CHUMBO GROSSO - PARTE 2
"Tocaia"
Caminhamos pela noite em direção ao meu kit. Devia ter desconfiado, mas você vai ficando velho e fica também enferrujado. Não percebi na hora mas estavamos sendo seguidos.
Quando entramos no prédio ela quase tomou um capote..
- Seu "castelo" é cheio de fosso..
- Não enche.. Vá tomar um banho enquanto procuro algum remédio pra passar a dor.
Do beliche ouvia suas lamurias, devia estar realmente machucada. Quando saiu do banheiro estava diferente, parecia moça de família. Estava incomodada porque as toalhas eram pequenas, mostrando parte de sua nudez.
- Toma. Usa esse roupão.
- Obrigada...
Como fui boxer e apanhava muito, tinha uma bolsa de primeiros socorros bem servida. Com choradeira e tudo, fiz a assepsia em seu rosto e couro cabeludo que tinha vários cortes. Dei-lhe generosa dose de conhaque, tomou e capotou. Como não havia lugar pra mim, dormi sentado no banheiro mesmo. Acordei às dez com o corpo moído.
- Mesmo sentado você ronca como um porco..
- Tente pensar comigo... Nesta hora você deveria estar confortavelmente deitada em um caixão de lata de alguma funerária...
- Você pega pesado...
- Precisa quando encontra alguém folgado.
- Tem alguma coisa pra comer aí?
- Nada.
- Isto que você chama de casa?!
- Sei que por onde você anda tem comida grátis, aqui não. Se você quiser poderia ir à padaria e matar a Anaconda que está te corroendo.
- É o jeito... Vou me arrumar. Grosso.
- Eu to é me arrependendo de ter arrumado pra minha cabeça.
Enquanto ela se arrumava, comecei a revirar meus achados. Duas belíssimas armas nove mm, e carteiras recheadas que somadas davam mais de vinte mil cruzeiros novos, dariam pra pagar meu salário por vários meses. Tinham documentos da Boate Oasis, eram seguranças da casa. Fiz barba e troquei de roupas. Escondi a documentação e uma arma na clarabóia.
- Eaí? Vai demorar muito? É pra hoje!
- Calma! Já to indo! Pronto..
- Já era sem tempo... .........pelo menos você tem nome?
- Meu nome artístico é Los Angeles, danço e faço Strip pra viver.
- Ah que lindo.. Meu nome "artístico" é "Osasco", zona-leste de São Paulo, sou guarda-noturno como você já viu..
Saímos e quando passamos perto de um carro preto, um cara parado próximo gritou:
- Olha eles aqui!
Gritou e caiu com uma coronhada na cabeça. No corre-corre, conseguimos dobrar a esquina.
- Não consigo mais correr!
- Então vamos morrer, corre! - Puxei-a pelo braço até um caminhão que estava estacionado.
- Sobe na carroceria e deite que vou despistá-los.
Encostei na reentrância do prédio pra poder respirar e vi que haviam dois carros mas parecia que havia um pelotão porque saia cara de todo lado.. "A mina deve ser importante..." Com a respiração normalizada caminhei mais vinte metros e entrei na avenida. Agora o trânsito e os pedestres eram meu disfarce, mas a moça rodaria nas mãos dos bandidos, isto eu não podia evitar, ou poderia?
Aquela moto estacionada com o motoqueiro acendendo o cigarro foi a conta..
- Passa a magrela e corre.
Enquanto o rapaz se desfazia em solicitações, que era muito jovem, que tinha mãe, filho, tio, avó; fiz um cavalo de pau e corri como paladino pra salvar dona "Los Angeles". Não havia mais ninguém na rua. "Será que ela foi pega?" Demorei em achar o caminhão. "Ali!"
Ela ainda estava deitada na carroceria e quase teve um infarto do miocárdio quando eu peguei seu braço.
- Depressa comadre que aqui o bicho pega.
Foi só descer a rua e lá vieram os caras de novo.
- P.Q.P. estes caras não desistem!
Ela chorava e gritava enquanto eles atiravam contra a moto. Dei uma acelerada e me enfiei no trânsito. Mais uma vez conseguimos nos safar.
Dali à pouco já pegavamos a Dutra em direção ao Rio de Janeiro. Não rodamos mais dois quilômetros e vimos um restaurante aberto do outro lado da pista cheio de gente.
- Vamos para ali pra comer alguma coisa. Já estamos seguros.
- Ok. Estou morta de fome.
Continua...
Ôripe Machado