Jocá e o dinheiro da dona Jacinta
Desta feita Jocá estava para os lados de Rio Pardo, onde domava uma leva de cavalos na fazenda do seu Firmino. Famoso pela sua habilidade e capacidade em domar os chucros mais endiabrados com maestria e com atitudes carinhosas com os animais, Jocá era considerado o melhor domador do estado. Já tivera inúmeras propostas para trabalhar em definitivo em diversas fazendas, como capataz, mas recusava sempre. Gostava de viver assim. Sempre na estrada, cavalgando Tristão e com o inseparável violão que diziam valer por 10. Já recebera propostas para tocar em orquestras municipais de diversas localidades, mas, nada feito. Sua casa era o pampa, seu cobertor o céu estrelado. Muitas vezes recusava o alojamento para ir dormir ao pé de algum frondoso carvalho. Naquele dia, acordou assim, eram umas cinco horas da manhã, foi até o açude
Da fazenda, para tomar o banho matinal. Tirou as roupas e mergulhou. A água estava um pouco fria, mas isso não o incomodava. Jocá nadava em vigorosas braçadas, fazendo marolas na água espelhada do açude, quando uma voz feminina chamava seu nome.
– Jocá!, sai daí que aconteceu uma desgraça. A voz de Celinha a filha mais moça do deu Firmino soava aflita e ele se preocupou, era muito sedo e a coisa deveria ser séria. Tratou de sair da água em nem se deu conta que estava completamente nu. A moça envergonhada tapou os olhos com a mão, virando-se de costas. Bem que gostaria de espiar mais demoradamente, era um homem forte e músculos e... Bem, deixa pra depois.
- O que ouve? Perguntou Jocá enfiando as calças rapidamente. - O Felipe morreu afogado no Rio Pardinho. A informação pegou Jocá de surpresa, na noite anterior ainda estivera com ele, tomando uns tragos. Eram grandes amigos e isso o fazia sentir-se como se tivesse perdido um irmão. – O Julio chegou agora da cidade e soube do ocorrido quando vinha para cá. Estão procurando o corpo. Jocá acabou de vestir-se e já encilhava o Tristão.
– Fala pro teu pai que hoje não trabalho. Vou pra cidade agora. Montou e saiu jogando um beijo pra Celinha que devolveu o gesto. Gostava daquele
Homem, mas ele nem a notava. Bem que gostaria que ele fosse menos sério e respeitador. Nunca se envolvera com moças das fazendas onde trabalhava. Ele saiu galopando em direção a porteira e nem pegou o violão. Sumiu rapidamente. Quando estava com pressa, era lindo de ver o Tristão voando baixo com elegância e veloz como um raio. Apanhou o violão e tomou o rumo do rancho tentando dedilhar alguma coisa, mas não sabia nada de música, encantava-lhe ver Jocá tocando nas noites de verão após a lida no campo. Seu violão parecia uma orquestra e seus dedos fortes arrancavam sons e acordes, misturando ritmos e temas clássicos e populares, com maestria. O Rio Pardinho fica às margens da estrada que leva de Rio Pardo a Santa cruz e o caminho para o rio, margeia os trilhos da ferrovia. O ponto preferido era e ainda hoje a grande curva que o rio faz, correndo em direção ao Jacuí, onde desemboca na praia dos Ingazeiros na cidade. Ali, a curva produzia uma praia de areis densas e se constituía em um ótimo ponto de lazer, com sombras generosas e uma mata nativa ainda hoje conservada que produzia locais de acampamento protegidos do sol ardente de verão.Um soldado da brigada militar, conhecido como Português, tomava conta do local e informou a Jocá que estavam mergulhando a procura do corpo. Jocá enquanto conversava, ia tirando a roupa e de um barranco, saltou mergulhando também. Uma equipe da brigada também rastreava o rio com ganchos presos a cordas que varriam o fundo tentando pescar o corpo. Mas as buscas foram infrutíferas e lá pelas 15 horas, exausto Jocá jogou-se na areia para descansar um pouco.Perguntou ao Português o que ele sabia. – Bem, a história que nós temos é que o Felipe estava pecando deste barranco aqui. Falou apontando para o local onde se via um caniço, usado provavelmente para pescar lambaris que seriam utilizados como iscas. O caniço estava preso entre umas moitas. Segundo Português, o Jacaré, um pescador local viera entregar ao Felipe 300 contos que deveria levar para dona Jacinta, sua mãe. Jocá ao ouvir o nome, ficou apreensivo, conhecia o cara e sabia que não era trigo limpo. Levantou-se e começou a examinar o local. Havia duas marcas a beira do barranco, como se alguém as houvesse produzido com os calcanhares. O caíque do Felipe estava ancorado com a proa sobre a areia e um cacete de camboim estava ao lado com uma das extremidades, mergulhadas na água. O instrumento era utilizado para matar ou desacordar os peixes pegos em espinheis para que não embaraçassem as cordas. Segundo o Português. Felipe escorregara ao prender o caniço e caíra do barranco, morrendo afogado. Jocá desceu até o local e entrou na água, percebendo que dava pé. Felipe não morreria afogado ali, era bom nadador e a história não o estava convencendo de maneira alguma. Felipe vestiu-se montou Tristão saindo apressado. Não adiantaria procurar, porque o corpo não estava ali. Iria procurar o Jacaré, sabia onde encontra-lo. O armazém do seu Daril era um local acanhado com prateleiras onde se viam mantimentos e utensílios agrícolas. Possuía duas mesas rústicas onde servia-se cachaça e certamente o Jacaré estaria por ali. Jocá chegou e sentou-se a frente de Jacaré, fazendo sinal ao seu Daril para que lhe servisse um martelinho de caña. Jacaré o saudou, - Como vai o amigo? – Bem, respondeu Jocá, mas o que me trás aqui é a morte do Felipe. Você foi a última pessoa que esteve com ele.
- Sim, entreguei um dinheiro para ele e vim embora, ele ficou pescando. Hoje sedo soube da desgraça. Coitado! Era boa gente.- Sim, era meu amigo e você está mentindo. Jacaré ficou branco, como se houvesse visto uma assombração.
– Você o matou com aquele porrete de camboim, depois levou o corpo no caíque e o jogou em outro lugar. Voltou à praia e arranjou aquela cena que só o Português vai engolir. Simulou aquele escorregão a beira do barranco. Você esqueceu que quando o anzol engancha em algo, o esforço para solta-lo derruba para trás e não pra frente. E o Felipe ainda iria ter o cuidado de jogar o caniço naquelas moitas antes de cair? E morrer afogado onde até uma criança escaparia? Onde está o dinheiro? Ao ouvir a pergunta, Jacaré levantou-se e saiu desabaladamente porta a fora ganhando o mato nas imediações do armazém. Não iria longe e agora tinha Jocá em seu encalço e sabia que ele o alcançaria. Não era páreo para Jocá que não descansaria até pôr-lhe as mãos. Jacaré corria embrenhando-se na mata densa e sentia que Jocá estava se aproximando e que não escaparia. Aquele índio não desistiria. Repentinamente um cipó rasteiro, prendeu-lhe o pé e ele caiu pesadamente. Jocá sentou-se a seu lado, tirando a faca da bainha e começando a desfiar um pedaço de fumo em rolo. – Não tenho pressa. Desembucha ou te arranco o saco fora. Jacaré sabia que ele não estava brincando e que cumpriria a promessa. Começou a chorar. Não matei ninguém, juro! Jocá se aproximou e colocando a faca bem próxima de seu pescoço falou,
- Vira de costas.
- O que você vai fazer?. Jocá não respondeu, foi direto ao bolso traseiro da bombacha, sacando a carteira do Jacaré. Abriu-a e contou o dinheiro. Jacaré estava cada vez mais branco e nem esboçava uma reação. Sabia que não adiantaria.
– 280 contos, onde está o resto?
– Gastei na casa da Ubaldina. Jocá colocou o dinheiro no bolso e cortou umas tiras de imbira amarrando os pulsos do assassino.
- Vamos pra delegacia e tu vai confessar, se não te mato ali mesmo, na frente do delegado. Entrou na rua principal, com Jacaré a cabestro e o entregou na delegacia. Confissão assinada. Virou-se pro delegado e falou,
- O senhor já tem a confissão. Cuide pra esse desgraçado não fugir. Se eu pegar ele primeiro o senhor só vai achar a alma dele pra trazer de volta. Montou Tristão e galopou para a localidade de Rincão Del Rei, onde morava dona Jacinta.
– Boa tarde Dona Jacinta, vim trazer a sua encomenda que se atrasou um pouco. Por favor, veja se ta tudo aí. A velha ainda com os olhos inchados de chorar, contou o dinheiro. 300 contos.
– Ta tudo aqui meu filho, mas, já encontraram o corpo do meu filho?
– Ainda não dona Jacinta, mas, assim que acharem eu venho pra ajudar a senhora. O Felipe era como um irmão pra mim. Jocá completara os 300 contos com 20 do seu próprio bolso.A velha tinha para receber os 300 contos e iria recebe-los. Despediu-se da velha e voltou pra cidade. Haviam encontrado o corpo amarrado a uma pedra e com uma marca roxa na nuca causada pela paulada. Após o enterro, Jocá voltou para a fazenda. Estava ainda consternado com a morte do amigo. A noite caia e apanhou seu violão sentando-se sobre um banquinho tosco feito de madeira falquejada. Uma Melodia triste invadia a fazenda e Celinha emocionada ouvia enquanto servia um café pro seu Firmino. Jocá finalmente decidiu dormir e rumou para o pé de carvalho. Arranjou os pelegos, pegou um grosso cobertor de lã e pensava no amigo. Mal adormecia, sentiu uma mão feminina deslizando carinhosamente sobre sua cabeça. Era Celinha sentada a seu lado.
– O que você está fazendo aqui? Celinha, seu pai é meu amigo e... Celinha o envolveu e sufocou-o com um apaixonado beijo impedindo-o de falar.
– Se você me mandar embora, falo pro pai que estou esperando um filho teu a ai... Bem, ninguém é de ferro e Jocá foi vencido pela paixão que surgia. Puxou-a para baixo das cobertas e a noite os envolveu num doce romance. Acordou 4 horas da manhã e Celinha não estava mais ali. Claro se seu pai a apanhasse com ele nem imaginava o que aconteceria. Mas, agora aquela adorável criatura o enfeitiçara e tinha obrigação de ficar e enfrentar o velho Firmino. Iria pedir Celinha em casamento. Já imaginava que seus dias de andanças, sem rumo estavam por acabar. Tristão, velho amigo. Acho que finalmente conseguiram me apanhar. Quer saber? Eu já to meio cansado dessa vida de cigano.