Sexta-feira assassina
1
Tudo hoje em dia é “pra frente”, avançado demais para o seu gosto, pensa seu Isaías debruçado sobre o balcão do seu bar, à espera dos fregueses habituais da sexta-feira e, com o olhar analítico segue os movimentos do garçom Pedro, com o pano úmido passando-o no plástico branco que cobre as mesas. Esse rapaz é esperto, trabalhador, faz jus ao que lhe paga e as gorjetas recebidas dos freqüentadores. Sim, seu comércio está crescendo. Terá que o ampliar num salão maior, com estacionamento para carros, mesas do lado de fora, contratar outros empregados...
- É isso aí, homem!
Fala em voz alta, otimista.
- Chamou seu Isaías?
Ele sorri e responde:
- Nada não, Pedro.
- O senhor é quem sabe.
A mão ossuda corre a flanela no plástico manchado, limpando-o. Tem de se apressar, logo tudo isso aqui estará com as mesas ocupadas, com a zoada de vozes, gargalhadas, arrastar de cadeiras, o tilintar dos talheres. A agitação normal da sexta-feira, enquanto ele, Pedro, se desdobrará para servir o salão. Ainda bem que seu Isaías já lhe disse que contratará outro garçom...
A noite fora envelhece, com o transitar de automóveis, motos, ônibus, bicicletas e pedestres na calçada oposta, tudo à semelhança das sextas anteriores.
- Pedro!
Volta-se e encarando o rosto gordo, pálido do patrão:
- Tou indo.
Então se encaminha em passos largos para o balcão.
- Diga.
- Você encheu o freezer de cerveja?
- Claro, tá cheiinho.
- Pois é, a turma da noite bebe demais. Para farra não falta “grana”.
- Ainda bem, seu Isaías.
Esse sorrindo:
- Também acho. Mas vá até a cozinha e veja se a Inácia tá cuidando do sarapatel.
O garçom atende. Empurra a porta vai-e-vem e adentra na sala conjugada, enquanto o outro prende a atenção ao carro cinza-prateado que acaba de estacionar ao meio-fio defronte.
A porta se abre e desce o sujeito mulato, grande, forte, com a jovem alva, de longos cabelos louros, calças compridas azul, blusa branca, bem-feita de corpo. O cara chegou com uma nova namorada esguia, bonita.
- Tão novinha...
Contudo, assim é o mundo moderno, com seus caminhos que nos choca.
- Boa noite.
- Boa noite, Dr. Moura.
Sorri e profissional:
- Vai querer o de sempre agora?
O mulato sorri:
- Claro, Isaías. Pode servir.
- Tudo bem, O Pedro vai atender ao doutor.
Volta-se então à porta da cozinha ao lado e grita:
- Pedro!
Sorrindo ainda o recém-chegado dirige-se à mesa recuada, próxima ao balcão. A preferida.
Senta-se e a lourinha sorrindo ocupa a cadeira defronte. Conversam.
Seu Isaías disfarçando, segue a cena, inconformado com o que presencia. Não integrado ao tempo de modernidade, liberdade sem freio.
Pedro retorna:
- Sim, seu Isaías?
- Vá servir à mesa do freguês ali. Ele pediu o de costume.
- Ok, uísque e lagosta grelhada.
Outro carro acaba de parar no meio-fio da calçada oposta e os três rapazes saltam. Conversando, alegres se encaminham para aqui, o bar “Recanto do Isaías”.
Sim, a noite da sexta-feira se inicia, com seus personagens, no jogo da descontração.
- Obrigado, rapaz.
- De nada, doutor. Às ordens.
A mão grande, com dedos grossos aí cobre a outra magra, de unhas pintadas de bolinhas. Bolinhas.
Como se nada tivesse percebido, discreto, o garçom se afasta. Cuidar do trabalho. Limitar-se, cada um com sua vida. É o sensato. O necessário.
2
Na “Mata do Passarinho.”
O sargento Marcelo para o auxiliar, o soldado Carlinhos:
- Meu camarada envelheço e não me adapto as aberrações humanas: uma mocinha tão graciosa... Estuprada e com essas marcas no pescoço, como se tivesse sido estrangulada!
O corpo semi-despido exibe os seios pequenos, desnudos, os braços e as pernas longos, a calcinha vermelha. O pescoço com as equimoses arroxeadas. O rosto bonito, com os olhos abertos, na última perplexidade...
- O senhor tá certo, sargento. Mas... Vamos agir!
Retira então o celular do bolso da jaqueta e disca, chamando os peritos para continuar a investigação do novo crime...
O sargento torna a falar, sem respeitar a ligação do auxiliar:
- Com esse já chega a cinco assassinatos Carlinhos.
Concluída a denúncia aos colegas, então, o auxiliar repõe o aparelhinho no bolso e responde:
- Cinco! É como se fosse uma série, à semelhança desses filmes de terror.
Silenciam e prendem a atenção mais uma vez ao corpo sobre a grama ressequida da mata. Quem terá assassinado essa adolescente? Há mesmo gente para tudo nesse mundo...
Com a mão trêmula o sargento acende o cigarro. E se censura:
- Tenho de deixar de fumar, mas, toda vez que fico nervoso, termino fumando!
- Entendo. Entendo sargento.
Cercando-os há as árvores da mata fechada, unidas sim, ao que presenciou e presencia.
Mestre Paulo, mestre do lado escuro do cotidiano.
Roberto Kusiak, 10/3/2011 01:35:14