As coxinhas corruptas

Aos dezenove anos eu era um soldado da Polícia Militar, do Batalhão de Polícia de Trânsito. Certa feita, eu fui escalado em uma avenida para fiscalizar veículos estacionados irregularmente. Eu assumia o serviço às 11h30min. Antes de começar a fiscalização ao longo da avenida que era muito extensa, resolvi parar em uma padaria para fazer um ligeiro lanche. Comi coxinhas e bebi sucos. Após terminar, dirigi-me ao caixa para pagar o lanche. O simpático senhor que estava no caixa ofereceu-me o lanche como cortesia; contudo, com resoluta insistência, recusei aceitar. Depois de intenso debate, saí dali contrariado, sem pagar pelo lanche que havia comido. Caminhei alguns passos e tirei do bolso o bloco de notificações, a fim de notificar os veículos estacionados irregularmente. Senti um leve tapinha no meu ombro, era o simpático senhor da padaria que, com um singelo e fulminante sorriso, disse-me;

____Aquele carro ali é o meu, não tem problema deixar ali, não, né?

Respirei fundo. Fui golpeado por um indefensável xeque-mate. Senti o saboroso lanche se revolver no meu estômago como fel. Quis vomitá-lo. Ele me traíra, pois, o seu lanche de cortesia logo teve o seu alto preço. Se eu não pudesse fiscalizar o carro dele, por uma questão de ética profissional, eu não poderia fiscalizar nenhum dos outros carros. Se eu notificasse o carro dele, o qual estava estacionado irregularmente, ele jogaria em meu rosto que eu havia comido de graça do seu lanche. Respondi a ele:

___HOJE, não tem problema!

Eu deveria decidir: Venderia a minha autoridade e dignidade, aceitando comer todos os dias gratuitamente do lanche da padaria; ou nunca mais entraria ali, mantendo minha autoridade e dignidade. Eu decidi por colocar um ponto final no suborno à minha consciência. Naquele dia eu não pude fiscalizar nenhum dos outros carros, fiz apenas um reconhecimento do local identificando os pontos sensíveis; mas, a partir do dia seguinte, o carro da padaria foi o primeiro que fiscalizei e segui adiante.

Eu poderia tecer uma série de argumentos a favor do meu interesse pessoal; pois, um lanche é algo tão insignificante. Todavia, mesmo assim eu estaria sendo subornado e poderia dar início a uma carreira de policial corrupto, ou de político corrupto, ou, simplesmente, um ser humano corrupto. Além do mais, corrupção é corrupção. Se o valor em pauta é apenas um barato lanche de padaria ou se são alguns milhões desviados dos cofres do governo; ambos os casos violam o mesmo princípio; ambos os casos envolvem corrupção. A diferença está em como as coisas começam. A corrupção, para não assustar muito a consciência humana, começa por valores pequenos que vão gradativamente crescendo, até que o corrompido, totalmente viciado na vantagem ilícita, vê-se em insaciável dependência desse lucro.

Naassom
Enviado por Naassom em 04/11/2012
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