Hey, Silmara!

Mãos na cabeça, vagabundo!

Foi o que escutei andando tranquilamente pelas imediações da praça vinte e nove de março.

Claro que era a polícia. Os “ratos”. Os “porcos”. Os “tiras”. Os “homens”. Os “samangos”. A “justa”. Bando de funcionários público de quinto escalão, vestidos de farda, mal preparados, mal treinados, mal conduzidos, mal remunerados e de arma na mão. De grosso calibre, amigo. E agora eu era a vítima de uma abordagem. A cuca estava cheia de erva, mas flagrante que é bom não estava em cima. Maluco mancão é sempre o primeiro que dança e leva a pior. Que dúvida. Como rezava o velho adágio popular: “jacaré dormiu no ponto, virou bolsa de madame”. Aqui ó que vou dar mole para o azar. Desde os doze anos de idade levando corridão de policia, tomando geral, levando achaque. Eu tinha dado meu pega em casa. De um haxixe do melhor. Minha intenção era apenas beber uns tragos e escutar um blues naquele bar inglês que tinha aberto bem pertinho do meu apartamento. Quem sabe forçar a mão mais um pouco e tentar ganhar a Silmara no grito de novo?

Ah, linda e doce Silmara. Vinte e dois aninhos de puro delírio. Alta. Esguia. Com um belo sorriso. Tímida, porém quando começava a confiar um pouco em você tinha uma bela conversa e não era deslumbrada. Olhos castanhos expressivos, uma boca carnuda e sensual, longos e quentes dedos. Só tinha um defeito e grave. Era arisca. Eu iria tentar de novo. E de novo e de novo. Até que ela concordasse em passar a noite debaixo dos lençóis comigo. Não desisto da conquista quando ela me interessa. E só começo a me desinteressar depois que já conquistei. E não é que esses milicianos burros e grossos resolveram estragar meus planos. Nada de comprometedor comigo. Talvez apenas o cheiro nas roupas e nos cabelos castanhos que já começavam a ficar grisalhos. Não estava com medo. Apenas surpreso pela abordagem repentina. Já estava fora da viatura e dois ou três estavam de revolver um punho apontando para mim. Merda. Fiz o que eles mandaram porque eu não sou besta.

-Cadê? Cadê? Cadê? Perguntava o baixinho que revirava meus bolsos dianteiros dos jeans e me mandava esvazia-los e colocar meus pertences sobre um muro baixo. Carteira de cigarros, minhas chaves, meu mini isqueiro alaranjado, uma embalagem de dropes de eucalipto pela metade um mais um tablete de cliché, meu tocador de mp3, meu telefone celular. Continuava virando meus bolsos enquanto outro verificava minha cintura e mandava levantar a camisa e tirar o casaco de couro. – Cadê? Cadê? Cadê? Continuava a me inquirir aquele filho da puta que não deveria ter vinte e quatro anos. Outro apenas parado do meu lado me fitando e tentando fazer cara de mau. Mais um alienado na terra do perdidos. Esses caras iriam se estrepar. – Cadê a maconha, vagabundo? Insistiu mais uma vez.

-Já fumei, senhor. Estou chapado, mas não tenho bagulho comigo. Falei usando grande parte do meu sangue de barata.

Foi meu golpe. Isso os faz estacar. As mãos continuavam grudadas na cabeça. Sentia os olhares das pessoas das janelas dos seus apartamentos. Se existir situação mais humilhante, por favor, que alguém me escreva. Ponto para mim. Agora eu estava em vantagem.

-Documento. Um deles me disse secamente tentando colocar autoridade na voz. Passei a minha carteira que estava no bolso traseiro esquerdo dos meus jeans surrados e rasgados no joelho. Claro que eu poderia ser abordado a qualquer momento. No Brasil se você veste jeans rasgados, um casado preto, tem tatuagens, ou usa algo pendurado em suas orelhas e seu cabelo já passou de certo cumprimento é alvo fácil para esses desgraçados. Resquícios da ditadura militar, meu camarada. E eu não vou estar vivo para presenciar nenhuma mudança significativa nesse sentido. Pode crer. Tinha quatrocentos e cinquenta pratas dentro da minha carteira. Eu iria ser roubado no sentido extenso da palavra. Encostado por cinco filhos da puta a soldo estatal. Eles iriam se esbaldar a grana do otário aqui. Percebi pelo rabo do olho o policializinho verificando minha identidade e minha carteira de imprensa. Ah, Silmara. Se eu me safar dessa hoje é seu grande dia. Vou chegar em você com apetite redobrado. Ah, se vou.

Foi aí que o caldo desandou. Um policial negro enorme veio ao meu lado. Ficou me encarando e me analisando. Tinha cerca de cento e vinte quilos e cerca de um metro e noventa e dois de puro músculo. Ficou me secando por uma dois minutos. Vi o seu parceiro remexendo e meu dinheiro e eu pensado que tinha realmente me fodido. Lá vai minha grana do mês. Iria ter que rebolar e fazer vários frilas, horas extras, e vender muitos livros para sair desse prejuízo. Porra, você trabalha o mês inteiro naquela redação insana para vir um bando de PMs escrotos e lhe assaltarem porque acharam que você queima um fuminho. Merda, de novo. Silmara, se eu me livrar dessa estou chegando. O negro resolveu abrir a boca:

-Te conheço de algum lugar, cabeludo. Afirmou categoricamente.

Desci a mão da cabeça. Encarei-o, olhando profundamente dentro dos seus olhos, tomei fôlego e mandei à queima roupa. - Me conhece? De onde você me conhece? Olha, seu colega está verificando meus documentos e se você quiser chegar eu posso lhe garantir que nunca foi detido e muito menos tenho passagem. Sou jornalista, oficial ( esse “oficial” fui pura ironia ). “Escrevo para um jornal de renome da cidade. Mas eu gostaria realmente que o senhor me dissesse de onde me conhece. Porque eu realmente não sou acostumado a ser abordado dessa forma. Tenho formação universitária. Nunca tinha sido abordado antes.” Claro que era uma lorota deslavada, mas era meu xeque. Nesse plano de expiação e dor ou você reverte a situação ao seu favor ou fica choramingando pelos cantos e sentindo pena de si mesmo, ou enlouquece de vez um vira mais um bosta qualquer. Percebi o rubor tomando conta da face do policial negro enquanto eu falava. E insisti mais uma ou duas vezes dizendo que eu era um excelente fisionomista e que em minha profissão isso era fundamental e lhe disse realmente não nos conhecíamos. O negro abaixou sua cabeça, completamente derrotado. Seus companheiros agora abafavam os risos com as mãos. Silmara, hoje é seu dia. Silmara, hoje vou beber e te levar para a cama te fazer a mulher mais feliz de Curitiba. Silmara, hoje você não vai fazer beicinho. O cara que estava com a minha carteira me devolveu e disse que havia sido um mal entendido e que eu estava liberado. Me pediu desculpas em nome da corporação. Abri a carteira e conferi as cédulas. Estava tudo lá. Joguei bem. Sou um bom jogador. Se não o fosse já estaria debaixo da terra há vinte e tantos anos. Eles começaram a entrar na viatura e eu comecei a caminhar. Escutei os outros tirando a maior onda do Negro que afirmou que me conhecia.

-Aí, ô zé mané! Foi alugar o cabeludo? Se fudeu, otário. Dizia um.

-O cara é jornalista, babaca! Quer sair na primeira página? Vai lá tirar farinha com o cabeludo, vai, mané! Exclamava outro.

Eu andava e continha o riso. Acendi um cigarro. Dei uma baforada. Quando me senti seguro senti no meio fio e não contive o riso. Gargalhava com as mãos agarradas na barriga. Minha gargalhada saia do meu âmago. Gargalhava e gargalhava.

Silmara, hoje é sua noite.

Pode crer.

Curitiba, 1º de novembro de 2011, 10 graus celsuis, Primavera.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 01/11/2011
Código do texto: T3311463
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