Contos De Uma Cidade Caída
Capítulo Dois
Saldo Insuficiente
Às vezes eu me pego pensando que droga de vida é essa que vivemos? Passamos a nossa vida inteira trabalhando como obedientes formigas operárias, todos os nossos sonhos dependem de nossa capacidade de ganhar dinheiro, todos sonham com um bom emprego, e é esse emprego quem vai determinar todo nosso futuro, se vamos ter uma linda esposa, se vamos ter uma boa casa, e se os nossos filhos vão ser todos lindos e inteligentes.
E é sempre que estou na fila do banco que eu penso que eu não tenho nada disso, trabalho feito um escravo num ferro velho, tenho uma esposa que me não tem um pingo de respeito por mim, um chefe que me trata feito lixo e uma enteada que mais parece uma prostituta. Saldo insuficiente, todas as vezes que chego na boca desse caixa é isso que eu vejo! Eu não deveria estar reclamando da minha sorte, afinal de contas, eu sou o único responsável pela minha sorte, e só eu posso mudar a minha sorte.
Preciso falar com o meu chefe hoje, já faz dois meses que meu salário está atrasado, tenho ficado quieto na minha porque não tenho outra saída se não trabalhar no ferro velho.
Já são quase oito horas da manha, se eu chegar um minuto atrasado meu chefe vai infernizar minha vida o resto do dia, além de descontar o atraso no meu imaginário pagamento. Droga, por mais que eu tivesse corrido ainda cheguei dez minutos atrasados, tomara que meu chefe não tenha me visto.
Perto das dez da manha, minha enteada chega ao ferro velho com a cara toda quebrada de pancada, aposto que foi algum novo namorado que ela arranjou, ela é uma boa garota, pena que seja uma puta!
Pergunto a ela o que aconteceu, ela então começa a me contar uma história que gelou minha alma ferveu meu sangue e rasgou o meu cérebro como uma faca deslizando sobre um tecido de algodão.
Pego um par de luvas, e uma chave inglesa e parto para minha casa, ao sair minha enteada pergunta aonde eu vou, e eu respondo:
- Parece que nossa casa precisa de alguns reparos e quem melhor que um mecânico de ferro velho para concertar coisas?
Quem melhor? Foi então que eu descobri que não é o emprego que você tem, nem o quanto você se mata de trabalhar que te faz feliz, mas sim o que você é. E é isso que eu sou, um mecânico de ferro velho, e está na hora de consertar a minha vida.
Ao chegar na casa vejo um carro parado em frente de minha casa, eu conheço esse carro, eu conheço o dono desse carro, que bom que o dono dele ainda está em minha casa!
Entro casa adentro, e escuto barulhos de duas pessoas dentro do quarto, me aproximo com cautela, a explosão de raiva que eu sentia a poucos minutos deu lugar a uma calma profunda, a cada passo que eu dava em direção ao quarto, mais calmo eu me sentia, abro a porta do quarto o casal está enroscado um no outro pelado, fazendo sexo como eu nunca vi ninguém fazendo igual. Então vejo em minha frente meu chefe e minha esposa fodendo literalmente com a minha vida. Fico pensando a quanto tempo eu tenho servido de escravo para esses dois, o quanto eles já riram da minha cara, me achando o maior otário dessa merda de cidade.
O frenesi entre os dois era tão grande que não perceberam a minha presença dentro do ninho de amor deles, foi quando eu peguei a chave inglesa e bati na cabeça do safado, a traidora olha atônita sem entender o que está acontecendo, não a culpo, antes de atingir a cabeça do amante ela estava revirando os olhos quase chegando ao orgasmo e de uma hora pra outra o camarada para... Uma gozada mal dada pode ser frustrante e mortal.
Ao perceber a minha presença no quarto ela não baixa a guarda e me enfrenta com todos os tipos de pragas e insultos, nem mesmo diante da morte ela se sente ameaçada por mim. Como isso é bom! Sem nenhum remorso eu quebro todos os ossos do corpo dela, então percebo que meu braço está cansado e dormente, quantas vezes eu a golpeie?
Pelo visto não foi o suficiente para matá-la, olho para o chão e vejo que o puto do meu chefe ainda está respirando, eu não sinto nem um tipo de culpa, deveria me sentir culpado? Porque me sinto mais leve? Na verdade eu me sinto bem, eu me sinto livre!
Vasculho os bolsos da calça do meu ex-chefe, e encontro uma chave será de um cofre, será que o veado tem grana guardada em algum lugar?
Antes de sair corto a mangueira do gás, e deixo uma lâmpada acesa, logo o fogo vai fazer o trabalho dele e eu vou sair ileso dessa.
Saio de casa, percebo que eu não fui notado, é como se eu fosse invisível para todos nessa cidade, talvez aqueles dois não me viram chegar porque sou tão insignificante que ninguém me nota. Talvez não tenha nada a ver com a foda que os dois estavam tendo. Boom! A casa foi pelos ares e eu vejo alguns gatos pingados parando para ver o fogo, ninguém tenta ajudar, horas depois é que aparecem os bombeiros e a polícia, nem tinha mais fogo para apagar.
A polícia dessa cidade é tão corrupta e mal paga que todas as investigações são resolvidas em questão de minutos, se um corpo é achado na água é afogamento, se cai de um prédio é suicídio, nesse caso, o casal de pombinhos esqueceu o gás ligado enquanto dava umazinha.
Volto para o ferro velho, e com a chave que encontrei no bolso do meu ex-chefe vasculho aquele maldito ferro velho, e não encontro nada foi então que eu me lembrei que ao lado do ferro velho existia um galpão que pertencia a ele, era onde ele passa as noites. O muquirana era tão pão duro que preferia dormir no lixo a pagar um lugar decente para morar.
Abro o velho galpão e vejo um lugar totalmente desorganizado e cheio de poeira, uma cama de solteiro que mais parecia um chiqueiro, ao fundo tem algo que me chama a atenção, um carro coberto com uma lona.
Tiro a lona de cima do carro e vejo algo que não condiz com aquele lixo, não condiz com aquele ferro velho e muito menos com o meu ex-chefe. Era um Dodger Charger 1969, o carro mais lindo que eu já tinha visto na minha vida.
É difícil resistir aos encantos desse carro, entro nele, os bancos de couro eram impecáveis, painel original, aquela maquina parecia um Tiger pronto para correr, curiosamente abro o porta luvas para ver o que tinha dentro e... Bingo! Estava lá, toda grana que o safado roubou de mim, e muito mais, havia muita grana naquele porta luvas, dinheiro suficiente para eu me mandar dessa cidade e por um bom tempo nunca mais ouvir a frase “Saldo insuficiente”.
Volto para o ferro velho e a minha enteada ainda estava lá, deitada com a cara toda arrebentada, foi ela quem descobriu a armação dos dois, ela me contou que o plano dos pombinhos era pegar o carro e a grana e sumir no mundo,quem diria que eu ficaria com tudo e eles nada.
A minha enteada já soube de tudo através dos jornais sensacionalistas da cidade, ela não me parecia triste, ela me parecia... Aliviada. Não me faz nenhum tipo de pergunta, apenas me abraça! Não o tipo de abraço fraternal, mas um abraço caloroso que me fez sentir minhas bolas como há muito tempo eu não sentia.
Entro no carro, o ronco do motor é a coisa mais bonita que eu escuto em anos, olho para a guria, ela me pergunta para onde eu vou... Para onde eu vou? Boa pergunta, nem eu sei para onde eu vou. Isso é bom!
Ela me pergunta se pode ir comigo, porque não? A graça de se tomar as rédeas da sua vida é fazer sua própria sorte, eu não tenho não tenho mais medo de falhar, afinal de contas eu sou um maldito mecânico de ferro velho, e sou bom em consertar coisas.
Por Jack Knoxville.