O SUBMUNDO E SEUS ANJOS

Pegou o violão,vestiu-o com a capa de alças partidas e desceu a escada em direção ao córrego Deodato.

Os degraus eram mal iluminados e em alguns pontos rebaixados pela infiltração da água que escorria por debaixo deles, e em outros pontos por cima, devido ao entupimento de lixo na estreita escada.

Sobre os muros descascados e pelos sulcos delineando os degraus, baratas e camundongos movimentam-se livremente.

Debaixo de postes cachorros,gatos,pessoas magras e gordas de posturas largadas, se sentam pelos degraus no intervalo de uma novela e outra.

Crianças se deitam nas plataformas da escadaria brincando com os pés na água de esgoto.

Manga rosa cumprimenta cada um com um aceno de mão,um inclinar de cabeça,um gesto positivo.

Com exceção um saúdo de boa noite, no começo até tentou cumprimentar dessa forma,sobretudo notou um clima meio esquisito das pessoas.

Desse modo,percebeu que deixavam os outros mais a vontade cumprimentando-os com um borá, beleza mano ,e aí, é nós,... gíria lá no morro com o mesmo quilate de tudo bem?ah como vai?

Manga rosa desde a porta da adolescência procurou enriquecer o vocabulário,portanto dizia assim:

Como a bíblia é para o cristão o livro sagrado.

O dicionário deve ser para o escritor.

Gostava de ouvir pela radio entrevistados de cultura como ele dizia; anotava sempre em um bloco de papel as palavras que o atraia.

Ressaltava que as palavras utilizadas na mesma medida do pensamento eram como calçados que cobriam os pés confortavelmente.

Quando sobrava um trocado ia no sebo e comprava um livro e outro.

lembrava da ocasião que alguém disse ter viajado para Europa e nos trens de lá muita gente lia,enquanto fazia o trajeto,a propósito notava-se quando tomava um livro para lê,sobretudo dentro do ônibus,as pessoas observava-o diferente em virtude que não era um habito comum lê –se dentro dos coletivos.

Em horário de pico fazia-se a viajem de quase uma hora olhando pela janelas era muito tempo na ociosidade.

Manga rosa dizia que o tédio cansava a mente,

e a mente fadigada amolecia o corpo,certamente aquelas pessoas já chegavam em seus trabalhos cansadas.

Ele ia sempre mergulhado em alguma obra dentro do ônibus,como era míope, trazia o livro bem próximo ao rosto como se escondesse os olhos da dura realidade,dizia que um livro aberto era como uma janela tridimensional.

sentia-se muitas vezes dentro do coletivo como quem andasse com o guarda chuva aberto em noite estrelada e quente.

Como quem batesse palma ao redor do silencio de muitos e chamasse a atenção.ou seja chamava atenção só pelo fato de estar com um livro aberto.

Pois muitas pessoas tem em mente que o plagio deve ser seguido como se fosse a salvação da loucura do outro.

Manga rosa dizia veja a propaganda de massa todos estão comprando compre você também.não fique de fora dessa ou daquela promoção.

A individualidade do ser de fazer o que todos os outros fazem torna-se o patinho feio,

O patinho doido,o patinho estranho por não querer pular no tobogã em que todos estão pulando.

Você tem escolha dizia com ímpeto não apenas sua mente deve ser um filtro,mais sua vida também, ouvir uma musica que não se ouvia causava estranheza,muitos ouviam por apenas imposição,

como se o correto fosse o errado.

Em casos extremos como não falar com “R” ou “S” como por exemplo; substituir falar por falá,fumá,olhá ou caxtigo,pexcoço e aí por diante.

Um amigo dele estudava gramática porem nunca punha em pratica,pois sempre se colocava a terem vícios de linguagem para se integrarem ao grupo.

Os jovens falavam de mulheres , pagodes,bregas.

Na segunda feira havia o pagode da sopa, jovens faziam cota para comprarem bebidas, era a prioridade para diversão.

Manga rosa sempre evitava um contato mais longo como dizia; - amizade do mal...Estes só falam em assaltos e mortes.

Como no caso de jota A que narrava em um dos seus cinematográficos assaltos,pediu para o segurança ficar de joelhos e implorar para não morrer,fato que contava cheio de orgulho e servia de galhofa para o resto do grupo.

Ele não gostava de ouvir aquelas barbaridades pelo motivo de influenciar seu comportamento.

Pensava que já era marginalizado por não ser de pela branca, e nem rosto simétrico, psicologicamente ficava afetado pois os desfavorecidos economicamente, traziam consigo uma auto estima baixa, devido sentirem-se inferior e dependente economicamente da elite. como dizia.

No morro haviam muitos profissionais liberais,autônomos.

Quando eram demitidos do emprego iam trabalhar de vendedores ambulantes no centro da cidade, a propósito alguns tiravam muito mais do que quando trabalhavam para terceiros.

Alguns chegavam a comprar carro, casa...outros investiam em carro mesmo sendo velho, o importante era tê-lo, como status.

Com o prenuncio da copa de futebol mundial 2014 a cidade fumaçava, a renda salarial, a facilidade de credito proporcionava que as pessoas comprassem.

Assim a maioria das casas possuíam TVs modernas, eletrodomésticos.

As motocicletas ganhavam espaços com as facilidades de compra. Como propagandas de motocicletas que anunciavam ofertas por apenas 2 reais por dia, o que atraia muitos que andavam de ônibus.

Manga rosa dizia que a motocicleta se acabava,e a pessoa não terminava de pagar as prestações.

No morro andava-se sem capacete, para não ser confundido com algum marginal, a policia quando subia por lá também não exigia este aparato.

Policia sempre era motivo de tensão Da maioria, sinal de algo ruim. Quando havia blitz as pessoas paravam com medo, outras murmuravam chacotas, chamando-os de ladrões fardados.

Um dos amigos de Manga rosa entrou na policia e mudou radicalmente a atitude, ficou arrogante e indiferente, afastou-se como o poder mudavam as pessoas.

Lembrou-se de um conhecido também que entrou para esta instituição que estava preso por assassinar vários ladrãozinho, este rapaz ele conheceu antes de integrar na policia militar,de personalidade pacata, de poucas amizades,tornou-se um homem temido, o que se sabe de fato que ele era vitima de buli.

Depois que matou o primeiro não parou mais, e quis sempre sentir a adrenalina escorrendo em suas veias ele dizia que gostava de sentir a sensação de pavor nos olhos da vitima que se acua diante da superioridade de quem vai tira-la a vida.

Como uma barata retraída no canto da casa.

O apertar do gatilho após ter o outro sob domínio o alivio que isso traz é como se todas as tenções fossem descarregadas naquele ato.

O córrego Deodato era cortado por um largo e grande canal por onde escorria uma água barrenta cheirando a merda,

Era coberto de capim e sujeira, quando chovia ameaçava transbordar.

Mesmo assim alguns homens entravam dentro dele para retirarem a areia arrastada do morro pela água.

Quando a chuva cessava,cada um sentava ao redor da sua tulha e vendia a baixo preço.

Enquanto caminhava contemplava a paisagem, uma casa sobre a outra na ponta de altas barreiras, cobertas por densas lonas negras de plásticos,doadas pela prefeitura, serviam para diminuir o impacto da chuva.

As habitações que estavam muito comprometidas eram demolidas, e as famílias angariavam uma quantia para alugar uma casa,e incluíam –se no programa minha casa minha vida.

Manga rosa conhecia algumas pessoas que não tinham casa, ao receberem alguma indenização trabalhista , compravam barracos deteriorados para receberem auxilio do governo.

Ele observava cada detalhe com revolta e indignação.mas tinha que conviver com tudo isto pois de fato era sua comunidade seu povo.largado a própria sorte...

Nas portas das casas,nas entradas das igrejas evangélicas,tabuleiros de pipocas,batata-frita,pitombas...

Placas ''VENDE-SE GELO á 10 CENTAVOS''

''ALUGA-SE CORREDOR DE QUARTOS 50 REAIS...''

Estavam escritos em toda parte á giz,á lápis de cera...placas penduradas nos postes,nos becos.

Chamou-lhe á atenção um negrinho que passava sem camisa e descalço,teria no máximo uns 10 anos...cantava alto e desafinado os seguintes versos.

''AMOR DE RAPARIGA

NÃO VINGA NÃO!!

NÃO TEM SENTIMENTO

NÃO TEM CORAÇÃO...''

O jeito insinuoso com que ele cantava estes versos armou um fino sorriso no semblante de Manga Rosa que o acompanhou com os olhos.

Ao virar-se percebeu que uma negra com ar sarcástico o tangia.

Manga Rosa reduziu os passos a ponto de poder igualar com os da mulher.

- você o conhece? perguntou entre risos.

-Mora lá onde eu moro.Ela Respondeu

Enquanto caminhavam Manga Rosa dizia-lhe o quanto achou interessante a atitude do pequeno.

O aspecto como ele interpretava esta canção, fechando os olhos cerrando os punhos e balançando os pequenos e magros braços como um membro viril.

-Coitado! ainda tem mais sete irmãos,e dois deles estão presos e para completar a desgraça a mãe também foi em cana.

-O que ela fez de tão grave? Manga Rosa perguntou-a em tom suspenso- Matou alguém ?

- A mulher respondeu-lhe como fala-se para si mesmo, em um tom quase inaudível.

- Trafico

E apressou os passos como quem evitasse ser flagrada.

Enquanto ele seguiu em direção ao centro do bairro de Água-fria.

No centro de água-fria alguns feirantes desarmavam suas barracas outros aconchegavam-se sobre os bancos de feira para dormir,muitos circundavam as lâmpadas suspensas nas gambiarras e debaixo delas jogavam dominó e baralhos.sorrindo,gritando atraindo á atenção de quem passava.

Manga Rosa parou na parada de ônibus ameaçou pedir carona ao motorista desistiu,iria caminhar uns 8 quilômetros o percurso que o automóvel faria em 40 minutos.

E se falasse que foi assaltado.

Mas lembrou-se que não tinha costume de mentir pois toda vez que tentava sua voz não saia e seu rosto ficava pálido.

A travessou a avenida,pigarreou determinado

Se conseguisse pelo menos 1 real, saltaria a catraca do coletivo como em outras ocasiões.

Como alguns homens do morro faziam para economizarem dinheiro.

Arrastavam-se sobre os assoalhos sujos ou pulavam as borboletas para apenas pagarem meia passagem.

A empresa metropolitana de transportes urbanos alteraram as catracas á altura do diafragma de um homem.Todavia não impedia que muitos funcionários dobrassem o salario no final do mês.a custa de pulos e passagens clandestinas.

Encontrou em um bar ao redor do Mercado de feirantes um jovem sujeito.Fingiu o nervosismo com um sorriso.

Porventura o homem não tivera-o reconhecido de modo que este o recebera da mesma forma.

Tinha os dentes envergados para frente que com o minimo esforço mostravam-se com uma atmosfera violenta e maliciosa.

Manga Rosa apresentou-se como poeta.

Este espremeu sua mão com a força de esmagar-lhe os ossos.

E pediu para tomar o assento e acompanha-lo na bebida.

Dezenas de garrafas de cervejas aglomeravam-se sobre a mesa e ele apresentava um visível ar de embriaguez.

Manga Rosa titubeou com a voz trêmula perguntando-lhe se queria ouvi-lo este solicitou outra vez com firmeza para sentar-se,

E ele obedeceu.

O homem falava alto,gotejando seu rosto de saliva e bolinando em seu braço,com a coordenação motora comprometida mexia com as mãos,abrindo-as,socando-as.

criticando maldizendo.

De súbito o homem desviou a conversa e pediu-o para que recitasse.

Manga Rosa com a respiração entre cortada,sentiu uma frieza cobrir seu âmago e este frio fez vibrar seus ossos e músculos.

Absorveu o ar pelas narinas,pigarreou para limpar a garganta.

retirou seu estimado violão.

seus dedos úmidos de suor,escorregaram nas cordas de nylon extraindo um som rouco e desarmônico.

Da sua garganta saiu um timbre frouxo e desafinado que desenhara rugas de desagrado na face do homem.

Bruscamente desculpou-se dando a gripe a responsabilidade do infortuno.

Ameaçou retomar não encontrou forças queria fugir,correr porém por um instante fixou-lhe a ideia de que aquele individuo ignorava-o por completo.

Visto que algum tempo atrás aquele sujeito teria mostrado-lhe o cabo da pistola por debaixo da camisa em uma atitude intimidativa.

Quando Manga Rosa foi tomar-lhe satisfação pois o mesmo não desgrudava os olhos da garota que o acompanhava na ocasião.

Fato que quase culminou em uma tragedia.

Manga Rosa passou a borda da camisa na testa para enxugar o acido suor que corria para seus olhos.

Secou a umidade das mãos na calça e respirou como quisesse tragar tudo a sua volta.

Logo ao recitar uns cinco versos e meio ergueu-se ligeiramente.

Nervoso saudou o homem e saiu sem olhar para trás.

A rua por onde ele ia era mal iluminada e deserta.

durante o trajeto se perguntou por que teria pego aquele atalho,seria propenso a tornar-se mais um cadáver decapitado encontrado

que estamparia a noticia matinal nas rádios do dia seguinte.

Enquanto caminhava á passos curtos apoderava-se dele uma sensação de terror e perseguição.

Não seria uma armadilha?

Não estaria aquele sujeito a espreita na primeira esquina?

O olhar vingativo o sorriso escarnecedor apresentava-se a sua mente causando-lhe panico.

Um par inflamado de faróis incendiou-lhe um horrível pressentimento.

Manga Rosa esquivou-se atrás de uma árvore e esperou a passagem do automóvel.Um pavor súbito fez-lhe correr cauteloso e diligente.

O cenário se fazia propicio ao terror.

O vento soprava gelado e assanhava os galhos

Que faziam um barulho fantasmagórico.

Manga Rosa ao notar que o carro vinha a marcha lenta apressou o passo dobrou a esquina,cortou-se no gradil enferrujado ao pular o muro de um casarão abandonado.

O automóvel parou coincidentemente em sua direção.

Manga Rosa salivou o beijo da morte e seu esqueleto relutou para ficar em pé.

Não raciocinava direito,arrependeu-se,nunca foi de briga sempre saia-se mal.

supunha qual seria a infelicidade se fosse morto ali no meio daquele terreno que o capim se apossava por completo.

Havia alguém lá, com o motor em silêncio como quem soubesse que ele estava ali.Era como uma serpente aguardando o momento certo para dar o bote.como um pressagio um aviso .

Depois ligou o carro e saiu cantando pneu.

E Manga Rosa seguiu em direção ao centro do Recife.

Abimael gomes
Enviado por Abimael gomes em 23/08/2012
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