"A Última  Pinga."

 
           Naquela época estava em franca decadência. Estava solteiro, a mulher tinha voltado para casa dos pais. Meu carro estava com busca e apreensão por falta de pagamento e para fechar com chave de ouro, o dono da oficina que eu trabalhava, havia me dispensado, não sem antes me recitar o sermão da montanha, dizendo ser eu ótimo mecânico porém não podia contar comigo e no condicional, se eu melhorasse, poderia até ter meu emprego de volta. Abandonei minha casa e passei a morar no meu carro que virou uma caixa de lixo. Passei por todas as cidades do Rio desde... A...
Nesta tarde, entrei numa padaria para com alguns trocados tomar pinga. Embora tivesse vinte e seis anos, parecia ter cinqüenta, barbudo, cabeludo, e roupas sujas. Aguardando a vez, porque nesse estado você só é atendido por último. Percebi ao meu lado uma função. Dois elementos mal-encarados mexiam em armas e se preparavam, achei que fosse um assalto, nem tomei a pinga, fui para a porta e antes de sair os dois me empurraram ao lado e tomaram de assalto na minha frente um belo carro que acabava de estacionar. Uma morena lindíssima foi colocada ao meio, enquanto um assumia o volante, outro dava a volta entrando pelo lado do passageiro. Por uma fração de segundos nossos olhos se cruzaram, e no desespero ela pediu socorro. O carro arrancou saindo dali peguei meu carro e comecei a segui-los, mantendo distancia segura. De repente o carro entrou em um desmanche e desapareceu. Fiquei parado sem ter o que fazer, estacionei e fui dar uma curingada.
Pelo buraco da cerca vi que eles a tiravam do carro, levando-a para um escritório nos fundos do desmanche. Após alguns minutos saíram, pegaram o carro e foram embora. Afastei algumas folhas de zinco e entrei. Ao chegar ao escritório vi que a moça estava amarrada em uma cadeira. Ao me ver tentava se soltar, além de dificultar não tinha nada para cortar as cordas e só conseguiria desamarrar se ela colaborasse. Após muito esforço consegui e falei:
- Vamos sair daqui pois aqueles malas não vão gostar nadinha da minha invertenção. Vamos rápido para a delegacia!
Ela quase gritou:
- Não tenho que ligar para casa!
- Tudo bem liga então.
Ela ligou, depois de algum tempo falou:
- Meu pai quer falar com você.
Atendi, o pai dela que pelo visto era uma pessoa acostumada a dar ordens, começou a falar: "Faz isto, faz aquilo!"
- Pêra aí, quem você pensa que é?! Vi sua filha ou sei lá quem, sendo seqüestrada, ela me pediu ajuda, ajudei e agora vou embora, se vira irmão! - e desliguei o telefone. A moça começou a chorar:
- Por favor o senhor não vai me deixar aqui sozinha, eu vou morrer!
- Então ta, entra no carro.
Ela entrou e saímos rapidamente dali. Próximo havia uma casa de veraneio que eu fazia manutenção dos carros e barcos. Fui direto para lá. Pouco antes de chegar ouvi o barulho de freios. Havia dois carros nos perseguindo, deram à volta e vieram atrás em alta velocidade.
- Seu pai não é?
- Não, no primeiro carro está um dos seqüestradores e no outro carro está um homem que trabalha para meu pai.
Eles dirigiam bem, mas eu estava sóbrio e era bom de braço, rapidamente dei um perdido neles e fui para o sítio. Passei uns duzentos metros, abandonamos o carro e voltamos a pé.
Passamos por algumas casinhas de veraneio e de longe vi os carros pararem na praia. Chegando ao grande portão da casa, procurei a chave na floreira e lá estava ela. Abri o portão e entramos. Assim que fechei o portão, ouvi o barulho e vi os dois carros passando em frente. Logo após voltou o silencio, parecia que tinham ido embora. Na casa não tinha muita coisa, mas achamos frios, pão e refrigerante. Fazia horas que eu não tomava nada de álcool e não estava fazendo falta.
- Bom doutora vamos por os pingos nos iiis? Quem é você?
- Meu nome é Constance.
- E porque eu tenho que me expor a essa raça brava? Não sou Zorro, nem Robin Hood sei lá.
- Você parece muito alguém que mora na floresta numa boa sem ofensa ta?
A resposta veio na ponta da língua, pois não sou de deixar nada barato, mas dei uma sonora gargalhada.
- Meu pai é um bicheiro e é o mais forte da baixada fluminense, pelo jeito foi traído pelo seu braço direito, seu homem de confiança.
- Bem acho que vou tomar um banho porque quero fazer uma segunda apresentação a você ta? - Ao lado da piscina tinha banheiro com roupa de banho, o pessoal da casa era da alta. Falei para ela - Não faça a burrice de ligar o telefone, na ultima vez demorou cinco minutos para chegarem. Agora não vai demorar nadinha. Depois a gente dá um jeito e você liga de novo para seu pai. Só não podemos ligar daqui, pois pode ser que tenhamos de ficar aqui por algum tempo, quero dizer até que seu pai leve você para casa. Meu nome é Roberto e também estou sendo seguido, mas é pelos credores acho que devo até para seu pai. - rimos e fui para o banho. Tomei um banho em regra, fiz a barba que escanhoei duas vezes, parecia um jovenzinho de vinte anos. Escovei os dentes enxagüei a boca com dentine, enfim fiquei muito gato.
Quando Constance me viu falou:
- Desculpe Roberto, mas você parece outra pessoa, não o reconheci depois do banho.
Havia pegado no banheiro um bermudão que me deixavam mais boy ainda.
- Agora você, tome um banho e espero que você não vire um sapo agora né?
Ela riu, começava a gostar daquela menina moça que não tinha diferença de classe comigo só que ela era a rainha e eu o plebeu. Quando ela saiu do banheiro, havia colocado uma micro saia ou saída de banho sei lá, mas estava demais.
- Constance, por favor, se tranque no banheiro até seu pai chegar porque não me responsabilizo por nada. Daqui a pouco o seqüestrador serei eu.
Ela sorriu e mostrou que realmente era uma linda mulher.
- Temos um bugre na casa e da outra vez enquanto consertava o barco vi umas mulheres com peruca. Quem sabe se acharmos você pode se disfarçar, eu me disfarçarei de doutor ta?
- Realmente você é um gato Roberto.
Saímos de madrugada e fomos à praça usar o telefone publico, ao chegar lá falei:
- Sujou! Finja que não viu, mas naquele canto da praça é um dos homens do seqüestro, que fazer Roberto?
- Vamos sair daqui, e usar o telefone de outro lugar.
Rodamos uns vinte minutos aí falei
- Aquela casa está vazia, entramos nela e usamos o telefone.
Forcei a porta e já na sala tinha um telefone e ela falou com seu pai. Em seguida disse:
- Ele quer falar com você.
Agora com voz branda disse:
- Preciso de você, Constance é minha única filha, este cara que trabalhava comigo me traiu e como iria ser pego resolveu me aprontar, me ajuda Roberto? Serei muito grato a você.
- Ajuda-lo até poderia, mas como? Não tenho arma, e pelo que vi aqueles caras estão todos cobertos.
- Olha Roberto estou mandando para aí meu pessoal para dar uma lição nestes camaradas e salvar minha filha. Se esconda que rapidamente darei um jeito na situação você será bem recompensado.
Fizemos outro lanche e saímos dali com o bugre, pois meu carro estava queimado, eles já haviam visto e nos perseguido nele. Assim que pegamos à rodovia percebi que os caras haviam desconfiado, embora Constance tivesse de peruca. Com o bugre não conseguia correr embora pudesse fazer manobras que eles nunca conseguissem nos apanhar, mas e as armas? Desviando pelas estradas secundárias, para evitar uma abordagem funesta, conseguimos chegar próximo a casa dela. Bem aquilo poderia ser tudo, menos casa, parecia um castelo medieval, com fosso e tudo. Seu pai escoltado por dez mastins, ou gladiadores, ou capeta sei lá, o homem estava coberto. Ela desceu correndo, abraçou o pai, e por pouco não fiquei sozinho na rua. Sozinho não, pois fui agarrado e conduzido sem sequer pisar no chão até a presença de sua majestade o rei do bicho.
- Rapaz você foi mal educado comigo, mas salvou minha filha, estou em débito com você. Em que poderia ajudá-lo ou retribuir o que me fez?
- Nada, o senhor não tem nada que eu quisesse.
- Você é orgulhoso, mas então tome um café, um lanche conosco.
Meio arrastado, fui conduzido a um enorme salão. Encostados na parede tinham pelo menos dez homens e pelo volume sob o paletó, estariam todos armados. O pai da garota falou:
- Ainda não consegui pegar os caras que me aprontaram, mas isto será em breve.
Enquanto ele falava Constance voltou. Linda ela sempre foi, mas estava maravilhosa. Sentamo-nos à mesa e foi-nos servido um banquete que igual, eu nunca havia comido. Tinha um carrinho cheio de bebidas, mas para não me diminuir, a custo não aceitei.
Comecei fazer manutenção dos carros da família, porém não deixavam nada para eu fazer. Eu apenas levava os carros na concessionária autorizada e trazia de volta, ao invés de mecânico, virei motorista. Todas as vezes que me aproximava de um grupo o assunto era cortado na hora, não era maltratado, mas não pertencia ao time. Após dois meses de serviço e sem ver Constance, já pensava em ir embora dali quando seu pai me chamou no escritório.
- Roberto você não falou nada e não coloquei você na folha de pagamento do pessoal. Vamos fazer o seguinte, vou dar vinte mil pelos dois meses que se passaram e a partir de hoje ganha dez mil, mais comissão como os demais embora não trabalhe na área.
Falei:
- Sr. Jorge vou aceitar cinco mil, pois estou sem roupas e o senhor me paga três mil que o preço justo de mecânico que ganho normalmente.
- Roberto não quero te comprar, sei que você é um rapaz honesto, então façamos assim vou te registrar em uma de minhas empresas.
- Ta bom Sr. Jorge. - Mas na minha idéia eu queria mesmo era ir embora dali.
Outro dia veio um senhor careca disse que era contador e me fez assinar um contrato de trabalho como gerente de um posto de gasolina. O senhor continuará trabalhando aqui, mas receberá pelo escritório central. Constance veio falar comigo, era de tardezinha, eu estava testando um carro novo.
- Oi Roberto tudo bem? - Ela estava mais linda ainda se é que poderia ficar.
- Você desapareceu.
- Meu pai me mandou para uma fazenda no Mato Grosso, senti sua falta. Não quis falar para meu pai, mas acho que tem gente me seguindo e não é pessoal nosso. Saí do cabeleireiro e percebi um carro preto atrás me seguiram até próximo de casa depois foi embora, acho que é coisa de minha cabeça né?
- Talvez encosta seu carro ali, quero ver uma coisa.
Ela encostou seu carro numa rampa e eu deitei embaixo dele. Não precisou olhar muito e descobri conectado ao motor, um bip sinalizador tipo GPS.
- Constance, você vai sofrer outro atentado, preciso avisar seu pai.
- Meu pai vai me prender de novo, não fale nada.
- Desculpe mas vou falar, não adianta pedir.
- Então vou com você.
Falei para o pai dela:
- Seus inimigos não estão conseguindo nada e parece que vão atacar novamente.
Mostrei o Bip para ele e disse seria melhor colocar de novo no carro e mandar escoltar.
- Roberto você poderia dirigir para ela este carro novo, ninguém o conhece e não tiveram tempo ainda de colocar escuta nele.
- Vou mandar um pessoal com o carro dela e tentar pegar estes seqüestradores esta bem. À tarde.
Constance me procurou:
- Roberto vamos sair?
- Falou com seu pai?
- Não precisamos disso. Ele autorizando ou não saio à hora que eu quiser, só temos que sair juntos. Por que? Você não quer? Vamos mudar de assunto e vamos embora. Vamos sair por aí jantar, dançar, sei lá.
O Sr. Jorge me chamou no escritório:
- Roberto arrumei para você esta arma, tem documento tudo certinho e é da empresa que você gerencia, não tem problema ta?
- Ta bom já tive arma e sei atirar. Não sou um Billi The Kid, mas sei dar uns tirinhos.
Saímos após rodar uma hora ela pediu para parar numa pousada.
- Alguém te conhece aí?
- Nunca vim aqui.
- Então ta.
Alugamos um chalé, encostei o carro de ré e não deixei tirar as malas.
- Vamos tirar pouquíssimas coisas, pois se tivermos que fugir, não vamos perder tempo. Coloquei a arma uma nove mm, sob uma almofada no pequeno sofá da saleta. Pedimos o jantar que foi servido ali mesmo, a moça que nos serviu me deu tremenda bola. Modéstia parte eu estava com o corpo sarado, pois só fazia era malhar o dia inteiro. Constance demonstrou imediatamente que não havia gostado. Perguntei:
- O que houve?
- Esta sirigaita não vê que você esta acompanhado?
- Constance você me deixa feliz e preocupado. Feliz por saber disto, preocupado porque seu pai vai me matar.
- Mata nada! Ele gosta muito de você.
- Sabe, mesmo sabendo das trapalhadas dele eu aprendi a admirá-lo.
- Você não mexeu no vinho vamos fazer um brinde.
- Não Constance, jurei parar e estou cuidando de sua segurança. Tomo água mesmo.
- Mas eu vou beber. - E tomou algumas taças. Quando me chamou para dançar o bicho pegou. Pus para fora todo excitação que sentia por ela que retribuiu in totum. Já de madrugada, ela dormiu em meus braços. Eu estava muito feliz para dormir. Ouvi que forçavam a porta. Peguei a arma rapidamente na saleta, uma pequena frasqueira que ela carregava e levei tudo para a lavanderia. Voltei para o quarto e para não perder tempo em explicações, apenas peguei-a no colo e tapei sua boca com um beijo e sai dali. Da lavanderia havia uma pequena mureta atrás da qual o carro estava estacionado. Abri o carro acomodando-a no banco traseiro, quando ia entrar na frente ouvi o barulho de gente se aproximando. Não sabendo que já estava no carro passaram os dois enormes canzarrões ao meu lado. Saquei a arma e dei uma enorme coronhada no primeiro, com muita sorte consegui também nocautear o segundo. Saí com o carro devagarinho, só acelerando quando já estava na avenida. Ela apavorada já completamente lúcida, gritava:
- Que está acontecendo Roberto fomos atacados outra vez?
- Sim fomos e a informação partiu de dentro de sua casa.
Rodei rapidamente uns sessenta quilômetros em sentido contrário daquele que normalmente faríamos.
- Constance seu pai tem telefone celular?
- Não, vamos ligar para casa.
- Não, seu telefone está grampeado vamos ficar no carro e de manhã faremos contato.
- Meu pai não está preocupado, pois sabe que estamos juntos e ligaríamos se houvesse problemas. Como faremos para falar com ele?
- Todo dia ele vai ao cemitério e vai sozinho. Se quiserem pega-lo vai ser lá.
Chegamos ao cemitério ainda estava escuro, deixamos o carro escondido. Constance agarrava em mim como carrapato, atrapalhando meus movimentos, mas estava gostoso. Entramos no cemitério e ela apontou para o local onde sua mãe estava enterrada. Era uma bela construção, em forma de uma enorme igreja.
- Vamos ficar atentos, pois como não conseguiram pegá-la, vão pegar seu pai. Aposto que será aqui.
No escuro vimos um vulto que se aproximava da cripta, e postou-se perto de outra construção e de uma enorme sacola tirou uma arma longa com luneta preparando-se para balear o Sr. Jorge quando estivesse rezando. Fui por trás dele e o surpreendi com coronhadas colocando-o a nocaute. Amarrei-o fortemente e levei até a igreja colocando-o deitado próximo a cripta. O dia já havia amanhecido quando o Sr. Jorge chegou. Ao entrar na igreja ficou atônito, rapidamente Constance explicou o que havia acontecido e que todos os funcionários haviam traído sua confiança.
- Meu pessoal que aguarda no carro é de confiança.
- Não Sr. Jorge não podemos confiar.
O atirador acordou e eu piscando para o Sr. Jorge falei:
- Este cara parece ser durão então é bobagem perguntar para ele. Vou zerá-lo e pronto. Vamos dar uma chance, só uma.
- Ta bom tomara que ele não fale.
Nunca vi tamanha colaboração, realmente no carro não havia traidor, mas na casa a maioria já estava comprada. Seu antigo braço direito estava preparando para tomar seu lugar. Fomos com seus seguranças de confiança pegando todos, a maioria reagia, pois sabiam que não haveria perdão. Descobrimos depois que todos estavam a mando de seu braço direito. Mas até ele estava na mão de outro concorrente super forte que tinha dominado quase todo estado do Rio. Aí seria uma luta de gigantes e nós não podíamos intervir. Ele nos despachou para sua fazenda em Mato Grosso, enquanto acertava a casa. Na fazenda a nossa vida era namorar, namorar, namorar. Constance me falou
- Roberto, temos um probleminha. Aquele dia no chalé, eu não me preveni e aconteceu. Estou grávida.
- Constance eu te amo de paixão, mas sou pobre. Que futuro você teria comigo?
- Eu tenho dinheiro, minha mãe deixou várias casas para mim que estão alugadas, fora a mesada que papai deposita todo mês para meu futuro. Só precisamos administrar, vou montar uma pousada ou hotel você quem sabe.
- Você tem seu dinheiro, mas vou trabalhar, vou montar minha oficina e ganharei para nós dois, vou falar com seu pai.
Recebemos a notícia que tudo estava normalizado e passamos a noticia da chegada do netinho, que o Sr. Jorge recebeu com prazer. A festa do casamento foi gigantesca e recebemos de presente dinheiro suficiente para dar-mos inicio a uma concessionária e um hotel que administro até hoje. Meu sogro aposentou e foi para Europa com nova esposa vindo apenas uma vez ao ano para visitar os netos que já são três. Constance está mais linda do que nunca e meu amor por ela maior ainda. Nossos filhos são dois meninos e uma menina, que é tão linda como a mãe os meninos se parecem comigo, são fortes, mas bonitos também. Tudo teria dado errado até aquele dia em que tomei minha última pinga e conheci a mulher de minha vida.

 
ÔripeMachado
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 07/11/2011
Reeditado em 30/11/2011
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