O DELEGADO ILUMINADO
Tudo começou tranquilo no Plantão Policial do Dr. Reinaldo. Aquele Delegado de Polícia estava há menos de dois anos no cargo e se ufanava da solução de crimes difíceis, mas fazia questão de dizer que isso não decorria de seu tirocínio policial, mas, sobretudo, de ser uma pessoa iluminada por Deus.
Próximo à hora do almoço, chegou uma senhora de certa idade, com cabelos tingidos há muito tempo, pois deixavam entrever as raízes esbranquiçadas. A mulher estava acompanhada de uma criança saltitante. Pois não! bradou o Dr. Reinaldo com sua peculiar cortesia, virtude não encontrável em qualquer plantão de polícia.
___Quero registrar um Boletim de Ocorrência de desaparecimento.
___ Quem desapareceu?
___Minha filha, mãe desse menino, disse ela, apontando para a criança alheia ao desaparecimento da mãe.
O Dr. Reinaldo, mordiscando a tampinha da caneta Bic, arriscou um palpite... “Isso é mais grave que um simples desaparecimento”, pensou com seus botões. Como sua filha se relaciona com a criança, ela trata o filho com carinho?
A mulher assentiu com a cabeça e exclamou: __ Essa criança é tudo para ela, não sei como ela resolveu ir embora e deixá-la.
___Como se chama sua filha? ___Nós a chamamos de Val, mas o nome dela é Valdirene.
___ E a senhora como se chama?
___ Meu nome é Antonina, mas pode me chamar de Nina doutor.
O Dr. Reinaldo olhou para aquele rosto sofrido, mas que ainda conservava um sorriso desbotado e calculou o sofrimento que devia estar embutido na alma daquela mulher, por isso, interessou-se ainda mais em ajudá-la.
___Quando é que Valdirene foi vista pela última vez e quem estava na companhia dela?
___Ela disse pro meu genro que ia dar um tempo, pois estava apaixonada por outro homem, por isso, iria para uma cidade de Minas onde reside essa pessoa. Meu genro quis convencê-la de que não deveria ir, mas como ela insistiu, ele a levou até a estação rodoviária, inclusive, a criança estava com ele.
___Me conte como era o relacionamento dela com o marido. ___Ah seu doutor, eles não viviam num mar de rosas não. De início tudo era maravilhoso, mas o Eriberto é muito ciumento e começaram as brigas e ultimamente eles estavam sob o mesmo teto, porém, em camas separadas.
___Entendo. Ele já chegou a agredir Valdirene.
___Eu nunca presenciei, mas uma vizinha deles disse que Val não queria me incomodar, por isso ficava em silêncio, mas confidenciou que Bertinho já chegou a tirar sangue dela.
O Dr. Reinaldo ergueu as sobrancelhas, e abriu a gaveta de sua mesa e tirou de lá duas balas de framboesa e chamou a criança mostrando as guloseimas. "Como você se chama?", disse o Delegado entregando as balas para o menino.
___ Me chamo Luan.
Luan, você foi passear com o papai e com a mamãe outro dia? A criança respondeu imediatamente que foram passear no carro do tio Luciano.
A próxima pergunta parecia despropositada, mas o Delegado resolveu fazê-la. Indagou se haviam parado em algum lugar e se esse lugar tinha muita gente ou era um lugar com muito mato. O menino arregalou os olhos e disse que era um “matão” e que seus pais ficaram brincando de pega-pega. O Delegado já não tinha dúvida de que algo muito estranho havia acontecido, resolveu arriscar: ___ Você ouviu um barulho lá no mato?
A criança respondeu que ouvira uma bexiga estourando. Reinaldo chamou um investigador da Chefia e perguntou para dona Nina onde estava Bertinho naquele momento.
___Ele está na feira, pois é feirante. O Delegado pediu que o marido de Val fosse trazido imediatamente, pois precisava fazer umas perguntas a ele.
Assim que a viatura chegou, Eriberto saiu dela meio sem graça, cumprimentou a sogra e passou a mão na cabeça do filho e logo foi encaminhado à sala do Delegado. O Dr. Reinaldo, mandou que Bertinho se assentasse e enquanto tirava um cafezinho da garrafa térmica, foi falando sem rodeios:
___ Meu chapa, a casa caiu, conta onde está o corpo da Valdirene. Estou sabendo que você a matou com um tiro, num lugar ermo. É melhor colaborar para o seu próprio bem, arrematou o delegado.
Bertinho inicialmente baixou os olhos, mas em seguida, com a voz nervosa e meio aguda, desconversou dizendo que não sabia do que o Delegado estava falando e que podia jurar que jamais faria mal para a mãe do seu único filho. Chegou a ensaiar um choro, mas talvez não soubesse ainda como produzir lágrimas, então, a teatralização se tornou ridícula. O investigador piscou para o Delegado e perguntou se o Delegado queria que Bertinho fosse levado para ser interrogado na parte superior da Delegacia, na salinha do Samuca. O Delegado respondeu negativamente e afirmou com certa apreensão: ___Eu prefiro conversar com o rapaz aqui numa boa e eu sei que ele vai dar o serviço sem qualquer problema.
A princípio eu não quero mandá-lo para o Samuca porque aquele cara é louco e responde a cinco processos porque matou cinco pessoas. Só vou mandar Bertinho para lá,em último caso.
Bertinho que não sabia que nem a tal salinha e nem o Samuca existiam, depois de breve silêncio, chamou o Delegado e foi dizendo: ___ Tá bem doutor, mas o senhor promete que não vai contar agora para a minha sogra? ___ Fica frio rapaz, vamos fazer o serviço sem problema algum!
___Pois é... eu dei....um tiro na Val e joguei o corpo dela num buraco com muito mato em volta.
___Onde fica isso?
___Fica lá na Colina Verde.
___ Carlinhos, o tira de plantão, foi chamado mais uma vez e agora com o motorista da viatura, colocaram Bertinho no camburão e foram para o local.
Lá chegando, começaram a andar mato a dentro deixando a viatura um pouco distante. O próprio homicida tinha dificuldades para apontar o local correto da execução. De repente, o cheiro característico de putrefação humana surgiu e com um facão Carlinhos cortou os pequenos arbustos que recobriam uma espécie de vala feita pela erosão pluvial.
Com o auxílio de um farolete, deu para perceber o corpo da mulher no fundo da vala. O rádio da viatura estava com defeito e o celular ainda não existia. Voltaram até um posto que fica há uns dez quilômetros dali e de lá chamaram a perícia do Instituto de Criminalística e o carro de cadáver.
Bertinho contou que a arma era calibre 22 e estava escondida em cima do forro de sua residência.
Quando retornaram à Delegacia, Álvaro, o filho mais velho de Dona Nina já havia sido chamado e comunicado sobre a morte da irmã e que Bertinho tinha sido o autor do crime.
O Dr. Reinaldo nem almoçou aquele dia e disse não entender como um pai pode retirar de uma criança a presença materna.
O Boletim de Ocorrência de desaparecimento já não era necessário e sim o de homicídio, artigo 121 do Código Penal. Era mais um caso esclarecido de forma rápida e apropriada, por um delegado verdadeiramente iluminado.
Tudo começou tranquilo no Plantão Policial do Dr. Reinaldo. Aquele Delegado de Polícia estava há menos de dois anos no cargo e se ufanava da solução de crimes difíceis, mas fazia questão de dizer que isso não decorria de seu tirocínio policial, mas, sobretudo, de ser uma pessoa iluminada por Deus.
Próximo à hora do almoço, chegou uma senhora de certa idade, com cabelos tingidos há muito tempo, pois deixavam entrever as raízes esbranquiçadas. A mulher estava acompanhada de uma criança saltitante. Pois não! bradou o Dr. Reinaldo com sua peculiar cortesia, virtude não encontrável em qualquer plantão de polícia.
___Quero registrar um Boletim de Ocorrência de desaparecimento.
___ Quem desapareceu?
___Minha filha, mãe desse menino, disse ela, apontando para a criança alheia ao desaparecimento da mãe.
O Dr. Reinaldo, mordiscando a tampinha da caneta Bic, arriscou um palpite... “Isso é mais grave que um simples desaparecimento”, pensou com seus botões. Como sua filha se relaciona com a criança, ela trata o filho com carinho?
A mulher assentiu com a cabeça e exclamou: __ Essa criança é tudo para ela, não sei como ela resolveu ir embora e deixá-la.
___Como se chama sua filha? ___Nós a chamamos de Val, mas o nome dela é Valdirene.
___ E a senhora como se chama?
___ Meu nome é Antonina, mas pode me chamar de Nina doutor.
O Dr. Reinaldo olhou para aquele rosto sofrido, mas que ainda conservava um sorriso desbotado e calculou o sofrimento que devia estar embutido na alma daquela mulher, por isso, interessou-se ainda mais em ajudá-la.
___Quando é que Valdirene foi vista pela última vez e quem estava na companhia dela?
___Ela disse pro meu genro que ia dar um tempo, pois estava apaixonada por outro homem, por isso, iria para uma cidade de Minas onde reside essa pessoa. Meu genro quis convencê-la de que não deveria ir, mas como ela insistiu, ele a levou até a estação rodoviária, inclusive, a criança estava com ele.
___Me conte como era o relacionamento dela com o marido. ___Ah seu doutor, eles não viviam num mar de rosas não. De início tudo era maravilhoso, mas o Eriberto é muito ciumento e começaram as brigas e ultimamente eles estavam sob o mesmo teto, porém, em camas separadas.
___Entendo. Ele já chegou a agredir Valdirene.
___Eu nunca presenciei, mas uma vizinha deles disse que Val não queria me incomodar, por isso ficava em silêncio, mas confidenciou que Bertinho já chegou a tirar sangue dela.
O Dr. Reinaldo ergueu as sobrancelhas, e abriu a gaveta de sua mesa e tirou de lá duas balas de framboesa e chamou a criança mostrando as guloseimas. "Como você se chama?", disse o Delegado entregando as balas para o menino.
___ Me chamo Luan.
Luan, você foi passear com o papai e com a mamãe outro dia? A criança respondeu imediatamente que foram passear no carro do tio Luciano.
A próxima pergunta parecia despropositada, mas o Delegado resolveu fazê-la. Indagou se haviam parado em algum lugar e se esse lugar tinha muita gente ou era um lugar com muito mato. O menino arregalou os olhos e disse que era um “matão” e que seus pais ficaram brincando de pega-pega. O Delegado já não tinha dúvida de que algo muito estranho havia acontecido, resolveu arriscar: ___ Você ouviu um barulho lá no mato?
A criança respondeu que ouvira uma bexiga estourando. Reinaldo chamou um investigador da Chefia e perguntou para dona Nina onde estava Bertinho naquele momento.
___Ele está na feira, pois é feirante. O Delegado pediu que o marido de Val fosse trazido imediatamente, pois precisava fazer umas perguntas a ele.
Assim que a viatura chegou, Eriberto saiu dela meio sem graça, cumprimentou a sogra e passou a mão na cabeça do filho e logo foi encaminhado à sala do Delegado. O Dr. Reinaldo, mandou que Bertinho se assentasse e enquanto tirava um cafezinho da garrafa térmica, foi falando sem rodeios:
___ Meu chapa, a casa caiu, conta onde está o corpo da Valdirene. Estou sabendo que você a matou com um tiro, num lugar ermo. É melhor colaborar para o seu próprio bem, arrematou o delegado.
Bertinho inicialmente baixou os olhos, mas em seguida, com a voz nervosa e meio aguda, desconversou dizendo que não sabia do que o Delegado estava falando e que podia jurar que jamais faria mal para a mãe do seu único filho. Chegou a ensaiar um choro, mas talvez não soubesse ainda como produzir lágrimas, então, a teatralização se tornou ridícula. O investigador piscou para o Delegado e perguntou se o Delegado queria que Bertinho fosse levado para ser interrogado na parte superior da Delegacia, na salinha do Samuca. O Delegado respondeu negativamente e afirmou com certa apreensão: ___Eu prefiro conversar com o rapaz aqui numa boa e eu sei que ele vai dar o serviço sem qualquer problema.
A princípio eu não quero mandá-lo para o Samuca porque aquele cara é louco e responde a cinco processos porque matou cinco pessoas. Só vou mandar Bertinho para lá,em último caso.
Bertinho que não sabia que nem a tal salinha e nem o Samuca existiam, depois de breve silêncio, chamou o Delegado e foi dizendo: ___ Tá bem doutor, mas o senhor promete que não vai contar agora para a minha sogra? ___ Fica frio rapaz, vamos fazer o serviço sem problema algum!
___Pois é... eu dei....um tiro na Val e joguei o corpo dela num buraco com muito mato em volta.
___Onde fica isso?
___Fica lá na Colina Verde.
___ Carlinhos, o tira de plantão, foi chamado mais uma vez e agora com o motorista da viatura, colocaram Bertinho no camburão e foram para o local.
Lá chegando, começaram a andar mato a dentro deixando a viatura um pouco distante. O próprio homicida tinha dificuldades para apontar o local correto da execução. De repente, o cheiro característico de putrefação humana surgiu e com um facão Carlinhos cortou os pequenos arbustos que recobriam uma espécie de vala feita pela erosão pluvial.
Com o auxílio de um farolete, deu para perceber o corpo da mulher no fundo da vala. O rádio da viatura estava com defeito e o celular ainda não existia. Voltaram até um posto que fica há uns dez quilômetros dali e de lá chamaram a perícia do Instituto de Criminalística e o carro de cadáver.
Bertinho contou que a arma era calibre 22 e estava escondida em cima do forro de sua residência.
Quando retornaram à Delegacia, Álvaro, o filho mais velho de Dona Nina já havia sido chamado e comunicado sobre a morte da irmã e que Bertinho tinha sido o autor do crime.
O Dr. Reinaldo nem almoçou aquele dia e disse não entender como um pai pode retirar de uma criança a presença materna.
O Boletim de Ocorrência de desaparecimento já não era necessário e sim o de homicídio, artigo 121 do Código Penal. Era mais um caso esclarecido de forma rápida e apropriada, por um delegado verdadeiramente iluminado.