VANGUARDA

– O que é Vanguarda?

O velho, parecendo não ter ouvido a pergunta, acendeu um cigarro enquanto olhava pela janela do apartamento, logo depois fechou a persiana, escurecendo a pequena sala e deixando o ar denso com a fumaça que não dispersava. Depois se voltou para o jovem sentado no precário sofá e indagou:

– Para qual jornal você trabalha mesmo garoto?

– Trabalho para a revista Século – respondeu o repórter meio nervoso, e prosseguiu – como o senhor disse que se chama mesmo?

– Eu não lhe disse meu nome, é a primeira regra, não temos nome!

O repórter abriu sua bolsa tirou um gravador e mostrou ao velho, que se ajeitava em uma cadeira próxima à janela. O velho deu uma tragada em seu cigarro e fez um gesto consentindo que a conversa fosse gravada. O jovem colocou o gravador sobre a mezinha de centro, corroída por cupins, e se ajeitou no sofá.

– O que é Vanguarda? – perguntou novamente o repórter.

– Vanguarda é o equilíbrio entre as forças, ou pelo menos foi até sua extinção em 1991.

O velho deu mais uma tragada olhando para o repórter, depois soltou a fumaça vagarosamente enchendo o poluído ar com mais fumaça.

– Trabalhávamos para quem pagasse mais, já servimos a mocinhos e bandidos, embora seja difícil saber quem é quem. Nosso serviço era bem modesto no final da Segunda Guerra Mundial, levamos vários segredos do eixo para os aliados e vice-versa, algumas de nossas informações possibilitaram o ataque a Pearl Harbor, e fornecemos bastante material para o Projeto Manhatan. Mas foi durante a guerra fria que nossos serviços se intensificaram. Trabalhamos para os blocos socialista e capitalista. Assassinatos, espionagem, roubo de tecnologias era só algumas de nossas atribuições.

– Então vocês eram um grupo de espiões e assassinos que faziam jogo duplo?

– Éramos bem mais do que isto, Vanguarda viu coisas que ninguém mais viu ou imagina, conhecemos segredos que poderiam acabar com mártires, condenar heróis e inocentar vilões. Muita gente já morreu pelas nossas mãos, gente que a CIA ou a KGB não podiam matar, não sabemos o por que de muitas coisas, é a segunda regra, sem perguntas e sem respostas.

A essa altura o cigarro do velho já havia queimado até o filtro, ele se levantou, jogou a cinza no chão, apagou o cigarro no couro da cadeira e abriu uma brecha na persiana para observar o movimento na rua.

– Presumo que tenham dado um fim em Kennedy. – indagou ironicamente o repórter.

– Bingo – retrucou o velho sem tirar o olho da janela – e acabamos com Trotsky para o camarada Stalin também.

O jovem sorriu meio surpreso, deu uma olhada em algumas anotações em seu caderninho e perguntou?

– Você disse agora a pouco sobre a extinção da Vanguarda em 1991, poderia falar mais?

O velho voltou para cadeira onde estava, procurou mais um cigarro em seu maço sem êxito e começou:

– Com o fim da Guerra Fria os negócios começaram a declinar, mas conseguiríamos nos manter, não eram só os blocos que contratavam nossos serviços, tínhamos outros clientes.

– E o que houve? – indagou o garoto interessado.

– Nossa existência não era mais interessante para os russos e norte-americanos, sabíamos demais. Eles então resolveram nos silenciar, diante desta ameaça o círculo interno resolveu dissolver a Vanguarda e cada um seguiu o seu rumo. Muitos de meus companheiros foram encontrados e eliminados, mas outros, como eu, passaram a viver nas sombras.

– Sobraram muitos de vocês? – perguntou o repórter de cabeça baixa fazendo anotações em seu caderninho.

– A Vanguarda continua viva meu jovem, muitos desses fedelhos de hoje sofrem influência direta dela, até nosso código se tornou uma regra para os novos agentes. E por trás desses grupos que atuam hoje em dia com certeza tem um membro do meu extinto grupo. Agora não me pergunte quantos estão em ação, pois uma das maiores virtudes da Vanguarda sempre foi a Discrição.

– Por que resolveu Contar tudo isso agora? Não é arriscado?– perguntou o repórter se levantando e abrindo a persiana para olhar o movimento.

O velho levantou-se mais uma vez para espiar pela janela também, depois foi até uma gaveta e pegou um revolver e o apontou para o jornalista, o velho pegou o gravador e olhou-o nervoso:

– Quem mais está escutando nossa conversa? Para quem você trabalha? Quem são aquelas pessoas na frente do meu prédio?

– Terceira regra caro John Montain, trabalho sozinho, sem parceiros e sem contratantes. – respondeu o repórter com um leve sorriso no rosto.

Antes que o velho John pudesse reagir, um tiro fulminante atravessa sua janela e o atinge no peito. O velho cai olhando para o prédio vizinho onde se encontrava um atirador que ele não viu.

O falso repórter se aproxima do corpo do velho John e o chuta:

– Todo esse tempo ocioso o deixou descuidado senhor Montain. Infelizmente o senhor não me forneceu nada de útil, mas não se preocupe, em breve reencontrará velhos amigos.

O jovem deixa o apartamento sorrindo sem perceber a leve respiração de John Montain, cuja especialidade é escapar de emboscadas e simular a morte.

Getúlio Costa
Enviado por Getúlio Costa em 04/08/2010
Código do texto: T2419114
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