O PORTEIRO

O centro da cidade estava mais agitado do que o normal naquela tarde. Sirene. Buzina. Entrei no bar e pedi uma cerveja.

-Eu vou matar aquela vaca - disse um sujeito sentado numa mesa com propaganda de cerveja e toalha de papel - Minha mulher está me corneando - um desabafo sincero - Vou arrancar a cabeça dela.

Telma chegou logo em seguida, bolsa a tira colo, cabelos desgrenhados, ar de doente, me viu numa mesa ao canto.

-Faz tempo que você está esperando? – perguntou ela.

-Acabei de chegar - respondi.

Puxou uma cadeira e pediu mais uma copo.

-Hoje vamos no serviço dele. Você tem que ver uma coisa - ela disse.

O doutor Mauricio trabalhava num cartório. Estacionamos o carro na esquina com a São João.

-Vejo aqueles idiotas fazendo manifestações contra as touradas mas mesmo assim, continuam comendo cheeseburgueres, estou cheia dessa vida - disse Telma.

O doutor Mauricio saiu com um rapaz do cartório. Joguei o sanduíche pela janela e seguimos os dois. Entraram num predio de apartamentos, ficaram horas lá, depois o rapaz levou o doutor Mauricio para casa.

Telma me deixou numa esquina no centro.

-Naquele outro dia - ela disse - naquele outro dia você falou que iria me ajudar.

-Sim, senhora - respondi.

-Então faça o que você me prometeu.

Uma semana depois. Era para parecer um assalto, mas o doutor Maurício foi logo abrindo a porta, antes mesmo que eu colocasse o gorro na cabeça.

-O que você está fazendo aqui, Crispino? - perguntou ele, olhando a arma na minha mão.

Fazia pouco tempo que eu trabalhava como porteiro naquele prédio e o doutor Maurício era um dos poucos moradores que parava na portaria para conversar comigo. Um dia ele me convidou para tomar uma cerveja, jogamos sinuca e tudo. Telma me contou que ele estava doente, mas ele não tinha cara de quem iria morrer. Telma tinha urgência que eu terminasse o serviço logo. Ela amava o marido. O doutor Maurício já havia entregado o contrato do seguro de vida para o corretor (Telma fizera questão que eu visse os dois juntos) só faltava eu fazer a minha parte.

-Isso é um assalto - empunhei a arma - Se voces não colaborarem eu mato voces dois - eu disse ao doutor Maurício e a Telma, que apareceu logo em seguida, fingindo-se de assustada.

-Você matar alguém, Crispino? Você já matou alguma coisa na sua vida? - ele perguntou.

-Matava passarinho quando criança.

-Passarinho? – o doutor Mauricio ria - Passarinho? - Telma também riu.

Ódio

-É passarinho!

Ódio.

-Hoje mato marido otário!

Dei o primeiro tiro, pegou na perna dele. Telma deu um pulo de susto.

-Não mata o meu marido! - ela gritou.

-Levanta, porra! Morra como homem – pedi.

-Não posso – disse o doutor Maurício.

-Vai ter medo agora, depois de velho?

-Você estourou o meu joelho, porra.

-Desculpe - eu disse.

Telma me ajudou a levantá-lo.

-Desculpe - repeti.

-Tudo bem.

-Você agüenta ficar de pé? - perguntei.

-Vou tentar.

-Não mata ele. Por favor - repetiu Telma.

-Eu vou cumprir com a minha parte do combinado. Não se preocupe - eu disse.

Um tiro certeiro. No peito. Telma ficou de pé, por alguns segundos, grudada na parede, depois caiu morta no chão.

Quase mudei meus planos. Agora o doutor Maurício com o dinheiro do seguro, poderia fazer o tratamento médico que necessitava. Era o que Telma queria.

F Mendes
Enviado por F Mendes em 16/12/2011
Código do texto: T3392010
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