O suspeito
Adentrei a 1ª Delegacia Policial do Rio de Janeiro situada às margens da Praça Mauá. Naquele momento, não me encontrava apreensivo, apesar de nunca ter vivenciado tal situação. Degrau por degrau fui vencendo os quatro andares do prédio mal conservado. Dois investigadores da Policia Civil e mais um segurança do local, acompanhavam-me durante o trajeto.
Apagaram as luzes da sala onde eu me encontrava para que o suspeito não me reconhecesse, pois era o contrário que deveria acontecer: eu é que tinha que afirmar se era ou não ele o “bandido” que me abordou num assalto há um ano atrás na loja onde eu trabalhava. Fiquei constrangido, mesmo sabendo que me encontrava no escuro, supunha que o assaltante me via através do vidro, devido aqueles olhos parecerem encarar-me sorrateiramente.
Ele aparentava certo cansaço, algum mal-estar bem visível em sua fisionomia. Era um homem com aparência física normal: pele clara, cabeça raspada, mais ou menos um metro e setenta e cinco de altura e trinta e cinco anos de idade. Acusavam-no de fazer parte de uma quadrilha que roubava pela cidade. Minha relação com ele era justamente esta: eu e outros funcionários fomos vitimas dum assalto na loja que trabalhávamos, da qual o mesmo estava sendo acusado. Neste referido assalto os assaltantes fugiram ilesos da operação, levando boa quantia em dinheiro e nós ficamos trancafiados numa pequena sala. Só que meses depois, esta suposta quadrilha, num outro assalto, não obteve bom êxito e alguns dos integrantes foram presos e relacionados com o assalto o qual vivenciei no passado.
Olhei, desconfiado para o homem sem camisa à minha frente, na outra sala. Busquei em minha memória semelhanças com o sujeito armado, o qual seguro de si, me abordou na época, usando um boné. No entanto, ali, naquela ocasião, o mesmo estava de cabeça raspada em minha frente, demonstrando total fracasso.
Os investigadores, ao meu lado, observavam minhas expressões e, ansiosos, almejavam, claramente, um retorno positivo de minha parte, porém, eu não tinha certezas. Apesar das semelhanças que aquele homem tinha com o tal assaltante, eu não podia dar uma resposta certeira simplesmente para colaborar com a policia na retirada de mais um “criminoso” do meio da sociedade. Eu, sem a plena convicção permeando sobre mim, não poderia afirmar se se tratava da mesma pessoa.
- Não. Eu não tenho certezas. Apesar das semelhanças, eu não lembro. Sou péssimo fisionomista.
Eles pareceram não gostar muito de minha negativa. Mas, diante a minha incerteza intima, era a única resposta que eu poderia fornecer. Quanto a minha dificuldade de registrar fisionomias, sempre tive tal problema, quem me conhece bem, sabe disso. Desse modo, eu jamais poderia “colaborar” com eles dando uma informação incerta. Isso não convém com minhas convicções éticas. Também não se trata de receios religiosos, pois não sou adepto duma justiça que reinará na pós-morte – de forma alguma -, creio nos acontecimentos que nos circunda aqui, na esfera terrestre. O fato é que eu não ia contribuir com o isolamento social do suspeito simplesmente porque o mesmo foi pego em situação avessa aos valores morais noutra ocasião, isso seria injustiça não com ele, mas comigo mesmo, pois se eu tivesse que condená-lo, seria pelo roubo no qual eu fizera parte do enredo e eu deveria estar convicto de sua participação.
Após a sessão de reconhecimento, numa outra sala, um escrivão ia digitando no computador meu depoimento, mais ou menos como eu descrevia, o qual dizia assim:
INQUIRIDO DISSE: QUE o declarante trabalha na Avenida Pres. Vargas Nº. 17 – onde funciona a loja “Sportes e Sportes” na função de vendedor; QUE há cerca de um ano, por volta das 17h00min o declarante realizava suas tarefas funcionais, no salão da empresa, quando chegou um elemento de cor branca, trajando boné claro, camisa de manga longa, com barba, aparentando trinta e cinco anos o qual logo em seguida, apontou a arma para o declarante e que se fazia acompanhar por outro elemento armado de cor negra, 1,70m também aparentando 35 anos, determinando que abaixasse a cabeça; QUE o declarante acatou a ordem dada pelo meliante, sendo que o elemento de cor branca e boné dizia para o declarante não se preocupar, pois somente queriam o dinheiro da empresa; QUE foi levado por este mesmo elemento até o balcão do salão onde permaneceu de cabeça baixa; QUE durante certo tempo o elemento perguntava ao declarante onde iria dar uma porta existente no local e outras perguntas as quais não se recorda; QUE não sabe informar quanto tempo exatos os elementos permaneceram dentro do estabelecimento; QUE pelo que se recorda somente viu esses dois elementos; Que posteriormente ficou sabendo por intermédio dos demais funcionários que havia outros três elementos no estabelecimento; QUE posteriormente todos os funcionários e clientes foram levados para uma sala reservada e trancafiados; QUE no dia de hoje, foi informado que provavelmente um dos elementos que participaram do assalto em seu local de trabalho estava detido nesta Delegacia Policial; QUE vindo a esta unidade, encaminhado ao reconhecimento do nacional EDUARDO COSTA E SILVA, disse não ter certeza de se tratar do elemento de cor branca, usando boné de cor clara e camisa manga comprida que o abordou no dia do fato com uma arma de fogo em punho, pois a maioria do tempo permaneceu de cabeça baixa e também pelo fato de julgar-se um mal fisionomista, entretanto EDUARDO possui semelhanças físicas com o elemento que o abordou. E mais não disse. Ato seguinte, mandou a Autoridade Policial encerrar o presente que lido e achado conforme vai por todos devidamente assinado. Eu,-----Of. De cartório o digitei e subscrevo.
Depois do meu depoimento – não sei se por estratégia policial – me deixaram acompanhar o depoimento dum outro funcionário da empresa da mesma época que eu – o qual reconheceu o suspeito como o culpado do ato acontecido e até forneceu entrevista para uma emissora de tevê, num desses programas que cobrem a violência urbana, onde lhe garantiram que colocariam uma tarja preta sobre seu rosto e também iam distorcer sua voz. Fiquei observando a gravação da reportagem e me perguntando se aquilo era sensacionalismo ou não.
Saí da delegacia e, caminhando pelas ruas, pensativo, observava a movimentação noturna da cidade... Ele, o suspeito, ficou para trás, nas mãos da lei e das artimanhas policiais...
Três meses depois tive noticias de que “O suspeito” já transitava solto pelas ruas da cidade, e que poderia estar em qualquer lugar, talvez até bem próximo de mim...
Adentrei a 1ª Delegacia Policial do Rio de Janeiro situada às margens da Praça Mauá. Naquele momento, não me encontrava apreensivo, apesar de nunca ter vivenciado tal situação. Degrau por degrau fui vencendo os quatro andares do prédio mal conservado. Dois investigadores da Policia Civil e mais um segurança do local, acompanhavam-me durante o trajeto.
Apagaram as luzes da sala onde eu me encontrava para que o suspeito não me reconhecesse, pois era o contrário que deveria acontecer: eu é que tinha que afirmar se era ou não ele o “bandido” que me abordou num assalto há um ano atrás na loja onde eu trabalhava. Fiquei constrangido, mesmo sabendo que me encontrava no escuro, supunha que o assaltante me via através do vidro, devido aqueles olhos parecerem encarar-me sorrateiramente.
Ele aparentava certo cansaço, algum mal-estar bem visível em sua fisionomia. Era um homem com aparência física normal: pele clara, cabeça raspada, mais ou menos um metro e setenta e cinco de altura e trinta e cinco anos de idade. Acusavam-no de fazer parte de uma quadrilha que roubava pela cidade. Minha relação com ele era justamente esta: eu e outros funcionários fomos vitimas dum assalto na loja que trabalhávamos, da qual o mesmo estava sendo acusado. Neste referido assalto os assaltantes fugiram ilesos da operação, levando boa quantia em dinheiro e nós ficamos trancafiados numa pequena sala. Só que meses depois, esta suposta quadrilha, num outro assalto, não obteve bom êxito e alguns dos integrantes foram presos e relacionados com o assalto o qual vivenciei no passado.
Olhei, desconfiado para o homem sem camisa à minha frente, na outra sala. Busquei em minha memória semelhanças com o sujeito armado, o qual seguro de si, me abordou na época, usando um boné. No entanto, ali, naquela ocasião, o mesmo estava de cabeça raspada em minha frente, demonstrando total fracasso.
Os investigadores, ao meu lado, observavam minhas expressões e, ansiosos, almejavam, claramente, um retorno positivo de minha parte, porém, eu não tinha certezas. Apesar das semelhanças que aquele homem tinha com o tal assaltante, eu não podia dar uma resposta certeira simplesmente para colaborar com a policia na retirada de mais um “criminoso” do meio da sociedade. Eu, sem a plena convicção permeando sobre mim, não poderia afirmar se se tratava da mesma pessoa.
- Não. Eu não tenho certezas. Apesar das semelhanças, eu não lembro. Sou péssimo fisionomista.
Eles pareceram não gostar muito de minha negativa. Mas, diante a minha incerteza intima, era a única resposta que eu poderia fornecer. Quanto a minha dificuldade de registrar fisionomias, sempre tive tal problema, quem me conhece bem, sabe disso. Desse modo, eu jamais poderia “colaborar” com eles dando uma informação incerta. Isso não convém com minhas convicções éticas. Também não se trata de receios religiosos, pois não sou adepto duma justiça que reinará na pós-morte – de forma alguma -, creio nos acontecimentos que nos circunda aqui, na esfera terrestre. O fato é que eu não ia contribuir com o isolamento social do suspeito simplesmente porque o mesmo foi pego em situação avessa aos valores morais noutra ocasião, isso seria injustiça não com ele, mas comigo mesmo, pois se eu tivesse que condená-lo, seria pelo roubo no qual eu fizera parte do enredo e eu deveria estar convicto de sua participação.
Após a sessão de reconhecimento, numa outra sala, um escrivão ia digitando no computador meu depoimento, mais ou menos como eu descrevia, o qual dizia assim:
INQUIRIDO DISSE: QUE o declarante trabalha na Avenida Pres. Vargas Nº. 17 – onde funciona a loja “Sportes e Sportes” na função de vendedor; QUE há cerca de um ano, por volta das 17h00min o declarante realizava suas tarefas funcionais, no salão da empresa, quando chegou um elemento de cor branca, trajando boné claro, camisa de manga longa, com barba, aparentando trinta e cinco anos o qual logo em seguida, apontou a arma para o declarante e que se fazia acompanhar por outro elemento armado de cor negra, 1,70m também aparentando 35 anos, determinando que abaixasse a cabeça; QUE o declarante acatou a ordem dada pelo meliante, sendo que o elemento de cor branca e boné dizia para o declarante não se preocupar, pois somente queriam o dinheiro da empresa; QUE foi levado por este mesmo elemento até o balcão do salão onde permaneceu de cabeça baixa; QUE durante certo tempo o elemento perguntava ao declarante onde iria dar uma porta existente no local e outras perguntas as quais não se recorda; QUE não sabe informar quanto tempo exatos os elementos permaneceram dentro do estabelecimento; QUE pelo que se recorda somente viu esses dois elementos; Que posteriormente ficou sabendo por intermédio dos demais funcionários que havia outros três elementos no estabelecimento; QUE posteriormente todos os funcionários e clientes foram levados para uma sala reservada e trancafiados; QUE no dia de hoje, foi informado que provavelmente um dos elementos que participaram do assalto em seu local de trabalho estava detido nesta Delegacia Policial; QUE vindo a esta unidade, encaminhado ao reconhecimento do nacional EDUARDO COSTA E SILVA, disse não ter certeza de se tratar do elemento de cor branca, usando boné de cor clara e camisa manga comprida que o abordou no dia do fato com uma arma de fogo em punho, pois a maioria do tempo permaneceu de cabeça baixa e também pelo fato de julgar-se um mal fisionomista, entretanto EDUARDO possui semelhanças físicas com o elemento que o abordou. E mais não disse. Ato seguinte, mandou a Autoridade Policial encerrar o presente que lido e achado conforme vai por todos devidamente assinado. Eu,-----Of. De cartório o digitei e subscrevo.
Depois do meu depoimento – não sei se por estratégia policial – me deixaram acompanhar o depoimento dum outro funcionário da empresa da mesma época que eu – o qual reconheceu o suspeito como o culpado do ato acontecido e até forneceu entrevista para uma emissora de tevê, num desses programas que cobrem a violência urbana, onde lhe garantiram que colocariam uma tarja preta sobre seu rosto e também iam distorcer sua voz. Fiquei observando a gravação da reportagem e me perguntando se aquilo era sensacionalismo ou não.
Saí da delegacia e, caminhando pelas ruas, pensativo, observava a movimentação noturna da cidade... Ele, o suspeito, ficou para trás, nas mãos da lei e das artimanhas policiais...
Três meses depois tive noticias de que “O suspeito” já transitava solto pelas ruas da cidade, e que poderia estar em qualquer lugar, talvez até bem próximo de mim...