Pedro e Paulo
Domingo, dias atuais. mês de Setembro correndo solto, sol a pino, quarenta graus à sombra, o suor encharca e o sal queima a pele tostando pelos.
Dia da Grande Final de Paleteada do Concurso de Freio de Ouro da Associação dos Criadores de Cavalo Crioulo na Expointer na cidade de Esteio, no Rio Grande do Sul.
Anos atrás, dia friorento, chuvoso, açudes não dando vau, taipas invadindo várzeas, Estância duplo “W”, Passo Grande, distrito de Cerro do Ouro.
O moço fora visitar o pai, por estar com saudade e principalmente pedir aumento da mesada, visto que o custo de manutenção da “faculdade”, das moças que trabalhavam a noite nas boates da capital, o carro esportivo, aluguel do apartamento, os amigos de copos e farras, estava custando caro e nada mais justo pensava ele, afinal sendo o velho um dos grandes criadores de cavalos crioulos, um dia tudo aquilo seria dele.
Numa de suas muitas noitadas e farras , quando ficou sabendo que uma das muitas mulheres de “vida fácil” que tinha cambicho, estava grávida, em principio não dera a mínima, mas após tomar uma decisão, resolveu que ficaria com a criança após o nascimento.
Então combinado com alguns colegas da faculdade resolveram raptá-la, e numa noite numa pensão de quinta categoria, no breu do quarto ínfimo, sem fazer barulho para não acordar a mulher que dormia virada para canto da parede, pegaram o menino do berço, e o fruto desta relação vinha agora com ele pra ser criado na fazenda do velho.
Com a morte do velho, assumiu a fazenda, sem canudo, mas neste país onde quem tem plata, títulos e gentes são comprados , era temido e respeitado , tornando-se um dos principais expositores da Expointer e o cavalo de sua propriedade BTJOVEM da Santa Cruz era favoritaço para o freio de Ouro daquele ano.
A estrela principal era o ginete, (seu próprio filho,) campeiro dos quatro costados e um prego nos arreios. No camarote das autoridades o fazendeiro, cofia o bigodão bem cuidado, copo de uísque na mão, antegozando os prazeres da noite onde levará seu filho para se esbaldar como ele fizera outrora, estava cercado de bajuladores, apadrinhados políticos, e toda a camarilha que cerca os poderosos.
No outro lado da cidade um jovem prepara-se para mais um turno estafante de serviço, a lida bruta o castigava desde pequeno, órfão de mãe que definhara jovem, corroída pela cirrose e enfisema, na escravatura da bebida, fumo e venda do corpo.
Ele foi entregue a própria sorte, sem conhecer o pai, e uma alma caridosa o acolheu no Pão dos Pobres, de onde saiu para sentar praça na Brigada Militar.
Maldizia a sorte de logo hoje, estar escalado naquele Parque, fazendo o Patrulhamento Montado, ele gostava de montar e não tinha o fundilho encerado, sendo de sua responsabilidade o tordilho mais indócil do regimento, resquício de quando era cavalo de saltos na hípica e fora doado por ter derrubado e aleijado o filho de grande empresário escapando assim do sacrifício que estava destinado, e se afeiçoaram, pois os deserdados se juntam pra terem amor.
A filhinha do colega nascera prematura, fora boleado, tinha que cumprir a escala,
Na raia o frenesi tomou conta da assistência, no momento do filho do fazendeiro entrar na pista, e, diga-se de passagem, formavam um conjunto lindo, seu porte altivo, soberbo e algo pedante, com olhar de ébano penetrante e desafiador, junto com o crioulo malacara marchador, narinas infladas , nervos e músculos retesados e olhar superior.
Seu parceiro na empreitada um Negro Velho, peão de estirpe que lhe ensinara os segredos da lide campeira, laçar,domar, curar bicheira ,guasguear uma lonca, ajudar dar cria as vacas atracadas e derrubar terneiro nos trompaços com petiços pipeiros, gineteando os capões, onde volte e meia plantava figueira para fula dos peões, que tentavam sestear em seus pelegos a sombra dos cinamomos.
O tourito sobre ano com o botão da guampa brotando, deixou o brete bufando ,aspirando à liberdade, olhos fixos no horizonte, levantando poeira e berrando, e já lhe saíram no rastro a dupla de peões em seus fletes cortando o vento.
Porém momento da abordagem, antes das bandeiras que delimitam o percurso, no encontrão da paleta no novilho, o jovem ginete, errou o ponto de esbarro, e prensou com toda força a perna , neste entrechoque bárbaro, ouvi-se um grito horrendo, o estalo do osso partido, quebrando a perna do moço, caindo de lado sendo arrastado pelo estribo, seu parceiro que vinha do outro lado, não divisou o seu dupla, pela polvadeira formada na confusão de casco ,ferro, arreio e patas ,seguiu em perseguição à rês que se mandou a la cria.
Os alaridos e gritos de socorro chamaram a atenção do brigadiano de serviço, que na relancina chamou nas esporas e dando de rédeas no seu cavalo, saltou a cerca e galopou em perseguição ao crioulo que arrastava o ginete, chegando junto, e com precisão e força atávica desprendeu o pé preso no estribo, tomou a pulso o corpo do ginete içou-o por baixou do braço num átimo de segundo antes do choque fatal contra a murada do fim da pista, colocando-o desmaiado sobre a garupa de seu tordilho.
Com a chegada da ambulância apeou do cavalo e auxiliou na remoção da maca, para a emergência ali instalada. O pai do moço que assistira a tudo entrou correndo na pista, e quis saber quem era aquele destemido brigadiano que salvara a vida de seu filho, chegou junto a ele, que estava de costas, botas pretas de cano alto sujas, pernas arqueadas, culote amarfanhado, jaqueta do fardamento lavada em suor com respingos de sangue misturada a terra, a espada pendente a lado do corpo embainhada.
A fazer sombra sobre a testa o chapéu de abas-largas, que em sinal de respeito sacou da cabeça para cumprimentar o fazendeiro,que lhe tocara os ombros, e quando este se virou o fazendeiro atônito, magnetizado por aquele olhar .
Teve ali mesmo uma sincope fulminante e caiu morto, na pista de rodeio, cercado do séqüito que lhe acompanhava e bajulava.
Pois quisera o destino que aquele brigadiano que salvara seu filho, fosse o outro gêmeo, que mamava junto à mãe no momento do rapto.
E foi isto que o fazendeiro viu antes de suspirar e partir, aquela cabeleira negra, sobrancelhas grossas, na maça do rosto no lado esquerdo a pinta em forma de ‘‘u”, marca indelével dos homens da família e a marcante diferença de um para o outro, inconfundíveis pares de olhos verdes... que um dia deixara chorando num cabaré na Capital, e enxotara a pontapés, quando soubera que iria ser pai.