Causos de um Polícia de Campanha- Probleminha
Mais uma sexta-feira naquela delagaciazinha de cidade pequena, e minha única vontade era que o dia passasse o mais rápido possível, para voltar para casa a 200 km dali, e descansar com minha família. Pelas 9 horas chegada o tal de “Fininho” na DP, “um chinelo conhecido”, ladrãozinho fino. Só nesse ano tinha respondido uns dez inquéritos de furto e roubo. Chegamos a cumprir um mandado de busca na casa dele, e até foi engraçado, pois, nunca tinha visto uma maloca com tanta coisa furtada. Tudo na casa era de furto, fogão, geladeira, ventiladores, tudo mesmo, tivemos que chamar um caminhão da prefeitura para levar as tralhas, mas como Fininho não estava no local, não foi preso em flagrante. Apesar de tudo, o sujeito parecia um pobre coitado, magrinho, pequeno, ombros caídos, falava baixinho, todo humilde, parecendo um desses colonos ingênuos do interior.
Como já estava acostumado com a presença dele na DP, já fui perguntando, que ele queria, e me disse, que queria falar comigo em minha sala. Pude ver que ele estava nitidamente nervoso, com o boné nas mãos, tremendo. Perguntei:
Que foi? Que aconteceu contigo.
É que tive um probleminha em casa com a mulher.
Não achei nada de mais, pois, no interior Maria da Penha é comum, e não era a primeira vez que ele se desentendia com a esposa. Uma “coitadinha”, humilde, que não tinha boca pra nada, mal sabia falar. O único defeito da pobre era andar sempre atrás do imprestável do marido, e pra piorar a situação tinham três filhos, e o ultimo recém nascido não tinha um mês ainda.
- tá mas e aí, que aconteceu?
Um probleminha... Degolei a mulher (assim simples).
Mas como isso Fininho?
Ela disse que ia me larga, e ia conta tudo pra policia dos meus “robo”, dai eu degolei ela.
Que dizer pra um sujeito desses? Pedi pra ele esperar, falei com o delegado, e os outros colegas foram agilizando a perícia, e eu colocando o Fininho no papel. Repetiu tudo sem remorso. Perguntei onde estava o filho deles, e me respondeu que com ela, mas que ela tinha largado ele pra passar a cerca, e dai ele lhe cortou a garganta. Assim feito bicho, na frente do filho recém-nascido.
O restante da equipe da DP foi no local, um fundão de campo, no alto de um cerro, a mais de quilometro da estrada, isso a um sol de onze horas da manhã de um verão gaúcho bagual. E fiquei registrando o flagrante, com Fininho algemado a bascula do cartório. Dizia ele que não precisava, que ele não ia fazer nada. Respondi apenas, que aquilo ali não era pra minha segurança, e sim pra dele, pois, só estávamos nós dois, e se eu desconfiasse de algum movimento dele, a gente podia se estranhar (colocando a mão no revolver), então com ele algemado eu ficaria mais tranquilo.
Nessas tantas, o delegado liga e pede pra eu ir fazendo a preventida dele, que encontram a mulher, caída perto de uma cerca, esgorjada (existem três tipo de ferimentos cortantes no pescoço. Degola- ferimento mais superficial; Esgorja- ferimento profundo, onde a cabeça quase é separada do corpo ficando apenas pendurada, e Decapitação- onde a cabeça é separada do corpo). Disse o delegado, que a vitima tinha sido ferida brutalmente, e com muita violência e possuía diversos cortes profundos pelo corpo.
Nem dava pra acreditar que aquele capial, que estava na minha frente parecendo um pobre coitado, tinha feito aquilo.
Já eram umas três da tarde e ligo pro delegado dizendo que tá pronta a preventiva, ele diz já esta voltando pra DP, mas que falou com o juiz e ele não iria dar a preventiva, pois, o autor, tinha se entregado por livre expontanea vontade, e que ele seria solto para responder em liberdade. Não acreditei no que estava ouvindo, e disse ao delegado que não dava para soltar o cara, que a porta da delegacia estava cheia de gente, pois, a cidade toda já sabia do fato. Respondeu apenas que conversaríamos na DP.
Na delegacia o delegado assinou os papéis e disse pra eu soltar o cara, e eu respondia que a gente não podia fazer aquilo, e ele dizendo que era ordem do juiz. O sangue me ferveu, e acabei batendo boca com o delegado. Não acreditava que ia ter que soltar um assassino confesso. Infelizmente tive que acatar as ordens, e falar pro Fininho que ele ia ser solto. Ao ouvir isso o vago, fez uma cara de que não estava acreditando naquilo. Dizia ele:
- Mas eu matei, como vão em solta? E se os irmão dela me matarem?
Pois é... O vago não queria ser solto, estava com medo de ser morto pela família da vitima. Mas fazer o que? O Juiz tinha mandado soltar, tá solto. E lá se foi ele porta da delegacia a fora, passando pelos olhos incrédulos da população. De nada adiantou eu dizer pro delegado que para o povo da cidade, nós que ficaríamos como incompetentes, para eles nos que soltamos o assassino. Mas o delegado não queria peitar o juiz, pra ele era mais fácil me mandar ficar quieto, e assim o fez. A raiva me corroeu por dentro, pois, não foi pra isso que entrei na policia, mas infelizmente a justiça no Brasil é assim, para o criminoso tudo, para a vitima nada.
O pior foi que na terça-feira, vários dias depois do fato, o juiz expede a ordem de prisão do cara. Não sei se para mostrar poder, ou para dizer que era ele que mandava ou que diabos, o fato era que teríamos que ir novamente no interior, subir cerro, andar quilômetros pelo campo, atrás de um cara que já havia se entregado. Absurdos da justiça brasileira meu povo!
Então fui eu e um colega atrás do cara, depois de andar meia hora por lavouras, chegamos na casa do vago, que estava almoçando no fundo da casa. Em quatro dias o cara podia ter fugido, podia ter matado outra pessoa, podia ter sido morto, mas tivemos sorte ele estava em casa, realmente era um jeca o infeliz. Voz de prisão dada, o cara foi preso. Na viatura a ficha começa a cair, e ele a ficar agitado, e me pergunta se vai ficar muito tempo preso. Respondo que pouca coisa, uns três meses no máximo. Ele se acalma e vai tranquilo o resto da viagem até o presidio. Pena que me enganei, afinal não sou advogado. Fininho pegou 21 anos de cadeia, por ter deixado três filhos sem mãe. Disso tudo só me resta a pergunta: e um juiz desses tem mãe?
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