Zé Lió - O vaqueiro apaixonado
Zé Lió
Lá pelas bandas do sertão da Bahia havia um rapaz chamado Zé Lió, conhecido pelas suas andanças na região por andar montado em bonitos cavalos. Costumava sair de casa à procura de aventuras com raparigas. Cada lugar que chegava e encontrava um rabo de saia de seu gosto era lá que ele ficava chegando a permanecer fora por vários dias.
Zé Lió era um rapaz de boa criação, mas gostava de vangloriar-se de endinheirado, comprador de gado gordo e seu defeito – para quem considere defeito - eram essas manias que tinha de gostar de colecionar mulheres para quando estivesse numa roda de cachaça com os amigos fazer as contas e ganhar apostas. Muita gente o confundia com Macário – outro galanteador da região e de hábitos semelhantes, porém mais centrado.
Entre uma garota e outra que Zé Lió namorava, ia fazendo promessas de casamento e por ele elas iam se encantando. Uma dessas foi Rosinha, filha de seu Amadeus. Ela morava em São Paulo e quando foi passar a Semana Santa com a família, reencontrou o danado do Zé Lió, que tinha visto pela última vez quando ainda eram crianças. Rosinha toda afoita com seus namoros picantes não deu outra: logo ficou buchuda. Quando seu Amadeus ficou sabendo e foi procurar o pai da criança, Zé Lió não quis conversa, negou a paternidade, deixando a moça desamparada.
Tomada pelo desprezo e pela falta de amor, Rosinha resolveu voltar para São Paulo e ter seu filho por lá e Zé Lió pouco se importou com a partida daquela moça que levava no ventre um filho seu.
Em uma dessas escapulidas do Zé Lió, ao voltar para seu rancho, saudoso de sua vida simples e ao mesmo tempo agitada, encontra alguns amigos no bar da passagem – num povoado com uma meia dúzia de casas e ao centro uma pequena igreja com um Cruzeiro rodeado de velas e suas borras escorridas de tanto que o povo as acende ao fazer promessas e agradecer aos seus santos de devoção.
Seu Dunga - um velho amigo de seu Loro - o falecido pai de Zé Lió - é o primeiro a ir ao encontro do rapaz para avisar-lhe de uma notícia que rondava a região.
- Meu fio, o que é que tu ta fazendo por aqui rapaz? Tu ta doido?
- Bênção seu Dunga.
- Deus te dê sorte. Chega aqui, vem aqui pra trás da casa que eu te explico.
- Oxente seu Dunga, o senhor ta me deixando avexado.
- Rapaz, some daqui, esses dias andaram procurando por tu em toda parte. Pra tua sorte é que tu tava fora, se eles te pegam... meu deus!
- Eles quem seu Dunga, fala logo.
- A polícia.
- E o que eu tenho a ver com a polícia?
- Ai meu santo Deus... Tu não sabe também que o fio de Amadeus morreu?
- Morreu?
- Mataram.
- Mataram?
- E a noticia que corre é que foi tu, fio de Deus. Tu precisa sumir daqui da região até tu provar que não tem culpa, então.
- Minha nossa sinhora! – suplicou Zé Lió. - E por que pensaram que foi eu?
- Dizem por aí que viram tu sair correndo à cavalo pelos corredores adentro justamente no dia da morte do infeliz.
- E que dia foi?
- No dia da reza de Mãe Benta. Tu saiu desembestado pelas estradas e sumiu por esse tempo todo, tudo lavava a crer que foi tu. Mas eu sabia que tu não ia fazer isso.
Seu Dunga ficou muito preocupado com Zé Lió e orientou para que ele resolvesse aquela situação longe dali, longe de sua família e de seus amigos, pois tudo levava a crer que ele tinha sido o assassino do tal filho de Amadeus, que por incrível que pareça quem fez isso prestou um favor para a aquele povo sofrido da região, era um moleque, passava uns tempos na capital se envolvendo com coisa ruim e quando o bicho pegava para o lado dele por lá era na casa de seu pai que ele voltava para se esconder. Seria bom se ele realmente se escondesse, mas o que ele gostava mesmo de fazer era ir para os botecos jogar dominó apostado, jogar sinuca valendo dose de cachaça e de procurar ousadia com as meninas direitas, sem ao menos se importar se eram comprometidas ou não. Aquele velho ditado que diz que um dia a casa cai... Pois é, caiu pra ele. Acabou a farra para Orêa – como era conhecido.
Nem seu pai, o seu Amadeus estava livre de suas artimanhas maldosas, por várias vezes pegou o dinheiro da aposentadoria do velho que escondia numa caixa de madeira dentro da gaveta de baixo, no seu guarda roupa de pau d’arco. Quando não achava dinheiro ameaçava o coitado do pai para vender uma reis para bancar seus gastos com as meninas vadias e com os seus vícios.
Mas por aquela enrascada Zé Lió não esperava, ser acusado de ter cometido um crime.
Apesar de gostar de ganhar o mundo de vez em quando, ele tinha uma paixão guardada no seu coração e sempre que ele estava carente era nos braços de Clarice que ele encontrava amparo e sentia-se seguro. Clarice era uma jovem devota de Santo Antonio, e já desacreditada do seu namoro com Zé Lió que só a fazia sofrer, fez promessa para arranjar casamento até a festa do santo padroeiro de sua Capela no povoado de Morrão.
Zé Lió tinha uma sinuca de bico para se sair, uma encruzilhada com várias direções sem saber a qual tomar: dividido entre o amor de Clarice que a cada dia diminuía e o medo de ser condenado e preso pela polícia. Não tinha jeito, Zé Lió precisava fugir e provar sua inocência de longe, mas ao mesmo tempo sentia vontade de ficar perto de sua amada.
Clarice muito tímida, pouco conversava com o povo, não estava informada sobre o boato que rondava sobre seu pretendente e nem mesmo o povo sabia desse relacionamento amoroso entre os dois, mas sem querer, enquanto fazia a limpeza da capela para os festejos do santo padroeiro, ouviu duas senhoras falarem que o filho de seu Loro era o principal suspeito e acusado de ter matado o Orêa.
Como seu Loro só tinha de filho homem - o Zé Lió, Clarice descobriu tudo. A partir desse dia ela passou a desprezá-lo e com isso tentou negociar com Santo Antonio para reforçar a promessa, lhe apresentando alguém de nome limpo na praça. Aquele namoro já não servia para ela.
Foi na igreja que Clarice conheceu Irá, uma mulher solteirona que segundo ela, já fez várias promessas - todas sem sucesso e Clarice não sabia mais o que fazer.
Longe de Clarice Zé Lió lutava a cada dia para provar sua inocência, enquanto ela fazia promessa para Santo Antonio lhe arranjar marido.
As meninas mais atrevidas de Morrão sempre tratavam Clarice como coitadinha, ela nem imaginava que Zé Lió gostava de chamegar com suas amigas. Na verdade, amigas da escola porque, amiga mesmo Clarice não tinha. Vivia rezando e ajudando nas pastorais e quermesses da Igreja.
Numa cabana bem longe de sua família, Zé Lió encontrou abrigo graças a um velho contador de histórias chamado Vida Boa – nome recebido pelo povo devido ao seu jeito de ser, onde estava sentia-se bem. Ia logo se achegando e contando histórias, recebendo gorjetas, comida para passar o dia e no dia seguinte ele se ajeitava em outro lugar.
Conversando com o tal de Vida Boa, conversa vai e conversa vem... Falando de suas origens, seus gostos e seus costumes, Vida Boa declarou que já andou pela região de Morrão e que já teve numa reza seguida de um samba por aquelas bandas não muito tempo atrás.
Mais meia dúzia de prosa, Zé Lió descobriu que a reza que Vida Boa andou participando foi exatamente no dia da morte de Orêa.
- Teve uma reza lá no povoado de Riacho da Pedra, na casa de Mãe Benta. – disse Zé Lió – exatamente no mesmo dia que eu fiz minha derradeira viagem. Já tava tudo acertado com o povo que eu ia encontrar e por isso eu não fui para a reza. – concluiu.
- Isso mesmo. Mãe Benta era a dona da casa. Ela mesma me serviu um belo prato de caruru, com pipoca e tudo. – disse Vida Boa.
- Então... A casa de Mãe Benta é na beira da estrada onde mora seu Amadeus e foi lá que viram alguém passar correndo à cavalo e foi justamente eu porque eu tava atrasado para chegar no rancho onde meus amigos me esperavam.
- O que é que tu ta falando homem?
- Nada não, é eu que to pensando alto.
A lua aparecia no fim do crepúsculo vespertino, prometendo uma bela noite. Ideal para uma viagem tranqüila, as estrelas ajudava a clarear ainda mais aquele céu que juntos traziam para Zé Lió a esperança de resolver a sua situação com a polícia – inocentando-o e o reencontro com Clarice – seu amor verdadeiro.
- Tu ta ficando é doido. Olha, a noite ta ficando é bonita. Eu vou aproveitar para ir no riacho tomar um banho e volto logo.
- Pode ir, vou ficar por aqui.
Sem mais esperar, Zé Lió só deu o tempo de Vida Boa sumir no mato pelas veredas que levavam até o riacho e pegou seu companheiro de andanças – o cavalo que já estava celado e de barriga cheia de tanto comer capim grama e pegou a estrada rumo à Morrão. Chegando perto do povoado, de longe ele avistava as luzes dando a direção certa para onde deveria seguir. Aquelas luzes eram as que clareavam a praça da capela onde estava tendo a festa de Santo Antonio e nela uma procissão de fiéis seguia rumo ao coreto da praça principal onde iria acontecer uma missa campal.
A ansiedade aumentava a cada minuto, era preciso correr e seu cavalo não poupava pernas para ajudar seu fiel dono prestar suas contas com a polícia e reencontrar Clarice.
Zé Lió chegou ao povoado com roupas e disfarces e lá, depois de dar voltas sem ser reconhecido, encontrou Creuza, uma das garotas que sempre lhe quis namorar e ele perguntou por Clarice.
- Clarice não ta na praça, ficou em casa rezando.
Bem verdade foi isso mesmo que aconteceu, Clarice resolveu acreditar que seu namorado jamais mataria alguém e ficou em casa rezando por ele, desistindo da promessa feita para Santo Antonio arranjar novo marido.
- Mas ela não perde a festa, o que aconteceu dessa vez?
- Não sei. Vai lá na casa dela que você descobre.
Mal sabia Zé Lió que lá tinha uma conspiração contra ele. Creuza sabia que Zé Lió era foragido da polícia e preparou uma armadilha em retaliação ao seu desprezo a ela.
Quando Creuza viu Zé Lió, logo mandou a polícia ir montar uma emboscada para prendê-lo, ela sabia que jamais Zé Lió deixaria de ir ao encontro de Clarice. Por ciúmes, Creuza quis se vingar de Clarice.
Quando chegou nas proximidades da casa de Clarice lá estava a polícia toda na expectativa de encontrar o rapaz apaixonado.
Ao bater na porta chamando por Clarice, a polícia chegou e deu voz de prisão para Zé Lió. O coitado que trazia nas mãos, doces e chocolates para presentear a sua amada, de susto deixou-os cair, esparramado pela calçada.
Clarice ao ouvir a movimentação do lado de fora de sua casa e atendendo às batidas na sua porta, se deparou com toda aquela diligência policial e se descontrolou emocionalmente. Jogou-se nos braços de Zé Lió e disse que não acreditava que ele seria culpado pelo crime que estava sendo acusado.
Antes mesmo da polícia levar Zé Lió para a cadeia, chegou correndo aos gritos um menino montado numa égua russa em pêlo e disse que estava passando na casa de seu Amadeus para dar um recado de seu pai e lá encontrou o velho estirado no chão da sala e assustado, o pobre menino correu para buscar ajuda. Foi aí que ele encontrou a polícia e se aliviou do susto que levou.
Aquele parecia não ser um dia de sorte para Zé Lió, mas o bom estava por vir. A polícia foi ver o ocorrido na casa de seu Amadeus e já levou Zé Lió para depois ir na delegacia prestar esclarecimentos e Clarice o acompanhou.
Tamanha foi a coincidência que ao chegar lá na casa do defunto, encontra um candeeiro aceso sobre a mesa e no meio da sala estava seu Amadeus no chão, seu peito todo furado de chumbo e sangue por toda parte. Na sua mão uma espingarda descarregada. Sobre a mesa também tinha uma caneta e um bilhete escrito com letras garrafais, desalinhadas - certamente devido ao estresse que dominava os impulsos do pobre Amadeus – que dizia o seguinte: De desgosto eu não vivo mais. Meu filho me matou mas antes eu matei aquele desgraçado. Pobre Zé Lió. Ta pagando pelo crime que não cometeu. Deus me perdoe e cuide de minha filha Rosinha.
Zé Lió foi inocentado e esclarecido o verdadeiro assassino de Orêa. Depois disso nunca mais Zé Lió fez suas andanças pelo mundo em busca de incertezas. Casou-se com Clarice e construíram uma família devota de Santo Antonio, o Padroeiro do Povoado de Morrão onde nasceram.