Anonimato

Noite fria de inverno. 01:45 da madrugada. 14 de julho de 2011. Estou saindo de um show de uma banda muito famosa, em homenagem ao dia mundial do rock, caminhando junto da multidão que prestigiou o evento.

O show foi muito bom. Os caras arrebentaram. Foi ainda melhor por que consegui entrar sem pagar e fiquei em um camarote vip com open bar, graças à influência de um cliente antigo de meus serviços que era o responsável pela segurança do evento.

Cantei, dancei, tentei dar umas "azaradas" no mulherio, no entanto, fui chamado de "tio" tantas vezes que acabei desistindo e fiquei apenas curtindo o show.

O caminho até o estacionamento é longo. Quase dois quilômetros. Estratégia usada pelos organizadores para evitar tumultos e engarrafamentos desnecessários, melhor assim.

Gosto do burburinho das pessoas, e da sensação de ser apenas mais um. E isso é fundamental na minha profissão, quanto menos chamar a atenção melhor.

Estou com uma calça jeans, camisa preta com a foto da banda, uma jaqueta jeans surrada por cima, um par de tênis velhos, sujos e confortáveis, e um boné branco virado para traz. Quem olhasse de longe não me daria mais que 25 anos, camuflado como estava no meio daqueles garotos e garotas.

Aqui e acolá se via uns coroas como eu, porém, nenhum deles estava tão à vontade.

Durante a caminhada, apesar do zunzunzum, consegui levar meus pensamentos para longe, bem longe dali. De quando em quando, para não perder a direção, mirava um gorro preto que estava a poucos passos a minha frente, e que eu sabia que iria na direção do meu carro.

Minha vida estava uma merda. Flagrei minha mulher entrando no motel com um garotão, da idade de nossa filha, e estamos separados há dois meses.

A Cecília, minha ex, tem uma agência de Marketing, que começou a decolar e arrumar contratos realmente valiosos, tudo isso devido, principalmente, ao dito garotão, que é visto como um novo gênio da propaganda. Eu detesto propaganda, e agora muito mais.

Foi muito doloroso na hora, não esperava e tão pouco desconfiava de alguma coisa. No dia que a peguei eu tinha ido até a agência sem avisar, tentando fazer uma surpresa, e eu é que fui surpreendido.

Quando eu estava descendo do carro, Cecília estava saindo da agência, conversando muito alegremente e dando sorrisos e trocando olhares com o rapaz que me recordaram nossa época de namoro, um incômodo tomou conta de meu estômago e senti que meu rosto enrubescia, resolvi não me revelar e os segui, e o resto vocês já sabem.

Estão sendo tempos difíceis. Tempo de reavaliar a vida e pensar o que levou a Cecília a me trair. Dor de corno é foda. Depois de muito pensar, cheguei à conclusão que o meu emprego era o principal motivo gerador desse fato. Tenho que viajar muito, sem poder dizer para onde, o que faz com que eu minta assiduamente. Mentiras que ela fingia engolir.

Ela nunca entendeu qual era realmente meu serviço e fazia vistas grossas em virtude do nosso amor. Por motivos de segurança, dela, Cecília, e de Sofia, nossa filha, o meu verdadeiro trabalho é segredo absoluto.

Minha carteira é assinada como representante de vendas de uma grande marca de eletrodomésticos, o que justifica minhas costumeiras viagens.

Estou morando com minha filha e meu genro, no apartamento que eu os presenteei. A minha condição financeira também gera desconfianças e algumas fofocas por parte da família de Cecília. Eles sempre dizem que eu ganho muito bem para um representante de vendas.

Excetuando-se os momentos de discussão sobre o que eu realmente fazia, tivemos muitos momentos felizes e agradáveis e eu continuava apaixonado com a mesma intensidade de quando nos casamos.

Estou passando por maus bocados, e por isso vim para o show tentar me distrair, antes do serviço que iria realizar.

O serviço de hoje não era encomendado por nenhum cliente. Era para meu bel-prazer.

O estacionamento estava perto. Aproximo-me do gorro preto. Tiro uma pistola com silenciador de dentro do casaco jeans, encosto nas costas do garotão gênio da propaganda e dou três tiros. Guardo a arma, e me afasto rapidamente para o outro lado, deixando o corpo que caia a mercê dos gritos desesperados dos outros transeuntes.

Eu sou um matador de aluguel, e como já disse, odeio propaganda. Gosto mesmo é do anonimato.