O Fundo de Amparo

Estava empedernido no lance fatal das negras com a torre quando o carteiro se fez sentir. Era carta do banco. Estava escrito: Tratar assunto de seu interesse. Procurar Marlete. Ela mais tarde murmuraria: sou novata nesse tipo de negociação para o banco. Nunca fiz um tipo assim de negócio. De um mate correu para o banco. Caminhou um quilômetro para tentar resolver o problema de quase dez anos. O banco já havia fechado. Conseguiu por convicção penetrar fora do expediente. Aguardou inerte até ver o próprio lance nessa negociação expirar através da carantonha negativa do gerente. “O senhor não está entendendo”

De fato, estava sem compreender o que restava dele no mundo. Havia feito esse empréstimo fiduciário para trabalhar num Posto de Postagem. Requer dizer que era assunto fi-du-ciá-rio, no que concerne receber o valor do empréstimo em objetos úteis a função. Em caso não pagamento lhe é retirado os bens. Logo começará um terrível processo judicial contra o devedor. De fato: após algum tempo inadimplente veio um homem com a polícia e levantou da garagem os seis itens entre algumas cadeiras, uma balança, um computador, além do cofre de mão. Poderia ter sido preso. Estava apenas trabalhando, pois havia inventado o seu emprego. Compreendeu que o Fundo de Amparo lhe repassaria oportunidades. Veio o e-mail e terminou com movimento de selo e carta na vila desejosa da idéia de progresso. Ali na coxilha ninguém mais falava em carta. Todo mundo queria mesmo era ser moderno.

Juntaria dinheiro, continuaria trabalhando na garagem. Venderia livros velhos. Gostava dos livros. Agora era um endividado. Um arruinado. Com o passar dos anos de sete mil e quinhentos reais (foram nove anos), o valor atingiu a elevada cifra de dois milhões de reais. Subindo por contagem livre diariamente. “O meu dinheiro não dá em juros, doutor”. Tentava dormir, mas a voz que ouvia de si próprio nada emitia. Estava sufocado.

Economizou, porém um título de capitalização, que renderia em cinco anos apenas algo em torno de quinhentos reais sobre dois mil investidos. Apanharia o valor num banco, que acabaria para desembolso noutro, e tentaria vencer a dificuldade. Aquilo era um cipoal, uma trama grossa, contra alguém que nada pode. Depois quanta gente se amontoa para sugar de um fracasso os lucros dos seus ganhos?

Nada possuía de grande exceto algumas esculturas em granito que cismava de quebrar nos dias de funda amargura. Talvez tivesse que se matar, preso não ia. Agora era o banco e o fórum. O endividado se confunde tão facilmente com o corrupto. Pesava-lhe ainda o fato da sua defesa jurídica ter sido absolutamente incapaz de lhe representar, sendo que uma advogada acrescentou ainda como defesa, contra ele, uma hipótese de calúnia. Percebia que estavam lhe fragmentando a alma como numa conspiração silenciosa e precisa. Se a defesa nada fez! Foi substabelecendo o processo... Ele permanecia imóvel. Sem conhecimento de causa, deserto alienado fiduciariamente. Havia se entranhado num estranho jogo de portas gigantes.

Procurou um advogado amigo que aceitou lhe sustentar a causa em lances que foram de êxito. Munindo-se da idéia de que estava realmente diante de um homem pobre, insolvente. Estava entusiasmado com a hipótese de finalizar uma negociação onde o devedor, sem ter lidado com altas somas, devia agora dois milhões. Ria! O banco é casa sem alma! Se fechassem em quatro mil e quinhentos fechariam o principal...

O gerente garantiu que tudo terminava ali. O pesadelo viria tarde, após ter desembolsado o valor ao gerente na frente do advogado e de Marlete. Voltaria para casa apenas com um título de capitalização “sonho dourado de amanhã” do ano de 1999. Explicava o gerente que ele não entenderia o que haveria de se passar em papéis. Era preciso ter uma conta, seria então aberta como poupança através de um título de capitalização. (fez um giro com o dedo indicador) Deu-lhe uma conta poupança e um cartão sem senha para onde iria o dinheiro de quatro mil e quinhentos.

- Estava tudo certo.

- Estes papéis estão certos?

O advogado amigo olhou peremptoriamente, reexaminando para sublinhar a correção com um gesto enigmático de cabeça.

Veio-lhe a conta do medo. O banco dizia que ele devia “dois milhões”. Dinheiro feito com grande seriedade por homens bem espertos. Sairia dali sem um recibo? Nada que indicasse: fim. Apenas com um título que o gerente lhe oferecia com resgate integral em caso de pagamento de duas parcelas de setecentos reais. Pobre não aceita surpresa. O gerente vendo o maço de notas lhe prometia devolução em dinheiro dos bens arrematados em leilão, além do restante das mesas e das cadeiras. Sentiu emoção. Estava fechando o endividamento. Estava acompanhado de advogado. Com o gerente e até uma senhorita atendente. Acaso o regime fiduciário não oferece certa tomada de decisão para que cada gerente escolha um tipo de lance? Afinal se o infeliz não pagou dois milhões, quem haverá de crer nele numa trapaça? Estaria ficando louco?

Ao regressar para casa, com Fabrinha esperando um resultado para anos de aflição teria apenas em mãos um documento que provava o lançamento em conta de título de capitalização, que sequer pagou de fato, para valer como direito. Dependia ainda da integridade completa do gerente para saber se aquilo tudo estava mesmo certo. Integridade desse senhor de nariz aquilino que lhe chamou de “monstro”, quando resumiu tudo dizendo: “todos estes anos não pude ter nada”. Talvez ele fosse monstro. Aqule que ousou procurar dinheiro num fundo de amparo especulado.

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