Nossos pecados

1

Noite.

O adolescente sentado no banco da praça, com um ou outro casal nos bancos circulares trocando carícias, sorri e descerrando os olhos, analisa o ambiente praticamente sem a zoada de passos e vozes.

As árvores frondosas. As luzes nos postes margeando a calçada em círculo, para as voltas dos que praticam a caminhada, exercitando-se, sem ninguém. O casal no banco à esquerda, no “agarramento” cúmplice do amor. O sujeito que cruza a calçada adiante, apressado, receoso de um inesperado assalto, e o vento que tudo envolve, que o abraça num aconchego... E tudo isso em câmara lenta, provocada pelo cigarro fumado em tragos demorados. O suor na testa e costas magras. O tremor nas mãos frias. E a voz rouca, diferente, baixinha, no desabafo que resume o que sente, mais uma vez sente:

- Tou “pirado!”.

A risada debochada, e contido no vício que adquiriu há pouco tempo, se deixa ficar.

2

No automóvel.

O casal segue calado, preso à dor que lhe causa a visita mensal ao filho adolescente, o Tavinho, que está internado numa clínica de reabilitação ao vício da droga.

Até quando assim nessa aflição que os torna prisioneiros da angústia sem fim?

Na manhã, o carro avança, aproveitando o pouco movimento dos veículos na Avenida Herculano Bandeira. Contudo, sem tardar, tudo aqui estará diferente, ante o transitar de veículos, pedestres e os “congestionamentos” repetidos.

O sol esquenta indiferente ao que envolve, com a sua luz forte de verão. No céu azul, as nuvens passeiam, também alheias ao que presenciam.

De repente, o homem sem se voltar, a atenção fixa ao vidro sobre a direção, fala:

- Essas visitam estão acabando com a gente...

A mulher se volta – o rosto dele está amarelado, a cabeça mais grisalha, ele está mais envelhecido, o olhar tristonho, de um animal ferido, acuado – e sensibilizada com o que vê e sente, responde, a voz sem força, traindo-a:

- O Tavinho está mesmo acabando com a gente. Um adolescente ainda e viciado em droga! Sei não... É como se fosse um castigo que sofremos, pagando por todos os pecados.

Então assim de repente, ela sente a mão grande, quente, livre do marido pousar sobre a sua coxa esquerda, num gesto de solidária compreensão e foge o rosto de lado, na enganosa fuga à cruel realidade que aos poucos, vai consumindo-os.

- É minha querida... É como se estivéssemos pagando todos os nossos pecados!

A voz dele numa repetição, que exprime toda a angústia que os aproxima.

O carro avança, já com a avenida mais cheia, na natural seqüência fé todas as manhãs, enquanto a mão como numa proteção, permanece sobre a coxa magra, trêmula da mulher.

Paulo Carneiro
Enviado por Paulo Carneiro em 19/11/2012
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