O tribunal

Duas marteladas iniciaram o tribunal. "Ordem", clamou o juiz. O primeiro depoimento veio por parte da vítima, um homem de baixa estatura, gravata verde-musgo em contraste com o plúmbeo terno de cetim, tinha a boca torta como se sempre estivesse com um charuto preso entre os lábios, a face era um tanto enrugada, era quase um senhor. Seu discurso foi longo, carregado de um típico sotaque italiano, falava alto e forte. Cuspiu com ferocidade acusações contra sua amante, alegando uma tentativa de homicídio por envenenamento. Depois de muito esbravejar, seu advogado de defesa prosseguiu com a parte técnica, apontando as provas e as possíveis razões para madame M.C.B. querer o homem morto, dentre elas o interesse pela herança. Os documentos com os exames químicos estavam espalhados pela mesa do juiz, havia inclusive fotos da garrafa do vinho Sang Révolutionnaire ao lado de um béquer com a amostra do líquido. "Um caso praticamente encerrado", pensava o juiz, "temos suspeitos, provas e motivos para a execução do crime." Entretanto era ainda necessário o pronunciamento da ré, uma mulher sensual dotada de um mistério singular, coberta por um sobretudo que acentuava suas curvas e cuja face estava oculta por um largo chapéu acizentado. Ao solicitarem seu depoimento, ela apenas esboçou um sorriso e do sobretudo sacou uma arma, disparando três tiros na vítima. O crime nunca fora um fútil caso de amante, era vingança de máfia contra máfia.