O DELEGADO DADEU E O PORCO BÊBADO

Este é, muito provavelmente, um dos causos mais hilários já registrados na carreira do Delegado Dadeu na Polícia Civil e sempre que contado nas rodas jurídicas e de agentes de segurança arranca muitas risadas e alegra o ambiente, pois carrega uma dose muito alta de regionalismo que permite ao episódio transitar entre as fronteiras do cômico e do inusitado.

Dadeu estava em início de carreira e havia sido transferido para uma cidade gaúcha chamada Siríaco, próxima à localidade de Vanini, onde havia uma intensa produção de suínos, e era tão grandiosa a atividade que todo o ar exalava um odor muito próprio à suinocultura e que em dias de vento chegava a ser bem desagradável ao olfato dos visitantes ou neófitos .

A população local, todavia, fiel aos conceitos do intelectual árabe Ibn Khaldun comprovava sua máxima de que o homem sempre acaba se adaptando ao meio onde vive e , assim , respirava normalmente aquele ar denso, acostumada à atmosfera do ambiente.

Naquela época o interior do Estado do Rio Grande do Sul , sobretudo na região norte , era incipiente uma diversificação na exploração da pecuária e antigas atividades como a bovinocultura e a ovinocultura davam lugar aos grandes aviários que consorciados com pocilgas introduziam uma renovada e próspera opção à economia primária. Literalmente a galinha e o porco entravam para o cenário da economia rural gaúcha.

Nosso policial que já estava acostumado a atender todo tipo de ocorrências de furto de gado – o chamado “abigeato” – muito comum no pampa, contudo, jamais esqueceu a manhã em que recebeu uma guarnição da Brigada Militar com um elemento preso em flagrante na posse de um leitão carneado e um outro animal que parecia estar “tonto” na caçamba da caminhoneta da PM.

- O que é isso ? – indagou o Delegado Dadeu aos Policiais Militares.

- “É um flagrante de furto de porco, Doutor” , respondeu um Brigadiano cabelo cor de fogo e rosto sardento, com um sorriso preso entre dentes .

- Arrematou o PM : - “ e aqui está o litro de cachaça e o pão d´agua” que completam o flagrante .... deixando ainda mais confuso ao nosso personagem que , sem muitas delongas emendou:

“- Como assim” ???

A resposta do Brigadiano foi inesquecível para o Delegado Dadeu, posto que o PM explicou-lhe que era da “cultura” dos larápios na região embriagar os porcos como uma “técnica” para facilitar o furto evitando que os animais fizessem barulho e, assim, acordando ou chamando a atenção de seus donos.

A cachaça associada ao pão d´agua constituíam, portanto, elemento de ardil e engodo essencial ao sucesso do furto .

A técnica regional para o furto de suínos era a de mergulhar o pão d´agua – que naquela região era mais conhecido como pão francês - na cachaça e alimentar os porcos com esse pão encharcado da mais pura cana . Pacientemente o larápio se acomodava ao lado da pocilga e ali ficava dando pão d´agua e cachaça ao pobre animal que ia tonteando à medida em que ingeria aquela mistura de massa e álcool.

Dizem os médicos veterinários que os suínos possuem muitas semelhanças biológicas e até fisiológicas com o organismo dos seres humanos e evidentemente , tanto quanto uma pessoa , os animais após o consumo de pão com cachaça , em pouco tempo apresentavam os mesmos sinais de embriaguês comuns aos humanos.

Dadeu não se conteve e foi até a caçamba da caminhoneta da Polícia Militar para dar uma olhada no porco bêbado que havia sobrevivido à carneação. O bicho estava moribundo , olhos caídos , sem esboçar qualquer reação, ou seja , era uma presa fácil para o larápio.

Depois de muitas gargalhadas o flagrante foi lavrado e o elemento conduzido ao xadrez da Delegacia, pronto para ser colocado à disposição da Justiça . Dizem que o larápio de tão atrevido chegou a se dirigir ao Delegado Dadeu com a seguinte frase:

- “Doutor, deixa o resto da cachaça aqui comigo, para aliviar a estadia na cadeia” !

A resposta do Delegado Dadeu também ficou para a história e merece ser relembrada. O hilário episódio do suíno embriagado , eternizado como o “caso do porco bêbado” , encerrou-se com a seguinte locução do policial:

- “ Negativo meliante ! – A cachaça agora está a integrar a materialidade do delito ; é uma prova e como tal não pode ser tocada por ninguém”.