PSICOPATA FOI LONGE DEMAIS VI

-Eu a quero MORTA mas VIVA ou, se preferir, viva mas morta, MORTA COM VIDA.
-Não sei se entendi bem, você quer que esse traste tenha morte lenta?
-Sim, Sim! E-XA-TA-MEN-TE! Finalmente eu consegui me fazer entender, falou ELE, erguendo as mãos com as palmas fechadas, em gesto que denota o alcance de um triunfo. E a constante severidade do rosto, por breves momentos cedeu espaço a um leve e logo dissipado sorriso.
-Não temos método, melhor dizendo não temos pessoal treinado para essa modalidade de ... sacrifício, entendeu?
-Tem pessoal, sim e do bom, não esqueça de que eu conheço razoavelmente esta corporação em sua parte menos visível para a população.
-Meu amigo e Benfeitor social, uma morte lenta só se fosse por meio de uma degola, ou pendurando de cabeça para baixo durante longo tempo para então...
-NãNãnãnãnã ... eu ainda não expus devidamente o que pretendo
-Você sempre foi excelente expositor de idéias e conceitos, tem uma verve inteligível até para os mais obtusos, mas a revolta e a indignação - justa, explicável, diga-se de passagem - parecem tê-lo deixado com menos clareza expositiva, mais prolixo ... desculpe, não queria ser rude.
-Não está sendo, não está ... sou eu que de fato estou transtornado e, você entende,
- Claro, óbvio ... entendo ... por sinal gostaria de ter satisfeita uma curiosidade que me acompanha desde quando você externou pela primeira vez o desejo de pôr fim à vida da megera. Um homem pacífico, humano, apiedado do sofrimento humano até dizer basta, como pode, num repente, querer dar cabo de uma pessoa?
-Psicopata NÃO é gente, tem apenas a anatomia e as mesmas funções fisiológicas do humano, mas não é humano no sentido filosófico, psicológico que nós.
-São humanos também pelo fato de pensar
-Com a diferença de que NÓS, NÓS nem sempre colocamos em prática o que pensamos, temos senso de limite, temos um ponto que nosso discernimento aponta como sendo o extremo de até onde podemos ir
-Humrum ...
-E repito, nascemos instinto puro, até aí, praticamente não nos diferenciamos de um irracional, de um bicho bruto
-A educação, em sentido amplo é que nos ensina a diferenciar o bem do mal, o certo do errado, o que é proibido do que é consentido ... você repetiu muitas vezes em suas explanações e nas aulas que tive durante o curso de Direito vários mestres repisaram ...
-Ainda fazendo a (estala os dedos, como se quisesse lembrar
uma palavra) ... a analogia, a comparação com animais, eu pergunto: existe figura mais representativa do afeto, da ternura, da tolerância, enfim, do que é BONDADE no ser humano do que a mãe?
-NÃÃÃO! Embora nem todas e certos pais que conheço são igualmente expressão de afeto ...
-Na prática, sim, mas no imaginário coletivo a simbologia dessa grandeza e infinitude de sentimentos ainda é associada fortemente, se não exclusivamente, à mãe.
-SIM! SIM!SIM! Inclusive aquelas que não são mães biológicas, mas adotaram afetivamente uma criança, sei, sei sim, como não?
-Como reage uma mãe, ou uma avó frente a uma ameaça feita a um filho ou neto? Fica passiva, inerte, sem ação?
-A minha, a sua, NUNCA ficaram ou ficariam, minha mulher não fica, ou a sua, NEM EU TAMBÉM! FERA FERIDA, que é mais letal, é assim que ficamos e elas ficam ou ficariam. Falamos em termos abstratos, claro, porque ameaça concreta, séria ...
-VOCÊ! Você felizmente nunca sofreu, mas se vier a encarar ...
-Destruo o mundo, SOU CAPAZ.
-Daí a empatia que você estabeleceu comigo
-Sou capaz de esganar com minhas próprias mãos, trucidar lentamente (o Delegado-chefe fazia com as mãos gestos que indicam quando se está torcendo um objeto. O rosto naturalmente pálido estavam de um vermelho vivíssimo, pareciam congestionadas por sangue.)
-AÍ! Um psicopata JAMAIS se indignaria como nós, simplesmente porque não têm afeto senão por si próprios. E (ELE pousou uma das mãos no ombro do amigo) o ódio, a fúria é sentimento antagônico do amor mas os dois são faces da mesma moeda. Quem se enfurece - frente a uma injustiça ou ameaça - é justamente aquele que tem mais capacidade de amar.
-O psicopata não se enfurece, então?
-Não, é tranquilo, frio, inabalável. Quando demonstra consternação é por fingimento, porque lhe convém.
-Entendi. Aliás, em teoria o tipo é bem conhecido e no início de minha carreira na Corporação, quando fazia o chamado trabalho de campo, tive oportunidade de ficar cara-a-cara com vários deles. Na faculdade, também era tema recorrente, sobretudo em certas disciplinas.
-Então?!
-Alguns, depois de presos, afirmavam cinicamente que quando estivessem soltos voltariam a matar do mesmo jeito. A propósito, não sei se você leu na internet, foi agora, pouquíssimos dias atrás, um caso que ocorreu nos Estados Unidos ...
-O do criminoso que foi solto por engano e ...
- ... no mesmo dia cometeu um assassinato com requintes da mais abjeta crueldade! Então?
- Que ninguém se iluda! ELA, como todos os demais dessa ... ESTIRPE MALIGNA constituem um risco de IN-CAL-CU-LÁ-VEIS dimensões para a COLETIVIDADE, veja bem, para a CO-LE-TI-VI-DA-DE e que é PERMANENTE, diga-se, eles não têm limite no tempo nem na proporção da crueldade dos atos. Então, enquanto viverem, alguém está na iminência de ... de ...
-... MORTE!
-MORTE CRUEL! VIL! HEDIONDA! ou não de morte, mas de um terror psicológico atroz, insuportável. Lembra-se daquele pai - nem gosto de me referir a esse energúmeno como pai, mas o designativo não pode ser outro porque ele gerou as moças ...
- ... moças que eram suas próprias filhas? Lembro sim, como poderia não lembrar? Cinicamente repetia, como justificativa que não tinha criado GENITÁLIAS FEMININAS ...
- ... BUCETAS, era como se expressava ...
- ... é, ele não tinha pudores nem algum requinte de linguagem para falar de outra maneira. " Não criei bucetas para outros comerem" ... Repugnante, lembrei, sim, mas foi morto na prisão pelos próprios companheiros de cela.
- Pois é, amigo, nem uma certa categoria de facínoras tolera a malvadeza desmedida.
- Sim, mas sejamos objetivos, que venham agora os detalhes da fase operacional ...
-Se ao menos tivéssemos leis mais rígidas, a prisão perpétua, pelo menos, até com possibilidade de remissão quando o energúmeno, por idade muito avançada ou doença orgânica incurável já não representasse perigo ... quem sabe, tecnologias que possibilitassem o acompanhamento do indivíduo, já em liberdade, durante as vinte e quatro horas do dia ... (neste ponto, o interlocutor do Delegado-chefe falava quase que murmurando, como se pronunciasse as palavras para si mesmo. Divagava ... Pensava alto, como é costume dizer.)
-Já existem, mas aqui ... com licença, o telefone.
O Delegado olha para o aparelho, faz sinal com o dedo para que o interlocutor se mantenha em silê
ncio e se distancia cerca de dois metros.
Alfredo Duarte de Alencar
Enviado por Alfredo Duarte de Alencar em 20/11/2012
Reeditado em 09/12/2012
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