco por formulá-la.

# O magnetismo pessoal do Sr. Van Allen e a palavra “incomum” desculparam previamente qualquer proposta bizarra que ele pudesse fazer.

# _Pode propor, Herr Van Allen. Prometemos, pelo menos, não rir _respondeu Luky, com a devida solenidade. As outras duas confirmaram.

# _Obrigado _sorriu._É simples. Quero reservar um quarto e comprar outro.

# _Comprar? _Luky arqueou as sobrancelhas.

# _É que pretendo transformá-lo em um pequeno laboratório. Talvez seja mais apropriado dizer um pequeno ervanário, um lugar para se fazer pequenas experiências com misturas de ervas e ingredientes bizarros. Alquimia, bruxaria, um pouco de química... Coisas assim. Ah, e também há uma coleção de venenos que já foram usados em crimes, se não se importarem.

# Os olhos das garotas brilharam.

# _O senhor se interessa muito por esses assuntos, Herr Van Allen?

# _Não, eu não _explicou, divertido. _Ainda não mencionei que a reserva é para a minha filha, Strix, não é? Ela só tem 17 anos, por isso não pôde tratar do assunto pessoalmente.

# As três desanimaram um pouco. Bolas! Uma adolescente!

# _Senhor, nós não aceitamos crianç... adolescentes no hotel.

# _Strix é uma boa moça. Alegre, mas muito ajuizada. Não vai dar trabalho a vocês, pelo menos se eu puder conseguir que me vendam o quarto que pedi. Uma vez dentro de seu laboratório, não a verão com muita freqüência. Não se preocupem, ela ainda não é capaz de transformar ninguém em sapo... Mas conhece um xarope muito bom contra resfriados. Farei as reformas cabíveis antes da temporada, não é muita coisa. Por favor... Não sabem o quanto é difícil encontrar um lugar com a atmosfera adequada para ela nessa época do ano...

# Havia algo no olhar dele que fazia parecer uma maldade recusar-lhe algo. Confabularam em voz baixa e decidiram que uma colecionadora de venenos não poderia se destoar tanto do ambiente da mansão.

# _Muito bem, Herr Van Allen _respondeu Luky. _Aceitamos sua proposta. Vamos decidir os detalhes.

# Em dezembro, quase todos os hóspedes já conhecidos e mais algumas caras novas se apresentaram à mansão. Não foi difícil reconhecer Strix, tirando pelo fato de ter cabelos compridos, era praticamente igual ao pai. Entrou cheia de malas e com um ar de inocência que a fez parecer ainda mais nova do que realmente era.

# O então mordomo se oferecera para ajudá-la com as bagagens.

# _Não precisa _respondera, com um ar encantador. _Estão levinhas, olha só.

# Entregara uma mala ao mordomo, que não suportou o peso dela e se estatelou no chão. Sempre sorrindo, a garota a pegara de volta e subiu até seu quarto com desembaraço.

Como o Sr. Van Allen previra, Strix se trancava no laboratório e só saía no intervalo entre o jantar e a ceia, quando se misturava à confraternização da sala de estar, conversava com todos e voltava ao laboratório, de onde só era ouvida saindo altas horas da madrugada.

# O incidente se dera nos últimos dias da estação. A garota anunciara a Luky que iria passar a virada do ano com seus pais, na fazenda de um parente distante e estaria de volta antes de amanhecer. Antes de sair, no dia 31, preparou uma fornada de biscoitinhos e explicara que era tradição em sua cidade natal comer um na última badalada da meia-noite, para dar sorte. Deixara-os cobertos por um paninho e saíra, com a recomendação que todos da mansão experimentassem na virada.

# Quase todos experimentaram, inclusive o mordomo e uma camareira. Passaram violentamente mal depois: o que parecia açúcar polvilhando os biscoitos era arsênico.

Strix jurara de pés juntos que nada fizera de errado com os biscoitos. Apesar de sua veemente negativa, seria considerada culpada se um testemunho não mudasse tudo. Mr. Darcângelo, logo que melhorou o suficiente para ser interrogado, declarou que, logo que Strix saíra de casa, ele não resistira à tentação e comera um biscoitinho e não passara mal. Nada mudou seu depoimento. As investigações recomeçaram, mas não deram em nada. Relutantes, as autoridades fecharam o caso.

# O resultado da brincadeira de mau gosto foi amargo: os empregados se demitiram, nenhum outro aceitara trabalhar na mansão e vários hóspedes não quiseram mais voltar. As Lucianas já estavam pensando em fechar o hotel, mas foram ajudadas pelos hóspedes mais fiéis. Sabrina foi quem ajeitou tudo ao perguntar: “Por que todo mundo está tão chocado por ter acontecido uma tentativa de envenenamento na Mansão do Crime, por excelência?” Graças ao argumento, o que poderia ser publicidade negativa serviu como uma espécie de seleção natural: só os realmente aficionados por mistérios e pelo ambiente da mansão fizeram reservas para o dezembro seguinte.

# De volta ao tempo presente

# Luky tinha sido tacitamente escolhida como gerente do hotel. Era quem cuidava do site dele, quem procurava empregados, quem tinha aquelas conversas chatas com hóspedes inconvenientes e quem ficava à porta da Mansão recebendo os hóspedes no primeiro dia.

# Essa última tarefa era relativamente fácil: só um horário de trem levava pessoas até a vila nas proximidades da mansão, e era quase impossível chegar a essa vila de carro. Pois é. Estradas ruins existem até em países de primeiro mundo. Todos chegavam praticamente juntos. O triste era o frio. Naquele 26 de dezembro estivera nevando de manhã, agora tudo estava parado. Duas corujas cinzentas estavam numa das árvores próximas, fazendo o único ruído daquela imensidão branca.

# Lorde Pete Death chegou primeiro, num táxi pego na vila. Olhou para Luky com aquele olhar desconfiado e entrou, com um “Boa tarde” ríspido. Olhou em volta, atrás do empregado que ficaria responsável pelas malas, mas foi Lu Bertini que foi até o táxi buscá-las.

# _Cadê o mordomo? _perguntou ele, com a desconfiança aumentando ainda mais.

# _Não conseguimos mordomo para essa temporada, Pete _Luky esclareceu, procurando não mostrar constrangimento. _Não se preocupe, a Lu cuida de sua bagagem.

# _Nada disso _ele disse, ríspido. _Essas bagagens estão pesadas demais para uma moça. Largue aí!

Lu Bertini largou-as sem saber o que fazer. Sir Pete pegou as malas e subiu a escadaria principal, taciturno. Luky voltou a seu posto. Logo, um novo táxi surgiu, dessa vez com quatro passageiros.

# Tuppence saiu primeiro, conversando animadamente com Adriano Nehujar, vulgo Mitáfilo. Algo a respeito de músicas, ou poesia, talvez, já que ele era o guitarrista e compositor de uma banda. Lisa e André desceram logo depois. Os dois olhavam um para o outro, meio constrangidos. Ela editava livros e ele os escrevia. Desde que se conheceram no hotel, no ano anterior, haviam se encontrado várias vezes. Profissionalmente, é claro.

# Entraram cumprimentando as Lucianas. Tuppence interrompeu no meio a conversa com Mitáfilo para perguntar a elas como estavam, se tinham feito alguma reforma na mansão, se chegariam muitos hóspedes novos... Lu Naomi e Lu Bertini aceitaram a conversa de bom grado, e o músico, percebendo que ficara no vácuo, tratou de subir com suas bagagens.

# O próximo táxi chegou antes de o anterior sair. De lá, saíram Fran, Zaira, Mônica e Samael. As três tinham o olhar inconfundível das garotas que tinham recebido uma cantada de pedreiro. O repórter saltou do carro e se ofereceu, galantemente, para levar as bagagens delas, mas as três, com olhares gélidos, pegaram suas malas e entraram sem se dirigir a ele.

# André piscou para Samael, quando esse entrou. Fez um três com a mão e um gesto que simulava uma risada. O repórter levantou um pouco a camisa para mostrar o cabo de um facão e o outro engoliu o riso.

# O quarto táxi deixou Pandora, Tiago, Flávio e Luís. Luky cumprimentou-os, como fez com os outros.

# _Já chegou todo mundo, Tiago?

# _Dos que desceram do trem só falta um. Hóspede novo, não me lembro de tê-lo visto antes. Ele não quis se apertar no táxi com a gente, está vindo de moto.

# Falando nele, Júnior acabava de parar a moto bem em frente à porta de entrada.

# _Tem um lugar pra eu estacionar ela? _perguntou, sem saber a quem se dirigir.

# _Pode deixar em um dos estábulos antigos _disse Luky, prestativa. _Contorne a casa, vai ver um deles.

# _Valeu!

# Um pensamento intrigou Luky. Parou Luís, que ia subindo com sua bagagem.

# _Espera, está todo mundo aqui, mesmo? E a Strix? Vocês a viram na estação?

# _Não. Ano passado, ela também não veio de trem. Não sei como faz para chegar aqui, não tem outro caminho.

# A gerente ficou mais um tempo de pé, esperando. Strix confirmara sua reserva. Mas a história do trem era estranha. Será que algum imprevisto a fizera desistir? Ou será que os pais não a quiseram liberar por causa dos acontecimentos do ano passado? Júnior entrou esbaforido, depois de ter feito a pé e com mochila o caminho de volta dos estábulos.

# “Cadê a Strix?”

# Esperou mais cinco minutos e nada. Começava a nevar de novo. Cansada, Luky, deu as costas para entrar.

# _Espera!!!

# A garota, com toda a sua malaria, avançava com dificuldade pela neve. Usava muito mais agasalhos que o necessário, ficando menos ágil.

# _Por onde você veio?

# _Boa tarde, Luky! Desculpe a demora, papai não quis me liberar até o último instante... Amolação!

# _Você veio no trem? _insistiu a gerente.

# _Não... _respondeu ela, vagamente. _Ah, eu tive que trazer um bichinho esse ano. Ele pode ficar aqui fora? É que o tio Henry não quis ele na fazenda de jeito nenhum.

# _Depende do bichinho... _ela já estava apreensiva.

Strix assoviou e um enorme cão preto saiu correndo pelo caminho que levava à Mansão e pulou o muro. Não pertencia a nenhuma raça, e o mais assustador é que, se ficasse sobre duas patas, teria quatro metros das patas de baixo à ponta do focinho. Sua aparição chamou a atenção das pessoas na sala de estar, que correram à porta para vê-lo. # Orgulhosa, Strix acariciou o pescoço do cão, que apoiou carinhosamente a cabeça no ombro dela.

# _Esse é o Basil, não é um doce? Estava perdido na charneca do lado da fazenda do tio Henry Baskerville. Normalmente, nós o deixamos no castelo quando vamos viajar, mas esse ano nosso caseiro adoeceu... Posso deixá-lo no velho celeiro?

# Luky não sabia o que responder. Apenas balançou a cabeça e a menina apressou-se a conduzir o cachorrão. Voltou poucos minutos depois, sorrindo.

# Primeiro, venenos. Agora, um enorme cão preto. Aquela garota ainda acabaria com a Mansão ACBR.

#

# Lu Bertini entrou na sala de estar com uma bandeja de chá e Zaira, com outra. Zaira se prontificara a fazer o chá das cinco, ao saber da falta de empregados. Nada a fizera mudar de idéia e, como Strix se oferecera para ajudar caso ela não quisesse, Luciana teve que aceitar a ajuda da professora. Aproveitaram o chá para discutir amenidades.

# _E então, André, seu livro novo sai ou não sai? _Tiago perguntou.

# _S-Sai, é que... Sinceramente, acho que não está tão bom ainda, Preciso mudar algumas coisas...

# _Não liguem pra ele! _Lisa cortou, divertida. _Fica dando uma de inseguro, mas a gente sabe que está ótimo. Tem até um conto baseado no incidente do ano passado.

# _Que legal! _Strix bateu palmas. _Um dos exemplares é meu e ninguém tasca! E eu o quero autografado! E se eu for culpada de alguma coisa no livro, quero dois!

# André corou violentamente, uma vez que a personagem equivalente a Strix, de fato, era a culpada.

# _Tudo bem, tudo bem, ele dá três e não falamos mais no assunto, tá? _socorreu Lisa.

# A garota e outros na sala olharam maliciosamente para Lisa, que desconversou:

# _Por que você não traz seu violão e toca alguma coisa pra gente, Mitáfilo?

# _Pregui... _o músico cabeludo reclinou-se mais em sua poltrona.

# _Preguiça, nada! _Flávio protestou, de bom humor. _Estamos esperando pra ouvir seu novo sucesso ao vivo! Afinal, não sabemos quando você vai ficar tão famoso que não tenha mais tempo pros amigos... Temos que aproveitar!

# _Ei, eu sou famoso. Só não sou mais porque gosto dessa vidinha sossegada...

# _A gente sabe _Tuppie piscou.

# _Cadê a Fran, a Pandora, o Luís e o Júnior? _perguntou Lu Naomi, que ainda estava com uma bandeja de chá, andando pelos cômodos. _Não os vejo em lugar nenhum...

# _Estão na sala de jogos, jogando bridge _esclareceu Luky, entrando com um monte de papéis. _Estou atualizando as fichas dos moradores, aquelas que ficam lá na Área Restrita da Mansão, e preciso fazer algumas perguntas...

# Uma estranha tensão invadiu a sala. Todos, por um motivo ou outro, haviam mentido em algum campo da ficha.

# _Primeiro vocês dois... Flávio ou Tiaguinho: a Dickson & Hastings continua com o mesmo telefone que vocês me deram? Eu queria contratar os serviços de vocês para os assuntos legais da mansão, mas ninguém atendia...

# _O telefone andou com problemas _Tiago respondeu, sem jeito, lembrando-se do assédio dos cobradores.

# _Vou te passar nossos celulares, é mais seguro _emendou Flávio.

# _Certo. Dita aí. Tá. Obrigada. Zaira, sua data de nascimento da ficha e a do registro de hóspedes não coincidem. Qual é a verdadeira?

# A professora corou e chegou até Luky. Sussurrou algo no ouvido dela, e a gerente assentiu, compreensiva.

# _Calma, gente, já está acabando! _Luky piscou. _Samael, você que está aí quietinho, me diga: esse brasão da família Darcângelo que você desenhou aqui e esse lema “não posso ser mais, não ouso ser menos” são reais, ou você inventou?

# _Bah, é claro que são reais! Os Darcângelo eram a família mais poderosa da Argentina!

# _E por que deixaram de ser? _Mônica perguntou, inocente.

# _Por que agora, eu, o último Darcângelo, vivo na Inglaterra! _ele respondeu, empinando o nariz.

Na sua poltrona afastada, Sir Pete fez um ruído mordaz, e Samael olhou-o sombriamente. Percebendo a tormenta que se avizinhava, Luky tratou de agir:

# _Já que você se manifestou, Pete... Aqui na sua ficha diz que você é aposentado. Aposentado de quê?

# _Várias coisas _o nobre disse, vago. _Trabalhei em muitos lugares.

# Luky arqueou as sobrancelhas, mas o velho lançou-lhe um olhar tão proibitivo que ela voltou-se para Strix, que observava tudo encantada.

# _Última pergunta... Strix, a carta que eu mandei pro escritório do seu pai voltou, você pode me dar o novo endereço?

# _Claro! Mas acho melhor não. O papai vive mudando de escritório, esse último, por exemplo, foi incendiado. Nosso endereço fixo é esse aqui: Castelo Van Allen, Kansendorf, Alemanha.

# _Você mora em um castelo, Strix? Que demais! _Tuppence disse, animada.

# _Não é? O Castelo é propriedade da minha família há séculos. O vovô construiu quando se tornou Barão de Kansendorf.

# _Peraí! Séculos?! Não foi seu avô que construiu?

# _Força de expressão _disse ela, sorrindo. _Vocês podem me visitar quando estiverem nos arredores. É só chegar em Kansendorf, perguntar onde fica o Castelo Van Allen, fazer uma cruz com os dedos e cuspir no chão.

# _Pra que esse negócio da cruz?

# _Pra atrair boa sorte. Kansendorf é pouco mais que uma vila, o povo é muito supersticioso... Se não fizer o gesto de boa sorte, eles irão correr sem te responder. Você acredita que o carteiro só vai no Castelo uma vez por semana e exigiu que a caixinha de correio ficasse do lado de fora dos muros? _sorriu de novo, ainda mais radiante.

# Sir Pete, Samael, Tiago e Luky lembraram-se de Basil e acreditaram sem dificuldade na exigência do carteiro.

# _Novidade, meninas, novidade! _Luky desligou o telefone e disse às outras duas Lucianas. _Responderam ao anúncio de mordomo! Ele vem amanhã de manhã! Se eu estiver ocupada, recebam Mr. Diego Pugliesi pra mim?

# Diego Pugliesi entrou na Mansão na particularmente fria manhã de 28 de dezembro. Antes de entrar, ouviu um uivo lúgubre vindo dos fundos. Olhou bem para a porta e o antigo brasão entalhado no alto. Do lema original, apenas as letras soltas A, C, B, e R eram ainda legíveis, o que dava nome à mansão.

# “Mansão ACBR, hein? Aqui tem marosca...”

Strix Van Allen
Enviado por Strix Van Allen em 05/03/2007
Reeditado em 01/05/2007
Código do texto: T402233
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