A morte à esquina
1
As ruas largas, com as residências muradas. Com um ou outro pedestre. Os carros passando em número reduzido, uma ou outra moto. Aquele edifício que pedreiros erguem-no, conversando. As frases incompreensíveis devido à altura. A moça loura, de short. As pernas longas. O andar gracioso, de manequim. As árvores adiante às laterais da rua se abraçando no alto, num aconchego poético. Ah, que paz lhe traz tudo isso! É como se já conhecesse, tivesse vivido por aqui e... Sente uma saudade repentina. Uma falta... Caminha. Sentindo-se bem. Integrado à cena que presencia e participa.
- Papai tenha cuidado com essas saídas assim sozinho!
A voz da filha, Darlene, preocupada, boa filha, contudo, ele lhe retribui com um meio-sorriso e mantendo-se calado, sai, pois, como agüentar a velhice sozinho? A Darlene trabalha, o outro filho, o Irineu também e ele, aposentado, viúvo ficar sozinho na casa que se lhe apresenta maior sem a presença da Diva... Não, tem de sair. Caminhar pelo Bairro de Campo Grande, com sua praça bem cuidada, as ruas de residências muradas, espaçosas e o silêncio pairando sobre tudo...
Caminha. Sentindo-se bem, em paz com a vida. Se pudesse morar numa dessas casas!
As luzes dos postes, das residências e dos espaçados edifícios altos, imponentes, modernos se acendem ante a chegada da noite.
- Aqui é um outro mundo.
Sorri e adentra numa outra rua.
2
- O “coroa” tá vindo, Tapioca.
O adolescente negro, esguio, alto sorri e vira-se, para enxergar a figura baixa, magra do velho, e sorri, aquiescendo:
- É ele mesmo, Bibiu. Te prepara.
- Certo, vamos agir.
Escondem-se no ângulo formado pelo muro da esquina e como animais que preparam o “golpe” certeiro, se aquietam, esperando.
Inocentes os passos do velho se aproximam, enquanto a tarde escurece ante a noite que chega e envolve as residências muradas do bairro classe-alta.
Os passos. E a voz gritada do Bibiu:
- Pára aí, “coroa”. Isso é um assalto: me passa a carteira e o relógio!
O ancião perplexo obedece. Trêmulo. O suor repentino na testa larga. Nas costas. No dorso das mãos, contudo, inesperadamente sente a revolta e o impulso de reagir ante a humilhação de se ver ameaçado por dois “frangotes”:
- Maloqueiros!
Então parte para Bibiu, como se não lhe percebesse a mão direita com a arma que... Dispara três vezes e lhe atinge em “cheio” o corpo que ao impulso das balas verga-se para trás, caindo.
Contorcendo-se.
- Tapioca pega a carteira e o relógio!
O comparsa atende. Ligeiro. E de posse do roubo, os dois correm, fugindo, para desaparecer ao dobrar a esquina adiante, enquanto o corpo do velho vai se aquietando, aquietando...
De uma residência próxima, o grito de uma criança que tendo escutado as detonações chega ao portão da casa:
- Mãe tem um homem caído na calçada do doutor Carlos! Parece que foi assaltado.
Curiosa, a mãe chega ofegante:
- Bem que ouvi os disparos. Bem uns três...
Percebendo o corpo, então, determinada como sempre, ordena:
- Menina vá pegar o meu celular no quarto pra que eu ligue pra SAMU.
- Sim, mãe.
3
A moça dirige o carro e mantendo a atenção do vidro sobre a direção, quebra o silêncio entre ela e o irmão ao lado, num desabafo de piedade e revolta ao mesmo tempo:
- Não deixo de lamentar o que houve com o nosso velho: ser assaltado e morto por dois delinqüentes! Eu sempre aconselhava o nosso pai: “Cuidado pai, com essas saídas do senhor por aí, sozinho. Com tanta violência, assaltos”. Mas, ele era, como sempre fora, teimoso. Fazia um arrizinho de riso e calado saía. E deu no que deu...
O irmão, Irineu, então lhe fitando o perfil bem talhado, moreno, os olhos grandes, negros, os cabelos lisos, compridos e as mãos, que firmes, conduzem o carro, fala:
- Darlene, quando a “coisa” tem de acontecer... Parece que está tudo determinado. Somos apenas conduzidos e...
Ela sem se voltar, retruca:
- Lá vem você com suas filosofias. Pra tudo, irmão, você tem uma desculpa, encontra uma origem.
Ele sorri. Silenciam.
O carro avança, aproveitando o ainda resumido trafego e o cemitério se lhes apresenta.
- Chegamos Irineu.
- Chegamos...
O carro estaciona ao meio-fio da calçada, com outras pessoas, da Portaria. A porta se abre e seus ocupantes deixam-no.
Darlene compra um buquê de flores numa das barracas ao lado esquerdo da Portaria e com Irineu logo cruzam essa, acompanhados de pessoas que também seguem em sentido ao túmulo dos antes queridos.
À noite, amadurece indiferente a tudo, integrada ao tempo de antes, agora e sempre.
Sempre.
Mestre Valença é o cão chupando manga.
Comentário Enviado Por: william porto Em: 23/12/2011