DOIDIVÂNIO: O DETETIVE

D O I D I V Â N I O: O D E T E T I V E

Morávamos numa cidadezinha do interior do Reino de Gorobixaba, chamada Banana Murcha do São Bento do Livramento. Sem asfalto nas ruas, nem nas estradas de acesso. Sem iluminação pública, sem coleta de lixo, sem policiamento itinerante, quando muito três policiais no decrépito prédio da cadeia municipal, e somente durante o dia. À noite a população ficava entregue a proteção dos cachorros vadios, quando estes não se tornavam os atacantes.

A cidade em si não abrigava mais que alguns milhares de vidas sufocadas pela pobreza regional, se bem que alguns poucos tinham lá seus meios de subsistência em farturas.

E assim seguia aquela comunidade, se não satisfeita nas mais elementares coisas e necessidades, pelo menos seguia; si auto-enganando.

Aquele lugarejo, lugarejo em função de que ninguém podia, em sã consciência, denominá-lo como cidade, ainda que sendo; pois a emancipação já havia acontecido.

Numa tarde nublada, para ser mais exato de chuva fina (chuva de molhar bobo), mas persistente, uma vizinha, cinquentona, senhora de respeito, matrona nordestina, de gorduras fofas; sempre sorridente, mas naquele dia chorando; bate à porta de nossa casa:

- Vala me Deus, vizinha! Estupraram minha Perpétua! Que hei de fazer?

Minha mãe; no seu comedimento e nas experiências de coisas boas e ruins passadas, não se desesperou, contudo mostrou sentir a mesma dor da suplicante:

- Oh! Dona Raimunda! Como foi acontecer uma coisa desta?

Nossa vizinha engasgando no choro passou a mão pelo rosto limpando as lágrimas que escorriam em abundância, explicou:

- Ah! Vizinha! A minha filha do meio, aquela que a senhora até bem conhece, pois já fez trabalhos caseiros aqui nesta casa; pois é, ela saiu sozinha, pelo meio da tarde, onde foi não sei dizer, e ao retornar, já quase escurecendo, foi surpreendida lá na boca da mata, por um homem encapuzado e...

A dona Raimunda se engasgou no próprio choro, não conseguiu mais dar continuidade à narrativa. Minha mãe abraçou-a e aconchegou-a junto ao corpo. Não precisou mais de palavras para entender o acontecido.

Naqueles tempos idos tinha lá eu uns treze anos. Ainda não tinha entendimento do que seria um estupro, mas também me condoí com a Perpétua, para meus olhos, menina bonita e cheia de encantos femininos. Se estou bem informado ela ainda não completou treze anos.

Boca da mata a que se refere dona Raimunda, é o que é conhecido por todos os habitantes como tal.

Minha mãe, dona Luzia, quis saber mais detalhes do ocorrido, não por curiosidade, mas em sinal de preocupação e uma possível ajuda, tanto no sentido de aliviar o sofrimento como de tentar encontrar o culpado.

- A menina não viu nada do bandido?

Dona Raimunda se sufocou no choro e lágrimas escorreram. Descontrolou tanto que soluçou alto e deu tremores de balançar todo o corpo.

Esperamos mais uma vez ela se acalmar.

- O pior vizinha é que a Perpétua viu...

Novamente o choro não a deixou continuar.

- Acalme-se dona Raimunda! Para tudo Deus dá uma solução.

- Neste caso dá não dona Luzia. Foi o próprio pai.

- Minha nossa!

Não só minha mãe, eu também senti uma coisa ruim dentro de mim. E se eu fosse Deus, assim pensei: pegava o bandido pelos cabelos, dependurava sobre uma fogueira e deixava queimar aos poucos, derretendo primeiro os pés, depois as pernas e o resto... Antes cortava o saco e dava-o aos cães para saborearem.

Nossa vizinha chorava copiosamente, nada a consolava, também pudera coitada! A tragédia dava-lhe razão para tanto.

Naquele momento tomei uma decisão, iria investigar a fundo a respeito deste caso. Começando pela origem da família, mudança para nossa currutela, relacionamentos com outros moradores e o que houvesse para se descobrir.

Deixei as duas mulheres se confortando mutuamente, e dali do portão de nossa casa, sem nem justificar minha saída para minha mãe; tomei o rumo contrário da morada da dona Raimunda.

Ia à procura do senhor Miliano, se dizia que ele era o morador mais velho do lugarejo. O encontrei sentado à porta, apreciando a fresca da tarde noite, refestelado num banco de madeira de encosto inclinado, com lugar para duas pessoas. Já era meu conhecido de outras palestras. Coisa que sempre fiz: palestrar com quem se predispusesse.

Assim que me aproximei, só que antes de sentar peguei na sua mão e saudei-o:

- Sua benção “seu” Miliano!

- Que Deus o abençoe meu filho!

Ele me convidou para sentar, o que não me fiz de rogado.

Fiz menção de perguntar-lhe algo por duas vezes, no entanto não o fiz. Ele vendo meu embaraço perguntou:

- O que o traz até aqui?

- O senhor deve ser um dos moradores que há mais tempo está fixado aqui em Banana Murcha do São Bento do Livramento, não?

- Me deixa ver... Puxando pele memória... Quando eu cheguei aqui com minha velha, no ano de 1928, só tinham mais duas casas com moradores.

- Quais, senhor?

- O beato Anselmo e o Luiz Bianor.

- Luiz Bianor? Quem é este que nunca ouvi falar?

- É o pai da dona Raimunda. Mas ele já morreu faz muitos anos.

Desconversei a possibilidade de estender à prosa; o agradeci e vazei.

De volta para casa fui remoendo aquelas informações. De primeira vi que tinha sido tolo, já que havia começado um interrogatório amistoso, porque não o espichei, tentando saber quem era e de onde veio o Nonato Mota, o pai da Perpétua. Repensando até que foi bom, assim dividia as perguntas com outras pessoas e passava despercebido.

Também sou quase amigo do beato Anselmo. Um negro idoso, surdo e quase cego, porém conversador como ele só.

Estava resolvido. Agora mesmo iria procurá-lo.

Porta fechada, nenhum barulho diferente da algazarra dos pássaros no matagal, ninguém à vista. Bati na porta. Nada. Outra vez, nada. Pensei, ele é surdo não me ouviu. Empurrei a porta, esta cedeu alguns centímetros. Devido à claridade exterior eu não via nada naquela penumbra. Assim que as vistas se acostumaram com as sombras da noite que vinha chegando, vi um corpo caído próximo da janela, meio que de lado, com as pernas estendidas em direção à porta, a cabeça fazendo a parede de travesseiro, com isso o queixo forçava o peito para baixo. Nunca tive medo de morto nem da morte, ali muito menos. Tudo levava a crer que eu era a primeira pessoa a ver aquela cena, o primeiro não, o segundo, porque o assassino foi o primeiro. Digo assassino por que ao me aproximar do corpo percebi sangue, e ainda escorrendo da testa do beato, sim senhor, era o beato Anselmo e estava morto. Observei bem o cenário, incluindo os dois cômodos adjacentes e o corpo, sem, no entanto mexer em nada, nem mesmo colocar a mão.

A primeira providência seria notificar a polícia. Foi o que fiz. Naquela hora, lusco fusco do escurecer, na delegacia não tinha ninguém. Quando estava virando para ir embora avistei um soldado que se aproximava. Na clássica falta de educação dos soldados pegos no laço, aquele não foi diferente.

- O que está cheirando aqui, moleque?

Sempre fui topetudo, não era aquele meganha pé de chinelo que me faria baixar o facho.

- Primeiro que não sou moleque e segundo que vim falar com o delegado.

- Deixa de ser atrevido! O que você tem a falar com o delegado pode ser dito a mim.

Na falta de experiência pus tudo que havia planejado a perder:

- Mataram...

- Matou quem? Vamos desembucha!

- Só falo para o delegado.

O soldado praticamente voou para cima de mim. Puxou meu braço direito para as costas e torceu-o. Sempre berrando:

- Matou quem? Matou quem? Vamos filho da puta!

Apesar da dor fui durão. Olhei-o bem dentro dos olhos e disse:

- Se quebrar meu braço nem o capeta te salva dos feitiços do beato Anselmo.

Foi como jogar água no fogo. O soldado sabia do que o povo dizia. Que o beato Anselmo fazia quem ele queria morrer seco. O medo foi mais forte. Soltou-me, e até quis se fazer educado:

- Espera aqui. Volto logo. Vou chamar o delegado.

Encaminhou-se para os fundos da construção que davam o nome de delegacia. Não lhe dei ouvidos. Segui-o de perto, contudo sem ele perceber. Ao contornar a esquina da última parede comecei a ouvir um burburinho:

- Vamos soldado Ezequiel, é sua vez de jogar!

- Não sou eu não. É o senhor delegado!

Adivinhei na mosca o que acontecia ali. Jogavam baralho, e para ser mais claro, cacheta. Não me importei com possíveis reprimendas, cheguei junto com o soldado ao lado da mesa de carteado. Esta estava à sombra de um imenso abacateiro, no fundo do quintal da construção. Com a sombra da noite já era quase impossível identificar as cartas.

- Quem é o moleque que te acompanha soldado Biracy?

- Volta caralho! Te mandei esperar lá fora!

Apesar das quatro caras feias. Delegado, soldados Biracy e Ezequiel e o cabo Antenor, falei claro sem entonação de reprovação ou deboche:

- Não queria interromper os senhores, mas mataram o beato Anselmo.

O delegado mostrando que não era bobo nem nada; foi logo assumindo a chefia de tudo:

- Aqui não é lugar para depoimentos. Vamos lá para dentro da delegacia.

Seguimos os cinco pela ordem de hierarquia, sendo o delegado o primeiro e eu o último, logo atrás do soldado Biracy.

Lá dentro só havia quatro cadeiras, quem entrou primeiro sentou, portanto fui o único a ficar de pé.

O delegado olhou-me, pareceu querer pedir uma cadeira a um dos soldados, mas desistiu e me perguntou:

- Como sabe que o beato Anselmo foi morto?

Usando de artimanhas lidas nos livros, respondi:

- Se é um depoimento oficial; só respondo na presença de um advogado. E sentado.

O homem ficou roxo de raiva, se conteve. O único advogado da cidade era meu pai, e ele sabia disso.

Respirou fundo e mandou seus subordinados saírem. Pelo visto não queria mais que eles vissem outra derrota sua.

- Muito bem espertinho! Agora estamos sós nós dois. Conte-me esta de que alguém matou alguém, bem debaixo da minha barba. Aqui nesta cidade, depois que fui nomeado delegado nunca houve um assassinato.

Mais uma vez ganhei dele:

- Sempre tem uma primeira vez.

- Não se faça de engraçadinho! Conte sua versão.

No começo eu havia pensado em grandes investigações; e lógico, eu como o detetive. Ali de frente para a lei mudei de opinião; e contei tintim por tintim. Desde a chegada de dona Raimunda lá em casa até aquele momento presente.

O delegado ouviu calado. Depois me repreendeu:

- Essa de detetive não é sua área meu chapa. Foi bom ter me contado tudo. Daqui para frente assumo eu, as investigações.

Como ele ficasse em silêncio por um longo tempo, resolvi ir embora. Saí, ou melhor, quando ia saindo ele me chamou de volta:

- Volte aqui rapaz. Você poderia me levar à casa do beato Anselmo?

Concordei. Apesar da falta de tato dele, pois não havia me dito nenhuma palavra de agradecimento:

- Levo sim.

A viatura de policia nada mais era do que um fusca 1300, de cor e ano indefinidos, faltando o pára-choque traseiro e o banco de passageiro ao lado do motorista.

O soldado Ezequiel assumiu a direção e lá no banco de atrás sentamos, o cabo Antenor à esquerda, eu no meio e o delegado à direita.

- Assume as responsabilidades da chefatura de policia, soldado Biracy.

- Pois não, senhor delegado.

Gastamos menos de oito minutos para chegar ao nosso destino. A porta continuava quase fechada, como eu havia deixado, apenas via-se uma fresta entre o portal e a folha da porta propriamente dita.

Sem cerimônia o soldado Ezequiel deu um chute nela e entramos em fila indiana, e novamente pela ordem hierárquica, delegado, cabo, soldado e eu.

O corpo estava como o havia deixado.

Pela primeira vez o delegado foi gentil:

- Muito obrigado meu rapaz, mas não preciso mais dos seus préstimos, pode ir embora.

Embirrei:

- Não senhor, não quero ir não. Quero saber quem matou o beato...

Ele se virou para mim e foi autoritário:

- Não é o caso de querer. Estou mandando. Caia fora!

Insisti:

- Mas fui eu quem descobriu...

- Você não descobriu nada. Reconheço, foi perspicaz, e ainda bem que não invalidou nenhuma pista, mas agora chega. Vá embora!

- Está bem, eu vou, se o senhor me disser qual a relação da morte do beato Anselmo com o estupro da menina Perpétua.

- Não sou adivinho. Mas mesmo que soubesse não diria. Cabo Antenor, ponha este menino no caminho de casa.

Ameacei:

- Se me expulsar vou contar para meu pai.

Tanto delegado como policiais já haviam sentido na pele a justiça verborrágica do senhor Raimundo Júnior.

O cabo que havia dado um passo na minha direção parou. Olhou para o delegado e este pensou rápido:

- Está bem! Pode ficar, mas com uma condição. Não tocar em nada, literalmente nada. Entendeu?

- Pode ficar tranqüilo, só vou observar.

O soldado Ezequiel pegou o corpo pelos pés, arrastou-o até o centro do cômodo, onde a pouca luz que insidia pela porta, favorecia vê-lo com mais nitidez. Mas mesmo assim o delegado ordenou:

- Cabo, providencie uma lamparina.

Todos nós, ali, estávamos cientes de que deveria haver uma na residência, uma vez que esta não era provida de energia elétrica, assim como toda cidade.

Com mais claridade, todos nos aproximamos do cadáver. Não sei se algum dos presentes viu como era eu o que estava mais próximo da mão direita dele, notei que entre os dedos desta tinha um botão, notadamente arrancado do assassino.

Não mencionei o fato. Fiquei em silêncio esperando uma oportunidade de pegá-lo sem ser visto. Esta oportunidade ocorreu quando o delegado solicitou:

- Cabo, vamos verificar se houve roubo.

No que se afastaram, me abaixei rápido, peguei o botão e coloquei-o no bolso. E para não levantar suspeita acompanhei-os ao outro cômodo.

Ao entrar no quarto, mesmo com a pouca claridade da luz da lamparina, coincidentemente, eu sendo o quarto da fila, vi algo que deveria ter visto quando estive ali sozinho. Mas não me dei por achado, e nem fiz nada que levassem eles a notarem minha segunda pista.

Que alívio! Como previ, não viram nada que pudesse servir de pista para o crime.

- Vamos sair daqui pessoal.

Alguém puxou o lençol que forrava o colchão e nos encaminhamos para onde se encontrava o corpo.

Cobriram-no com o lençol. E nos encaminhamos para a cozinha. Nada de anormal ali também.

O delegado ordenou:

- Vamos nos evadir daqui. Depois providenciamos para que algum parente o enterre. Aqui não tem pista nenhuma.

Pensei comigo: “Você quem pensa.”

Na volta para a delegacia me deram carona. Chegando à porta de minha casa resolvi não entrar, e voltar o mais rápido possível para pegar a prova de que o pai da Perpétua era inocente.

Assim que o carro se afastou o suficiente me pus a correr. Em poucos minutos cheguei ao barraco do beato. A porta estava só encostada, empurrei-a, entrei; e mesmo no escuro, já era noite, pulei o corpo, tateando achei o portal de acesso ao quarto. Seguindo pela parede, com a mão deslizando por esta, encontrei o que queria.

Num prego nesta parede estava dependurada uma máscara. A qual só eu havia visto; e identificado a fisionomia de Nonato Mota.

Conclusão.

Alguém a usou, ao estuprar a menina e jogou a culpa no próprio pai desta. E este alguém por algum motivo, relacionado com este fato teve que matar o beato, tentando eliminar testemunha.

Ao sair à porta, tive uma sensação de que havia visto o assassino, não agora neste instante, mas num determinado momento desde que me propus a investigar. Mas quando? Quem?

Cheguei em casa tranqüilo, meus familiares estavam acostumados com minhas saídas, das quais nunca voltei depois das oito horas da noite, e era menos que isto.

Deixei minhas duas pistas dentro de um pé de meia, debaixo das minhas coisas, no guarda-roupa, do meu quarto.

Peguei a toalha e fui tomar banho.

Debaixo do chuveiro tive um choque. Não foi elétrico. Foi emotivo. Descobri o assassino, que também é o estuprador.

Ainda tremendo de emoção terminei o banho. Voltei ao meu quarto, peguei as pistas, mas fiquei no dilema entre expor ao meu pai ou ao delegado. Outro dilema, ainda hoje ou deixar para amanhã.

O segundo dilema resolvi pela lógica, se deixar para amanhã o suspeito pode fugir. Então tem que ser o mais rápido possível. Agora!

A lógica também prevaleceu no primeiro dilema. Meu pai é advogado, conhecedor das leis e suas aplicações, com a implicação de que o delegado, ao que tudo indica é superior e amigo do meu suspeito. Portanto resolvi contar tudo ao senhor Raimundo Júnior.

Mais uma vez comecei desde a chagada de dona Raimunda aqui em casa; passei pela visita ao senhor Miliano; de como encontrei o corpo do beato Anselmo; a ida à delegacia, inclusive com todos os detalhes e diálogos; o retorno, com o delegado, ao barraco do defunto; a visão das duas pistas, as quais lhe entreguei.

Velhaco como ele só, meu pai sorriu e foi simples:

- Só isto? Mas cadê o suspeito?

Estufei o peito, fiz pose de quem está por cima e sapequei:

- É o soldado Biracy.

- Como você chegou a esta conclusão?

- Como disse ao senhor, quando cheguei à delegacia, não havia ninguém à vista. E ao resolver voltar, foi quando me virei e deparei com ele tentando abotoar o casaco de policial, exatamente no meio da barriga, parece que é onde estava faltando este botão.

E apontei para minha primeira pista.

- Você já pensou que ele pode ter perdido o botão do casaco em outro lugar, e este que estava na mão do morto é outro?

- Mas pai...

- Meu filho, tudo que você investigou é o lógico, só que a lógica tem mil facetas. Será se é a minha ou a sua que é a verdadeira?

Perdi a primeira rodada. E viria a perder o segundo com poucas palavras.

- Agora vejamos esta máscara meu filho. Você afirma que ela é o molde do rosto do senhor Nonato Mota, pai da menina estuprada, pois eu ao olhá-la, sem medo de errar digo que ela é a sua fisionomia em tudo.

Quase tive um enfarto. E olhando-a com mais atenção, estremeci. Realmente ela se parecia muito comigo.

Devolvendo-me os dois objetos ele voltou à carga:

- Vamos supor que você esteja certo. Por que seu suspeito mataria o beato Anselmo? Antes disso, por que ele incriminaria o pai da vítima?

Não consegui responder nenhuma das duas perguntas.

Desta vez meu pai veio em meu socorro.

- Por outro lado o beato pode ter visto o ato do estupro, ele andava sempre naquelas imediações.

Fiquei feliz; e sorrindo emendei:

- Foi exatamente o que pensei.

Uma ducha de água fria na minha certeza.

- Como explicar a máscara em poder do beato?

- Não sei.

- Sugiro meu filho que manhã com as cabeças mais frescas, nós dois, analisarmos melhor todas as possibilidades; e aí sim tomaremos uma decisão sensata. O que você acha?

- Não tenho escolha. A razão está com o senhor.

No meu quarto queimei as pestanas tentando uma solução dentro dos parâmetros de que dispunha, mas quando antevia uma resolução correta, lá estava um senão. Por fim decidi que o melhor seria esperar por meu pai.

Durante a noite esfriaríamos a moringa e de manhã solucionaríamos o caso.

O caso amanheceu solucionado.

Nenhuma das alternativas que eu pensei se aproximava da verdade.

A menina Perpétua confessou. Não foi estupro. Ele deu e até gostou, para um namoradinho esperto. Incriminou o pai por que este havia lhe dado um tapa no rosto pela manhã, em função de uma falta cometida nas lides domésticas.

O beato Anselmo não foi assassinado, morreu de câncer na cabeça. O sangue que vi escorrido em sua face era na verdade os resíduos do referido tumor.

O casaco do soldado Biracy não estava faltando o botão, apenas que ele nunca gostou de abotoar o referido botão naquela posição, para não apertar a barriga.

A máscara, sempre foi usada pelo beato, no carnaval, desde quando ele era ainda jovem.

Como se vê, nem tudo; é o que se apresenta.

E como se explica o botão na mão do beato?

Ah! Nem tudo tem explicação.

(março/1989)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 29/01/2012
Reeditado em 30/01/2012
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