"O BAQUE"

“O BAQUE”

(Crime, ou suicídio ?)

Ronaldo Trigueiros Lima.

“Seu Quinzinho”, velho zelador, levantou-se assustado em consequência de um “baque” que ouvira.

Era cinco e trinta de uma manhã cinzenta, indecisa no meio do outono, quando imerso a um sono profundo , um fortíssimo barulho o acorda repentinamente. O baque fora tão forte, que lhe faltou o ar, e pondo-se de pé, com extrema dificuldade, numa tentativa de ir até a janela, tombou ao chão.

Segundo o perito, Seu Quinzinho, teve dificuldade para abrir a janela, na intenção de confirmar o que por certo já sabia. Confirmo isso, porque numa semana anterior, observara com seu binóculo, protegido pela escuridão da quitinete, uma briga terrível do casal que morava no último andar do edifício em frente!

Esse domingo, seria para ele, uma manhã diferente, já algum tempo desejada, se não fosse pelo “quebra-quebra” horroroso, que começou às tantas da noite em alto bom som, justamente no apartamento do último andar, que Seu Quinzinho vinha observando já algum tempo, para eclodir ao amanhecer, quando a mulher se jogou, ou foi jogada pela janela.

Teria sido uma manhã comum, como qualquer outra.

O velho faria o café, distribuiria o serviço com os outros empregados, enfim, um dia de trabalho comum de domingo, exceto pela vontade de caminhar pelo “calçadão.”

Naquela manhã, aproveitaria o tempo disponível, (até por recomendação médica) para “caminhar!” Por isso, anteciparia sua rotina de trabalho, dando uma “passada” por todos andares, como era já de praxe, Conversaria com o síndico, caso tivesse acordado, e logo após, verificaria a correspondência dos condôminos para desocupar-se a contento do horário recomendado pelo médico. Depois sim, ciente do dever cumprido, se entregaria a tal caminhada, tão ansiosamente aguardada para aquela manhã... Disse-me ele certa vez, durante uma conversa na portaria:

-, Ultimamente, a insônia e as preocupações ,estão acabando comigo! Se não fosse por essa insônia, Seu Alfredo, (disse-me contrito) acho que viveria melhor! Agente vai ficando velho, é isso aí... Não gosto muito de ficar pensando em coisas que não têm mais jeito! Mas o que se há de fazer,,, Na maioria das vezes não conseguimos o que queremos!

Eu sabia que sua saúde não era tão perfeita como ao contrário preconizava... Mas tinha que se fazer de “forte”. Tinha que se mostrar saudável. O mais simpático possível.

- A aparência conta muito! (Disse-me certa vez,, referindo-se ao uso do paletó e gravata a caminho do culto.)

Quanto à insônia, essa o obrigava a inventar ocupações estapafúrdias, liberando o “vôo” das lembranças bizarras que queria esquecer, (coisas de família, com certeza, assunto esse que quando perguntado, saia pela tangente.) Dessa maneira, a insônia o obrigava a matar o tempo para fugir da solidão.

Vez em quanto, já recolhido à quitinete onde morava, munia-se de um velho binóculo, para bisbilhotar sorrateiramente, os 180 graus da redondeza, procurando se distrair das escaramuças da vida, como também dos devaneios de uma insônia atroz.

Outras vezes, punha-se a espiar pelo vidro da janela da “quitinete”, o universo dos apartamentos do outro lado da rua, como um detetive meticuloso em pleno exercício abstrato, na procura de alguma prova comprometedora que pudesse ativar salvaguardas hipotéticas.

-Aqui do alto, ( Disse-me num desabafo de confiança, quando estive em sua “quitinete.) posso identificar com qualidade todos os sons que emergem. - Sabe Seu Alfredo... De certa forma contribuo para segurança do prédio! E ainda deixo-me levar pelo espairecer dos olhos, ao acordar do dia, para ter o desfrute de assistir o vai-e-vem das “rolinhas entre as antenas”, como se eu mesmo buscasse o tempo perdido das “vadiagens”. Isso é a vantagem de se morar no alto, bem em cima! (Disse-me ele com aquele jeito de intelectual autodidata, numa típica conversa reservada...)

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- Pois é, Seu policial, quando cheguei, por volta do meio dia, Seu Quinzinho já estava morto! Encontrei-o próximo a janela, exatamente como o senhor está vendo!... Gostava muito dele!... Era viúvo. Nunca comentava sobre parentes! Foi um grande susto! Jamais vou me esquecer seu rosto marcado pela dor!...

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Fui até a janela,, olhei para baixo, como ele supostamente poderia ter feito...

O corpo da mulher não mais se encontrava. Só uma mancha coagulada persistia na calçada.

Pessoas apressadas, seguiam seus caminhos, disputando com os carros o pódio das travessias.

Outros completamente revoltados, discutiam despudorados a última “roubalheira” nacional

Feministas, posicionaram-se:

-CRIME?

-SUICÍDIO?

Daqui da janela, colaborava com as indagações do policial, respondendo até por desencargo de consciência, e também para homenagear o amigo morto:

- Aquele que talvez pudesse contribuir com alguma veracidade a respeito desta tragédia, jaz aí, Seu detetive... Jaz aí... Acometido por um enfarto fulminante! Isso é tudo que eu sei!...

Além do binóculo, somente as rolinhas que vadiavam entre as antenas, chamavam minha atenção!...

Niterói, em15.05.012

Ronaldo Trigueiros Lima

RONALDO TRIGUEIROS LIMA
Enviado por RONALDO TRIGUEIROS LIMA em 15/06/2012
Reeditado em 10/01/2013
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