O DESAJEITADO

Luiz Celso de Matos

Nasce em um pequeno pedaço de terra nas proximidades de Irati, Fernando, filho de imigrantes poloneses. Grandes produtores de batata na região. Fernandinho teve uma infância típica das crianças criadas nesses sítios. Nadava, brincava com bolas e com o estilingue, era o terror dos passarinhos.

Com dez anos foi matriculado numa escola rural. Não se deu bem. Magricela e alto para crianças de sua idade, era alvo de chacotas de seus colegas de escola. Não tinha aptidão para os esportes. Com as garotas, não dava muita sorte. Queixavam que ele tinha um forte chulé e era estrábico. No recreio ele ficava num canto, lendo gibis de faroeste. Interessante que ao contrário de outros meninos que torciam pela performance dos mocinhos, ele vibrava com a dos bandidos. Sonhava em ter um bando. Acreditava que se fosse bem sucedido nos assaltos, teria bastante dinheiro e assim, na iriam lhe faltar namoradas e amigos. Vibrava só em pensar nos seus coleguinhas de escola que viviam lhe humilhando, ficarem boquiabertos com as notícias do sucesso dos seus assaltos.

Já com mais idade, começou a criar coragem para entrar num dos botecos de Irati.

A primeira vez que entrou num bar e pediu um copo de leite gelado, foi alvo de gozações por alguns freqüentadores daquele estabelecimento que estudaram com ele.

— Hei pessoal, olha o nosso Espanador da Lua, tomando leitinho...Não vai uma bolachinha aí, grandão? Toma um gole dessa graspa. Essa sim, é bebida de macho!

Vermelho, ele mandou o vendedor suspender o pedido do leite e trazer para ele uma graspa.

— Vira tudo de uma só vez! Falou um deles.

Pobre Fernando, graspa é produto para boêmio-centro-avante de muitos campeonatos, a sensação que ele teve quando entornou o copo era de que tinha ingerido um balde de lava apimentada. O refluxo foi iminente. Vomitou o que tinha e o que não tinha no estomago. O pior foi a sacanagem de um outro conhecido de Fernando, que sugeriu que para ele melhorar, tinha de dar uma tragada bem forte num cachimbo que ele tinha em mãos. Fernando foi a nocaute. Sua cor era de um amarelo esverdeado quando deu entrada numa pequena farmácia da redondeza.

A última vez que ele entrou num boteco, foi o dia que ele decidiu jogar sinuca. Na primeira tacada, ele rasgou uns vinte centímetros da mesa de snooker. Foi expulso do bar.

Na pequena biblioteca municipal que ele passou a freqüentar, caí-lhe às mãos o livro de Bonnie e Clyde. Devorou aquele livro. Passou a sonhar com assaltos.

Em poucos dias, após encontrar alguns elementos que toparam sua proposta de assaltar um banco, ele decidiu dar uma resposta à sociedade que não o aceitava.

Planejamentos foram exaustivamente executados, só faltava municiar seus asseclas com as armas que ele já tinha mandado trazer do Paraguay. No dia D, com roupas de vaqueiro norte-americano, apanhou do celeiro de seu sítio, uma velha Kombi e junto com seu pessoal, dirigiram-se ao norte do estado. No caminho ele se sentia o próprio Bonnie. No trajeto, dois dos bandidos que tinham o estomago mais sensível, pararam umas três vezes para vomitar. No interior da Komby, o chulé do “chefão” infestava o ambiente.

Pernoitaram numa pensão e no dia seguinte logo pela manhã, dirigiram-se a única agência bancária daquela cidade. Todos bem armados. Renderam o vigia do banco e Fernando com duas pistolas na mão, ficou na retaguarda enquanto os outros iriam esvaziar os caixas. De repente, Fernando entrou em pânico. Ele só vira revólveres pela televisão e na literatura. Nunca havia disparado uma arma. No desespero, acabou acionando o gatilho sem querer. Acertou em cheio seu próprio pé. Com o estampido e o urro de dor de Fernando, seus comparsas apressaram na retirada. Mancando desajeitada mente, Fernando saiu por último. Temia as gozações. Os bandidos estavam eufóricos pois sabiam que para ser efetuado o curativo no pezão do chefe, pelo menos o pé machucado teria que ser lavado.

— Pô chefe, agora o senhor pode dizer que não é um cara pé frio. Este balaço deve estar queimando seu pisante, ou não?

Sorumbático, Fernando estava cabisbaixo. Torcia para ser preso. Não suportaria as gozações dos seus amigos.

Por terra, um sonho bandido.

25/1/2012