NOS BONS TEMPOS DO VELHO OESTE - PARTE 1
As histórias em quadrinhos cheias de heróis, vilões, mocinhas desprotegidas e imagens fantásticas povoaram a infância e adolescência de enorme parte do leitorado mundial. Não se pode afirmar convictamente que nos dias de hoje, à entrada de novo milênio, tal febre continue em alta. Longe de ser a mudança um sinal negativo da evolução natural da cultura humana. Outrossim, devemos ao avanço tecnológico, fruto do esforço científico e da modernização cibernética, o conforto dos nossos dias. Muito mais fácil para o jovem grávido de opções e de ofertas, sentar-se à frente de um multimídia ou refestelar-se ante a tela gigante de um televisor e embarcar no mundo fácil do prazer lúdico de pressionar teclas e acionar controles.
A mente humana, para tornar-se eficaz e criativa, precisa, como o corpo, exercitar-se e nada mais saudável do que o estímulo da concentração e a magia da imagem. Quando falamos de heróis do velho oeste americano e seus desbravadores, por exemplo, vêm-nos à lembrança os valentes forasteiros envoltos em largos cinturões orlados de balas, armados até os dentes. O bom, o mau e o covarde unidos em torno da mesa de um bar estereotipado e matando o ócio com rodadas de pôquer marcadas por blefes e sagacidade. Em dado momento, um queixoso, não admitindo a derrota, muito menos o despeito de ver as fichas vitoriosas dos companheiros, saca do coldre a arma e está formada a confusão. A dança no salão é interrompida, o vaivém sobre o balcão deslizadeiro da cerveja saltitante e espumosa em chamejantes canecos é interrompido. Socos, pontapés, as mesas em pedaços e alguns sacos de pancadas atirados à rua através do vidro, gemem a dor do abandono e da derrota.
A ação situada no contexto acima fornece algo de que carece um mero espectador que muito pouco participa do esforço de um ator de palco ou de uma tele-transmissão, embora o deleite não seja menor. Vivemos mergulhados num mundo de imagens que nos são impostas a cada instante e a cada ação que empreendemos; impossível fugir a essa chusma avassaladora e muitas vezes inoportuna. São tantas as sugestões para divertimento e lazer que ficamos atônitos. Cabe a cada um selecionar e escolher aqueles que mais lhe proporcionam satisfação, sempre a depender do estado de espírito do momento, procurando, se possível, estimular a criatividade nos momentos de ócio, onde a mente relaxada e receptiva se exercita fácil e avultosamente.
Mas voltemos às aventuras do famigerado bangue-bangue, onde impera a lei do mais forte. A pacata cidade de Pinkville, esquecida no tempo após o último massacre indígena, aos poucos volta à cena e desta vez para crescer e se tornar famosa. Os cadafalsos expositores da vergonha da condenação sem lei e sem juiz desapareceram por completo e a justiça tomou posse; a cidade dormia tranqüila. A ruazinha de terra voltou a ser uma rota, antes era apenas uma ruazinha de terra, saudosa das rodas das diligências e do tropel dos cavalos ameaçados pelos chicotes dos seus condutores.
Smith O’Brien, o homem responsável pela ordem em Pinkville ouviu, de dentro da delegacia, onde, ao lado da cela vazia, escrevia em sua máquina, a chegada de uma carruagem. Olhou as horas em seu penduricalho prateado e levantou-se. Ao abrir a porta e ganhar a calçada, viu que era exatamente o que ele estava esperando. Precisava receber os visitantes. Desde que assumira o cargo, as ameaças não paravam de chegar até ele, mas não se intimidava. Aos quarenta e quatro anos conhecera por diversas vezes a morte bem de perto. Carregava como lembrança uma cicatriz no pescoço abaixo da nuca, o que procurava disfarçar com um debrum habilmente cosido à aba do chapéu. Tinha um rosto liso e sem rugas. Era louro e os olhos azuis impunham um respeito, mas que não lhe tirava a simpatia. Musculoso, praticou lutas marciais enquanto serviu ao regime militar de cavalaria pesada atuando em operações de choque. Assim, não somente a estrela que trazia no peito era a sua marca de autoridade, mas e principalmente, um passado vitorioso e sem máculas.
Ele estendeu a mão para cumprimentar Virgínia Watson, a rica empresária aguardada com ansiedade para a inauguração da primeira casa noturna de Pinkville; tudo pronto à espera da sua ordem. Virgínia, segurando a ponta do vestido anormalmente abaulado, impedia-o de tocar o chão de terra. – Bom dia, xerife. Esperava encontrar uma recepção mais calorosa. Onde está todo mundo?
- Espere só até ouvir o sinal da fábrica daqui quarenta minutos. Não contávamos com sua chegada antes das seis.
- Tem toda razão – disse ao subir para a calçada e soltar o vestido. – Não tive paciência para esperar a comitiva. Minha delegação não passa de cinco competentes cavalheiros. – Smith olhou para a rua, os homens desembarcavam neste momento. Três, vestidos em smoking e os outros dois, mais jovens, em calças de tergal e camisas de seda. Ele cumprimentou os senhores que, em seguida, entraram na delegacia com suas pastas de couro dobradiças enfiadas por baixo dos braços. Pela semelhança dos rapazes, concluiu tratarem-se de irmãos. – Meus filhos queridos – Virgínia apertou-lhes os queixos ao mesmo tempo com ambas as mãos ao apresentá-los com orgulho.
Entraram todos. Smith conduziu-os a um cômodo nos fundos da delegacia. Uma mesa redonda, recentemente envernizada, com dez cadeiras altas de estofado macio ocupando toda a sua orla, já os aguardava. Encimava-a um lustre potente e todo iluminado. O colorido branco esmaltado combinava com as tonalidades do teto e das paredes. Sentaram-se todos. Smith escancarou a janela que não deixava à vista muita coisa a não ser um paredão lúgubre e incolor, mas, a frescura da brisa que por ali penetrava amenizava o mormaço do fim de tarde. Ele sussurrou alguma coisa ao ouvido da sua sentinela, um sujeito magro e de bigode, que os deixou.
- Tudo pronto para a inauguração? – quis saber Virgínia, pousando sobre a mesa o bonito chapéu confeccionado em estofo de lã e ornado em galões de penas douradas.
- Como a senhora exigiu. Só falta a comitiva. O salão está enfeitado, a orquestra ensaiada e afinada e a cerveja já está no gelo; só restam as dançarinas, o mágico, os cantores, enfim, o seu pessoal.
- Não se preocupe, calculo que em menos de duas horas estarão por aqui. Contratei os melhores artistas de Nashville, saíram-me uma fortuna, mas não me queixo. É a minha primeira casa fora de Nova York e quero que funcione à altura. Mas vamos aos últimos acertos e recomendações. – Os homens de smoking abriram as suas pastas, Smith, sua agenda e deram início à reunião. Meia hora depois, Spencer, a sentinela, entra acompanhado de um garoto de calções até os joelhos, presos por suspensórios e camisa branca de manga curta; cada um trazia uma bandeja redonda. O bigodudo pôs ao centro da mesa a sua, fazendo o mesmo com a outra que tomou das mãos do menino. Em seguida retiraram-se deixando que todos se servissem dos sanduíches, do café e dos refrigerantes que ali estavam.