BUSCA E APREENSÃO

BUSCA E APREENSÃO

No ofício de ser militar, muitas vezes somos atribuídos de missões difíceis de serem executadas, que causam verdadeiros pesadelos, que jamais conseguiremos apagar de nossas lembranças, mas, contudo temos que realizá-las, porque fazemos parte de uma engrenagem de cumprir e fazer cumprir as ordens emanadas por uma autoridade legalmente constituída ou invertida dos poderes de: abuso de autoridade, arrogância, ditador e prepotência, muito peculiar pós-revolução, nos governos militares e alguns governos civis.

Certa vez quando eu servia na Base Aérea de Fortaleza fui designado juntamente com dois cabos e um soldado por um major presidente de um inquérito policial militar, para juntos fazermos à dura e espinhosa missão de busca e apreensão nas residências de militares suspeitos de quaisquer indícios de provas, que pudessem incriminá-los, simplesmente porque trabalhavam no local aonde havia se dado um desfalque em dinheiro. Pessoas estas que na minha visão e experiência não tinham nada a ver com o desfalque e longe de quaisquer suspeitas, mas na ótica do major presidente do inquérito todos que trabalhavam no setor eram suspeitos até que provassem o contrário.

Missão como esta eu não desejo para ninguém, nem mesmo para o meu maior inimigo se porventura eu tivesse.

Confesso que ainda hoje ecoam em meus ouvidos os gritos de choro de uma mãe inconsolada, afirmando meu filho não é um ladrão; nós somos pobres, mas somos honrados; as palavras mansas de um pai dizendo que sempre procurou educar meus filhos para nunca mexerem em nada de ninguém, enquanto ele me falava eu vi rolar em seu rosto uma lágrima discreta, como quisesse se esconder de vergonha. A tristeza e a comoção também tomavam conta daquele cantinho sagrado que estava sendo violado por força de suspeita infundada.

Viramos tudo de cabeça para baixo, à procura de alguma coisa que pudesse incriminar aquele jovem cidadão e nada foi encontrado. Após à revista dirige-me até aquele desolado e como consolo dei-lhe um forte abraço dizendo-lhe foi bom senhor que não encontramos nada que viesse comprometer seu querido filho, queira nos desculpar pela bagunça nas suas coisas, mas isso faz parte do nosso ofício.

Em outro lar encontramos uma jovem esposa com um garotinho de aproximadamente cinco anos. Foi duro convencê-la nos receber, quando a entreguei o mandado de busca e apreensão ela começou a se tremer toda, suas mãos descontroladas não deixavam o papel parar, logo em seguida ela me devolve o papel dizendo não consigo ler, o descontrole era total, a criancinha com os olhos arregalados que pareciam querer sair de seu globo ocular, num ato repentino abraça-se com sua mãe e pergunta o que foi mamãe? A mãe desesperadamente respondeu não sei meu filho e abraçaram-se em pranto. Com muita diplomacia e paciência tive à idéia de chamar sua vizinha, que da porta de sua casa curiosamente observava tudo, identifiquei-me e disse da nossa missão e pedi para que ela nos ajudasse a convencer sua vizinha a abrir sua porta para que nós pudéssemos realizar o nosso trabalho. Há muito custo conseguimos que ela nos recebesse, fizemos à revista e nada encontramos. Na saída ela já mais calma desabafou: olha senhor eu conheço fulano há mais de dez anos, até mesmo antes de ele entrar na Base e nunca ouvi falar de envolvimento dele em nada que desabonasse a sua conduta, é um marido e pai exemplar, por esta razão, não consegui compreender o porquê de tudo isso.

O tempo conseguiu apagar de nossa memória a maioria dos acontecimentos de nossas vidas, mas confesso de coração que esta trágica missão ficou gravada para sempre em meu subconsciente, como um pesadelo que me atormenta e entristece a minha alma até hoje, apesar de saber que estava no estrito cumprimento do dever, cumprindo ordens emanadas pelo presidente do inquérito.

Ainda hoje, passados quase vinte anos, quando me encontro com qualquer um dos militares envolvidos naquele episódio sinto um impacto que me deprime, como se fosse uma ferida que nunca sarou e a cada instante vem sendo magoada, mas o que ainda me conforta é que Deus sabe: da lisura, da diplomacia, da honestidade e do meu senso de responsabilidade com que realizei cada uma destas missões.

ChicoMesquita
Enviado por ChicoMesquita em 10/08/2011
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