MARIA DA PIEDADE

“Nem sempre a luz do conhecimento traz consigo a suposta paz que todos anseiam... Definitivamente, não”.

Quando abriu a porta, o Delegado Cruz foi tateando os móveis, pois a escuridão da casa era abissal. Dirigiu-se à janela, puxando avidamente as cortinas que lufavam generosas doses de poeira em suas mãos. Apesar de a casa ser pequena, aquele seu corredor, parecia não ter fim.

Os homens aguardavam do lado de fora um sinal, ansiosos, feito cães nos pastos ingleses. Não tardou para que ele gritasse aos homens, dando início ao desvelamento do recinto antes, imaculado.

Alguns saíam vomitando, outros,emudeceram, enquanto os flashes da máquina do perito espocavam em todas as direções. Havia uma perplexidade no ar. Agora o sol do meio-dia invadia todo o cômodo, ofuscando a visão, devido à brancura das paredes.

No único quarto da casa, haviam onze camas, enfileiradas tal como uma república. Organizadas zelosamente. Cruz parecia não saber por onde começar. Saiu, fumou um cigarro e, após conversar com o perito, retornou.

Cruz iniciou a descrição da cena no gravador para os devidos registros da ocorrência: _ Onze camas, enfileiradas em um quarto de 3 x 3 m. Em cada cama, se encontra um cadáver de homem. Parecem ter idades e tipos físicos distintos, bem como se encontram em estágio de decomposição diferente.

Junto a cada cadáver, há um vidro,parecendo aqueles que se usa para conservas domésticas. Em cada um há um feto, devidamente conservado, possivelmente pelo líquido ainda desconhecido que há nos vidros. Os fetos também parecem ter idade e sexo diferentes.

Cruz não conseguia descrever mais nada, pois, dali em diante, seria apenas o que ele sentia, não mais a rigorosidade técnica que o trabalho lhe exigia. Deu ordem para que os homens entrassem e iniciassem o trabalho de recolher aos oficialmente, 22 cadáveres que se encontravam no cômodo.

Ao retornar à delegacia, já havia dezenas de repórteres. Em sua sala, lhe aguardava Maria da Piedade e Carmem, sua vizinha. Mais um cigarro, respirada profunda e Cruz dá continuidade ao pretérito depoimento:

_ Tudo confirmado, senhora Carmem.

_Algo a dizer em sua defesa Maria?

Nada. Maria da Piedade muda, só olhava para o teto. Não havia qualquer expressão naquele rosto. Carmem pede para falar em particular com o delegado:

_ Descobri o motivo: Ela me confessou que “guardou cada filho que teve, depois, decidiu que eles tinham o direito, como filhos legítimos, de estar na companhia do pai”.