Crônica Suja da Cidade de Curitiba

Crônica Suja da Cidade de Curitiba

Meu nome é Renato Carneiro.

Profissão, cronista policial.

Meu editor diz isso. Não fico moscando na jogada. Quando o barulho é alto lá estou eu para conferir e dar a matéria. Não foi por falta de aviso. Estou escrachando essa parada na primeira página desde o réveillon. Mas, não. Só quando pega para filhinho de papai rico é que os milicianos vão se coçar porque o Secretário de Segurança Público e o Comandante Geral dão aquele esporro coletivo e todo mundo sabe que a corda rebenta para o lado mais fraco. Brutal. O sistema funciona exatamente nesse esquema. E eu estou lá para dar o plá. Essa semana patrão vai ficar contente porque vou vender muito exemplar para ele. Quem sabe não pinga algum no meu bolso também? Não sou feito João Mendes, Ricardo Cunha, Carlos Malta & Senhorita Gika Bala lá da concorrência. Bando de fumeiro que fica pelos bares o dia inteiro só para escrever essas coisas de bacana. Eu não, amigo. Sou profissional de responsa. Mas, que a Gika Bala é um tesãozinho ninguém pode negar. Queria arrancar aquelas calças de boca larga, deixar de bota e calcinha no meu quarto e ela ia ver como é que faz. Pode crer, aos 46 anos ainda vou viver meu grande amor. Ensinar para aquela italianinha o bom da vida. Casa, comida e roupa lavada e trampar fora porque mina minha tem que trabalhar. Pelo menos para pagar as bolsas e o batom. Vinte e quatro aninhos de pura encrenca. Quando fizer 25 eu entro de cabeça. Quem avisa amigo é, meu chapa. E agora esta aí polícia de cima para baixo e de baixo para cima numa cabreiragem que pode até render mais pano para essa manga que já está ficando comprida. Povo babaca reclama e é ele mesmo que faz a sociedade ficar do jeito que está. Não adianta Ministério Público e a Primeira e Segunda instância ficar mexendo com papel. Só cabide de emprego, meu nego. O negócio está apodrecido até o osso. Não tem solução. Tribunal de Justiça? Sem comentários.

Quando estou na função saia de baixo. Peso noventa quilos e sou levinho. Criado nas peladas na Praça Vinte e Nove de Março. Tomando geral e atraque dos gambés deste os 12 anos de idade. Não uso drogas, porém se é para chegar no “furo” tomo pico na veia e derreto pedra na lata. Sou campeão brasileiro de “detenção para averiguações” Meu editor e o dono do informativo seguram minha bronca. Não falei que sou profissional de responsa? E essa historinha que jornalista fica se encalacrando com policial para conseguir assunto é maior papo furado que eu já vi. Você consegue a matéria com dona de casa, com servente de pedreiro, mestre de obras, presidente da Associação de Moradores, dono de botequim, a tiazinha que serve o café para o bom da boca da multinacional. Quem mora em periferia é que manja do riscado. Pode saber. O problema é quando vira treta em bairro de bacana. E a imprensa avisa porque amiga é, são as autoridades não se mexem porque não querem. Ou você está pensando que policial quer trocar tiros com marginal armado até os dentes em bocada e favela? O negócio dos caras continua sendo descer borrachada e achacar estudante, trabalhador e maconheiro. Toma dinheiro do coitado que paga imposto. E no Brasil, meu velho, o que mais tem é marginal de imposto. Marginal no sentido que você encontra no Aurélio. E quer me ver espumando de raiva? Coloca pseudo intelectual de universidade defensor dos diretos humanos falando merda para mim. Esses aí vivem no mundo da fantasia. Também, família tradicional da província banca! E onde já se viu menor de idade com um barão na carteira, cara cheia de vodca, bala na boca e muita marra entrando no pagode? Bem feito para o dono da casa que agora vai ter que segurar o B.O. É exatamente aqui que o Renato Carneiro entra. Entrevistar transeunte, conversar com funcionário, intimidar garçom e segurança, esfregar carteira de imprensa em cara de investigador dos Homicídios. No meu métier quem tem papas na língua, dança. Fica mofando em redação fazendo serviço burocrático. Se for o caso assino com pseudônimo. Tenho três advogados: um toma conta do outro. Já respondi processo de montão antes da extinção da lei de imprensa. Pegou nada para mim. E eu tinha assinado as doze matérias.

No último sábado foi um terror. E em bairro de gente chique. Casa noturna, fim de semana, mulherada no cio, gentinha querendo aparecer. Entra qualquer um. Eu tinha virado um plantão e estava tomando meu rabo de galo nas imediações e pensando naquela coisinha fofinha da Gika Bala. Cigarro. Café. Rabo de galo. Essa é a minha praia. Se precisar e o assunto render até mando uns arrebites para dentro. Sem dó. Então, era nessa situação que eu me encontrava. De repente tumulto de viatura subindo a Ermelino de Leão. Farejo a situação. Jogo o filtro amarelo do meu cigarro mata ratos no bueiro e subo junto. Já encontro o problema. Mais caçapas às minhas costas. Renato Cardoso na área. E não é que minha experiência no ramo me leva diretamente ao local do crime? Três presuntos. Dois menores de idade. Nem preciso falar com reco nem com cabo tampouco com sargento porque o segurança me dá a letra toda. De fio a pavio. Bate boca por causa de birita. Briga de gangue de playboy? E existe isso? No meu tempo de moleque tinha gangue em subúrbio, favela, gangue de punk, de metaleiro e esses oprimidos aí. Agora filho de bacana é revoltado e anda armado? De nove milímetros? O dinheiro é uma maravilha, não é mesmo? E a história não acaba aqui. Minha noite de sorte. Mais três baleados na Praça da Espanha. Logo ali. A noitada foi quente. Dois já eram finados. Tirambaços na mente. Sem perdão. Acerto de drogas. Que dúvida. O outro já na ambulância e nem sabe se chega até o hospital. Renato Cardoso não toma notas, grava os fatos. Tecnologia, meu camarada. Celular no bolso pronto a ser acionado.

Acendo mais um cigarro e quase levo um tapão de um PM que nem barba na cara tem. Se me acertasse iria ser demitido e nem vender pipoca na porta da “Baixada” em dia clássico ia conseguir. Só porque eu queria dar uma espiadela no ferido. Ligo para a redação e o chefão me manda correr. Tomo um táxi. O texto se forma em minha mente. Chego lá. Escrevo a matéria. Segunda feira duas horas da tarde vai ter que rodar segunda edição.

A gente avisa. Avisa. E avisa. A imprensa serve para beliscar a bunda do sistema. Se ele não tomar as providência a gente publica.

Sempre.

Curitiba, 23 de agosto de 2011, 11 graus celsius – inverno.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 23/08/2011
Código do texto: T3177399
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