Loucuras de um escritor
Por Rodrigo Capella*
Entre um cachimbo e outro, Jonas escrevia pequenas frases em seu diárioúmido e manchado por patas de cachorro. Desiludido com o mundo da literaturae com as mãos fixas na caneta, o autor, que chegou a estar na lista dos maisvendidos, procurava se ocupar com pequenas histórias, umas mais absurdas doque as outras. Faltava-lhe imaginação, faltava-lhe elementos para seconstruir uma boa narração.Largava o diário, caminhava pelo pequeno corredor, voltava a apanhar ocaderno, largava-o poucos minutos depois.
Jonas realmente estava deprimido e, em um ato fora do comum, abriu a porta e ganhou a rua, talvez em busca decuriosidades, talvez atrás se sonhos antigos ou simplesmente para respirarum pouco. Já era tarde. O relógio, apertando o pulso esquerdo e deixando marcas, sinalizava onze e meia da noite. Jonas caminhava freneticamente. Passava porparques, ruas pequenas, campos de futebol.
O autor ia em direção á ponte, sópodia estar indo naquela direção. O vento forte e o chuvisco atrapalhavam acaminhada, mas Jonas enfrentava os obstáculos e os superava.Cansado e tremulo, Jonas chegou ao destino, debruçou-se na ponte iluminada eantiga, ganhou força extra e saiu correndo até a outra extremidade daconstrução. Fez isso durante alguns minutos e horas, circulando por quasetoda a pequena e singular cidade. Voltou pra casa, tomou um suco de acerolacom menta, deitou-se na poltrona rasgada e lá dormiu desconfortavelmentedurante horas, chegou até a sonhar com os tempos de sucesso literário.
Acordou com uma pomba debatendo-se na janela, como se quisesse entrar nacasa do autor. Jonas pensou e acabou cedendo. A pomba branca e extremamente agitadasentiu-se á vontade, como se tivesse a companhia de outras. Pegava o diáriodo autor, percorrida os corredores e rapidamente largava o caderno. Jonas, em mais um ato fora do comum, abriu uma gaveta, pegou sua 38 e disparou umtiro contra a pobre pomba. Paredes manchadas, animal morto pelo chão e cheiro impregnando a casa. Jonasobservou tudo isso e refletiu por alguns segundos. Pegou a arma e a seguroucom uma firmeza singular. Mirou em direção a sua cabeça e sentou na cadeira.Lá, dormiu durante horas, dias e anos.
(*) Rodrigo Capella é escritor, poeta e jornalista. Autor devários livros, entre eles “Transroca, o navio proibido”, que vai seradaptado para o cinema pelo diretor Ricardo Zimmer.Informações: www.rodrigocapella.com.br ou contato@rodrigocapella.com.br