R. Black Cat
# Josué encolheu-se de frio e maldisse pela centésima vez o trabalho que o forçava a deixar o conforto de seu lar quentinho e ir parar numa região serrana em Minas Gerais. Soprou as mãos e olhou para o céu melancolicamente cinzento, sem conseguir conter um suspiro.
# Desceu em frente à grande fábrica de produtos de beleza para as unhas. Entrou na fábrica meio ressabiado e escapou por pouco de trombar com um garoto de entregas com algumas marmitas nas mãos. Pediu informações ao porteiro e orientou-se até chegar à sala do diretor da empresa.
# _Ah! _o homem exclamou à sua entrada. _Só faltava o senhor, obrigado por comparecer, Sr. Josué.
# Ele não respondeu. Verificou que, além do homem de negócios e sua secretária, a sala continha um casal jovem e simpático. Sentou-se e aguardou para saber os detalhes do serviço que teria que prestar. O diretor começou, meio embaraçado.
# _Bem, senhores... E senhora, se me perdoa... Vocês sabem como é comum, num mundo competitivo como o nosso a espionagem industrial. O que eu não esperava era que alguém tivesse algum interesse em espionar nossa humilde empresa.
# O “humilde empresa” foi dito num tom que deixava claro que era apenas modéstia. Josué balançou a cabeça. Walter Neves, o diretor da Unhex, era ainda mais burguês visto ao vivo. Ao telefone, já transparecia ser um homem gordo, próspero e eternamente preocupado em ganhar dinheiro, mas Josué não achava que fosse tanto. O homem continuou:
# _Fui alertado de que uma determinada fábrica estava usando um processo que era segredo nosso, o que indica que há um espião agindo na empresa. A questão é: quem é ele?
# “Estou preocupado, vocês sabem... Todos os anos, batemos recordes de produção e isso se deve principalmente a pesados investimentos que fazemos na área de pesquisa, conseguindo patentes e melhorando nossa produção. Eu não gostaria de ver nossos preciosos segredos caindo na mão da concorrência. Resolvi que a melhor coisa a se fazer era contratar um detetive para desmascará-lo e procurei os melhores que o mercado poderia oferecer.”
# Josué corou. Era um bom detetive particular e se orgulhava de ser quase um James Bond no que dizia respeito a seu aparato tecnológico e sua eficiência, mas não se considerava um grande especialista na área de espionagem industrial. O casal à sua frente murmurou um protesto polido. Ah! Agora ele se lembrava! Eram Artur e Letícia Belo, um casal muito famoso no ramo. Esses realmente podiam ser considerados especialistas. Na verdade, eram especialistas em praticamente tudo. Mais seguro, o Sr. Walter prosseguiu.
# _Aqui nessa sala, vocês podem ver um cofre e um armário trancados. No cofre, estão papéis muito importantes da empresa e, no armário, o computador onde guardamos os dados e não tem acesso à internet. Só eu e D. Glorinha, minha secretária, temos a chave. Porém, por causa da situação, só eu tenho a chave agora e só eu sei a combinação do cofre. Fico aqui a maior parte do tempo, D. Glorinha na sala ao lado, e não creio que se possa abrir isso tudo aqui sem um pouco de barulho. Contratei vocês para impedirem que esse... pilantrinha ponha as mãos e os olhos onde não deve. A primeira parte do pagamento é adiantada e a hospedagem fica por minha conta.
# “Vocês devem estar estranhando o fato de eu ter contratado duas agências em vez de uma. Uma das coisas que aprendi é que o dinheiro move montanhas e é um excelente incentivo. Por isso, faço uma proposta: o que me trouxer o nome correto do espia recebe cinco mil reais a mais no pagamento. Que me dizem?”
# Os detetives se entreolharam. Trabalho era trabalho, mas aquele caso não parecia muito emocionante. Pelo menos, a proposta era peculiar e o pagamento era bom. Aceitaram. Walter agradeceu e desculpou-se por ter uma reunião dali a minutos. Deu carta branca para os três fazerem o que achavam melhor e saiu, trancando a sala.
# À porta da sala, Josué e os outros se apresentaram direito.
# _Sr. Josué Paiva, inimigo nº. 1 dos cônjuges infiéis! _saudou Artur, de bom humor. _Pensei que esse não fosse seu tipo de caso!
# _Pois é, também achei que não. Mas que posso fazer? Curiosidade mata e um bom pagamento dá um colorido especial até a casos de espionagem em fábricas de unhas. Só não acho que vou conseguir colocar as mãos no prêmio, não...
# _Ora, deixe de falsas modéstias! _protestou Letícia. _Todos nós sabemos como é bom no que faz! Somos dois contra um e temos certeza de que o páreo será duro.
# _Vocês já têm um plano de campanha?
# _Ainda não. Melhor observarmos o ambiente primeiro. E você, já tem idéia?
# _Também não... Pelo menos ainda não.
# _O que me preocupa _comentou Artur _é que esse trabalho está parecendo fácil demais... Aí tem coisa.
# _Como assim? _Josué perguntou.
# _É difícil explicar... Veja, a sala onde estão os tais segredos industriais só tem duas portas de acesso, a da secretária e essa do corredor. A sala está no terceiro andar do prédio e a parede externa é chapiscada, quase impossível de se escalar. A única forma de conseguir os dados é entrar na sala pelas portas. Se as vigiarmos dia e noite, acabaremos flagrando o fulano. Parece tudo muito fácil, uma simples câmera instalada no escritório resolveria. Por que pedir nossa ajuda?
# _Aí está... _respondeu Josué, vago. _Ou os segredos são extremamente importantes, o que duvido muito, ou...
# _Ou?
# _Aí tem coisa, mesmo.
#
# ***
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# Josué começou o trabalho instalando uma pequenina câmera escondida no corredor e outra na sala da secretária. Mais tarde, pensou, pediria a Neves para instalar uma terceira dentro da sala dele, para maior segurança. Tomadas essas providências, sentou-se e começou a pensar. Ele teria que pensar em um modo de atrair o espião para aquela sala o mais rápido possível, mas sem alarmá-lo.
# Artur e Letícia também estiveram instalando suas câmeras e confabulavam constantemente. Terminada a tarefa, estiveram com D. Glorinha, que imprimiu para eles algumas folhas e passou-os para outra secretária. Artur passou todas as folhas à esposa e saiu da fábrica. Tudo isso levou uma manhã inteira. Na hora do almoço, Letícia convidou Josué para irem ao encontro do marido, no hotel.
# Após consumirem o almoço deliciosamente caseiro e conversar a respeito dos equipamentos eletrônicos mais modernos, Artur e Letícia ficaram mais expansivos.
# _Essa birutice do Neves de pagar a mais a um de nós é quase insultuosa _disse ela, pesarosa. _Transforma a gente em concorrentes, quando devíamos trabalhar juntos. Gente como ele é bem capaz mesmo de pensar que só o dinheiro importa.
# _Não sei o que você pensa, Josué, mas acho que o mais eficaz seria trabalharmos juntos e dividirmos a recompensa. É um desperdício que dois de nós três façamos o mesmo trabalho.
# _Lá isso é verdade _Josué ponderou um pouco. _Não tenho esperanças de resolver isso sozinho e R$ 2.500,00 é melhor que nada.
# _Maravilha! _Letícia exclamou, feliz. _Vamos juntar o que fizemos até agora e decidir juntos o que faremos a seguir.
# Josué explicara que, além de instalar as câmeras e vigiá-las o tempo todo, tinha procurado se informar a respeito do movimento normal do corredor. Ali só havia as portas da sala de Neves, da secretária e de dois banheiros. Normalmente, só faxineiras e pessoas atrás de D. Glorinha ou Walter apareciam por lá.
# O casal mostrou os papéis que conseguiram.
# _Conseguimos uma lista dos funcionários admitidos recentemente e daqueles que sabem os tais segredos que o Sr. Neves quer guardar _começou Artur. _Liguei para uns amigos nossos para pesquisarem se algum deles já trabalhou para essa fábrica rival. Os que sabem oficialmente dos segredos são bem poucos, e eles não conhecem senão o segredo de um dos produtos. As fórmulas dos esmaltes e o método de fabricação dos mais famosos são desconhecidos da maior parte dos funcionários porque a produção é feita por etapas e os responsáveis por essas etapas não se vêem nem se comunicam.
# _Entendo. Ninguém sabe se o trabalho que faz é o “pulo do gato” ou não. Se alguém quisesse saber o segredo subornando funcionários comuns, teria que conseguir pelo menos um de cada etapa.
# _Certo _confirmou Letícia. _Por isso, queremos investigar especialmente os responsáveis por cada um dos produtos em primeiro lugar. O senhor teve uma excelente lembrança em notar que faxineiras têm acesso àquele corredor sem levantar suspeitas. Vamos vigiá-las também.
# _A idéia de atrair o espião foi uma sacada de gênio _Artur continuou, empolgado. _Precisamos pensar bem para criar um boato que deixe nosso homem lambendo os beiços. Por hoje, só nos resta esperar o resultado das investigações dos nossos amigos e ficar de olho nos suspeitos.
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# ***
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# A fábrica ficava fora da cidade, cercada por muros com cerca elétrica. Por isso, Josué achou estranho quando, no segundo dia, viu um homem se esgueirando em volta do prédio da fábrica, escondendo-se da vista dos porteiros e demais funcionários. Mostrou-o a Artur, que pôs o dedo nos lábios e disse, sério:
# _Eu já o vi. Ele esteve aqui dentro mais cedo. Se tentar entrar no escritório do Neves, faremos com que nos dê alguns esclarecimentos.
# A boca de Artur parecia santa. No terceiro dia, logo depois do almoço, as câmeras instaladas por eles mostraram que o tal estranho estava empenhado em arrombar a porta que dava para o corredor. Antes que ele pudesse terminar a tarefa, estava na mira de duas automáticas, uma de cada ponta do corredor.
# _Mãos na cabeça _ordenou Letícia, enérgica. _Quem é o senhor e o que está fazendo aqui?
# O homem obedeceu e respirou fundo para se refazer do susto. Tinha ficado branco. Artur e Letícia se aproximaram dele, mantendo-o na mira. Josué ficou atrás deles, preparado para agir em alguma emergência.
# _Sou Mário Salgado. Trabalho para a Polícia Federal. Estava apenas querendo instalar um câmera e alguns microfones naquela sala.
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# Mais tarde, depois das devidas apresentações e trocas de credenciais, Mário explicou o que estava fazendo ali.
# _Gostaria que mantivessem o maior sigilo, até mesmo com o Sr. Neves. Estamos trabalhando em parceria com o FBI. Eles têm fortes razões para acreditar que um dos homens de sua lista de mais procurados chegará hoje aqui nessa fábrica. Digam-me, alguma vez no trabalho de vocês já ouviram o nome R. Black Cat?
# Os três negaram.
# _Ele é um espião que já deu muito trabalho aos EUA. Ninguém sabe para quem ele trabalha, nem o que faz com as informações que consegue, só sabem que ele é imbatível. De acordo com as informações que o FBI passou, é iugoslavo de nascimento, fala fluentemente uma dúzia de línguas, tem uns 18 anos, é bom atleta e tem um conhecimento profundo de computadores, sendo uma das maiores pedras no sapato dos hackers que trabalham para o governo norte-americano. Tem uma facilidade enorme de se disfarçar, a ponto de parecer não ter rosto. Tem mãos bastante leves e, às vezes, dá a impressão de que pode atravessar paredes, tal é a forma como faz as coisas evaporarem.
# “Fontes seguras disseram que ele vem para essa fábrica. Não sei o que ela tem de especial para ele, mas ele já deve estar aqui. Queremos descobrir o porquê e, de quebra, capturá-lo.”
# Ficaram todos em silêncio por alguns instantes. Foi Josué que o quebrou.
# _E nós estamos procurando um espião industrial. É possível que esse tal Black Cat seja um mercenário, conseguindo informações em troca de dinheiro para sobreviver?
# _Possível, é. Mas ele é muito bom. Um verdadeiro garoto-prodígio, de deixar os espiões do cinema verdes de inveja. Por que largar as intrigas internacionais, que devem render altos valores, para roubar a fórmula de um esmalte? _perguntou, depreciativo.
# _É... Se essa fosse uma indústria de enriquecimento de urânio ou o laboratório de uma faculdade... _suspirou Artur. _Mas numa fábrica de produtos para unhas... É um contra quatro, Sr. Mário. Talvez possamos fazer um cerco contra o rapazinho.
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# ***
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# _Vocês acreditaram em tudo o que ele disse? _perguntou Josué, depois que o homem instalou seus aparelhos sob o olhar dos três e se retirou.
# _Claro que não _Letícia retrucou. _Ele pode ser nosso homem, com credenciais falsas e uma história esfarrapada. É um suspeito a mais para investigarmos e altamente suspeito. Um de nós precisa ficar de olho nele.
# _Eu fico _prontificou-se Artur. _Vou segui-lo que nem uma sombra. Continuem as investigações como antes e fiquem de olho nas câmeras.
# _Podemos revezar para vigiar as câmeras, como ontem _propôs Josué. _Está bom para você, Letícia?
# _Excelente. Vamos lá.
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# ***
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# Nada de anormal foi registrado por nenhuma das câmeras, durante todo o dia. Os três detetives se encontraram com o Sr. Neves à noite, antes de a fábrica ser fechada. Ele não estivera na fábrica naquele dia, visitando uma irmã doente em outra cidade.
# O gorducho empresário olhou para os três com os olhos saltados. Estava vermelho e roxo, sem fala, e apontava o cofre vazio. Quando finalmente pôde falar, disse, num tom rouco e terrível:
# _Minha irmã estava perfeitamente bem.
# Agarrou a roupa na altura do coração e tombou. Os três chamaram uma ambulância e o dono da empresa foi levado para um hospital.
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# _Ninguém entrou no escritório do Sr. Neves. Nós mesmos vigiamos o tempo inteiro _Artur estava inconformado. _Vigiei aquela figura suspeita o dia inteiro, mas ele nem chegou perto da sala. Como ele nos escapou?
# Mário apareceu e foi colocado a par da situação em poucas palavras. Balançou a cabeça, aturdido.
# _É impossível! Vocês vigiavam as portas e eu vigiei a janela o tempo todo! Além disso, um homem meu não despregou os olhos das imagens que as câmeras lá de dentro mostravam e não viu nada incomum. Esses papéis não podem ter evaporado! Só se não sumiram hoje.
# _Ontem eles estavam no lugar _Letícia sentenciou gravemente. _O Sr. Neves conferiu antes de fechar a fábrica. E Artur e eu vigiamos as câmeras a noite toda.
# _Também vigiei a noite toda. Sou insone _reforçou Josué.
# _O que está feito, está feito _Mário disse, carrancudo. # _Não vou desistir. Talvez haja uma chance de pegá-lo.
Deu as costas e saiu. Quando ele já tinha dobrado o corredor, os olhos de Artur brilharam.
# _Sou uma anta! É claro! _virou-se para os companheiros. _Let, vem comigo. Josué, não afrouxe a vigilância! Tranque essa sala e fique com a chave do Sr. Neves. Encontre-nos no restaurante do hotel daqui a mais ou menos duas horas. Agora são nove horas... Às onze, está bem?
# _Está... Que idéia você teve?
# _Você verá.
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# ***
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# Onze horas. Josué entrou no restaurante. Olhou as mesas e logo encontrou Artur e Letícia em uma delas, conversando com Mário. Ele pegou uma caixa de papelão e saiu, cumprimentando os dois efusivamente. Passou por Josué e despediu-se dele com respeito.
# _O que deu nele? _perguntou aos dois.
# _Ficou feliz por ter posto as mãos no conteúdo do cofre e do computador de Neves _explicou Artur. _Era o que estava na caixa. E o bandido será preso.
# _Vocês encontraram R. Black Cat?!
# _Quem está falando de Black Cat? _perguntou Letícia, rindo. _O bandido é o Walter Neves. Não é à toa que ele deu aquela reação quando os papéis sumiram. Eles o incriminam até a raiz dos cabelos.
# _Não estou entendendo... _Josué começou.
# _Acetona _disse ela, simplesmente.
# _Acetona?
# _Para o refino de drogas. Você sabe, todos aqueles que usam acetona para fins comerciais ou científicos têm que declarar para a Polícia Federal quantos litros entram e saem. Neves fraudava os números e vendia acetona para produtores de drogas. Segredos industriais uma ova! Aqueles papéis continham o registro de toda a negociata do homem!
# _Ué... E quem tirou os papéis, então?
# _Nós _disse Artur placidamente. _Foi fácil. Hoje de manhã, liguei para Neves dizendo que sua irmã estava doente e era grave. No momento em que Letícia ficou responsável por vigiar as câmeras, arrombei a porta do escritório, abri o cofre e copiei os dados do computador. Brincadeira de criança.
# _Vocês já sabiam, então, o que Neves era?
# _Sabíamos. Queríamos provas.
# _Como descobriram? Vocês estão trabalhando para outra pessoa?
# Artur deu um sorrisinho malicioso e entregou um papel a Josué. Era um folheto, com um quadrinho destacado com marcador vermelho. No quadrinho estava escrito: “Nomes confirmados para as palestras do Simpósio Paulista de Criminologia: Artur e Letícia Belo, ...”. A data do simpósio cobria os três dias em que estavam trabalhando na fábrica mineira. Ele olhou para os dois com a testa franzida.
# _R. Black Cat? _sussurrou interrogativamente.
# “Artur” debruçou-se sobre a mesa e disse a Josué, em voz baixa:
# _Não acredite em tudo o que diz o FBI. O governo norte-americano gosta de criar intrigas onde elas não existem. São uns melodramáticos. Meus superiores não toleram guerras e bandidagem. Depois de investigar o tráfico de drogas na região, a agência descobriu que a Unhex estava de alguma forma mancomunada com o tráfico. Como estou de férias forçadas, pedi para ficar com a missão de conseguir provas disso. Sabe como é, desenferrujar um pouco as juntas.
# “Primeiro, pensei em simplesmente entrar na fábrica à noite e examinar os papéis, depois bastava uma denúncia à polícia. Só que a mensagem em que eu combinava alguns detalhes da tarefa foi interceptada e descobriram que eu estaria aqui. Como não sou bobo, passei uma mensagem falsa dizendo que chegaria na fábrica hoje e me empenhei em fazer minha presença aqui parecer a mais natural possível. Se eu invadisse isso aqui, seria preso no ato.
# “Eu e Kitty, minha parceira, espalhamos o boato sobre a espionagem industrial e sobre como a melhor coisa a se fazer é chamar um detetive particular para investigar. Interceptamos a ligação da D. Glorinha e descobrimos quem teríamos que imitar. Não contávamos é que o Neves, só por garantia, ia chamar outro detetive. Você estar aqui nos atrapalhou um pouquinho, mas conseguimos administrar sua presença, seu Josué. Quando Mário apareceu, eu já estava com os papéis. Foi então que tive a idéia de “revelar” a Mário que estávamos trabalhando para outra pessoa e que descobrimos as falcatruas de Neves. Ele ficou satisfeito, já que, mesmo que não capture R. Black Cat, terá um sucesso para relatar, e eu fiz minha boa ação de hoje. ”
# Josué ficou um instante em silêncio.
# _Tenho duas perguntas.
# _Se eu puder responder...
# _Primeira: você trabalha para algum país?
# _Não. Trabalhamos salvando esse planetinha azul dos próprios habitantes.
# _Segunda: o que Mário disse a seu respeito é verdade?
# _Sim.
# _Tudo? Todos os detalhes?
# _Em cada mínimo detalhe. Por quê?
# _Até a idade?
# “Artur” entendeu onde ele queria chegar e sorriu.
# _Bem, nesse caso houve um pequeno engano. Quem tem 18 é a Kitty. Tenho 17.
# _Deus de piedade! _exclamou Josué, antes de se conter.
# _Minha família tem o histórico de morrer cedo. Decidi não perder tempo.
# Levantou-se, junto com a companheira. Josué ainda olhava para eles mal acreditando. Kitty ainda sorriu, bondosamente:
# _Espero não termos ofendido você em nenhum momento. Nós nos divertimos, espero que tenha se divertido também. Até qualquer hora.
# Os dois se despediram. Kitty levantou a gola do casaco e deu o braço a R. Black Cat, que deu um beijo em sua testa. Os dois saíram naquela noite gelada, enquanto Josué continuava brincando com o folheto do simpósio.
# _ Pelo menos vou ter o que contar pros meus filhos.
#
# ***
#
# Na rodoviária da cidade mais próxima da fábrica, uma jovem de traços levemente nipônicos saiu do banheiro, apertando mais o brinco. Abraçou um rapaz moreno, com o rosto primorosamente estragado pela maquiagem, que a esperava.
# Foram até um estacionamento, acertaram as contas e partiram. O frio, o horário – mais de meia-noite – e o silêncio fizeram com que não falassem. Só depois de muito tempo de estrada, a garota comentou:
# _Sabe, Robin, o que me deixou mais triste nessa história toda?
# _Não.
# _Alguns dos tons dos esmaltes da Unhex são únicos. Nunca vi um rosa-renda que me caísse tão bem quanto o deles.
# _Bolas, Kasami! Quanto mais você explica o que as garotas pensam e fazem, menos eu entendo. Suas unhas já são cor-de-rosa!
# _É um tom de rosa diferente, tolinho _brincou com os cabelos dele. _Você é um chato supereficiente, mas eu te amo, sabia?
# _Sabia.
# Kasami deu um pedala-robinho nele, fazendo o carro quase mudar de pista.
# _Convencido!