Crime

Os três haviam crescido juntos na favela, o Neguinho, o Caveira e o Puruca. Acostumados a caminhar sempre juntos, aprenderam também o caminho do crime; espreitavam pela escuridão de um beco, qualquer possível vítima que passasse.

Neguinho cochichou junto das lixeiras:

- Olha lá! Vem vindo alguém!

Era uma moça que se aproximava, bonita, despreocupada, com a mente vagando muito longe.

Puruca puxou-a pelo braço, para dentro das trevas, Caveira tapou-lhe a boca:

- Calaboca dona! Fica quietinha e passa a grana!

Neguinho arrancando a bolsa dos braços da moça, vasculhou convulsivamente, jogando fora o que não lhe interessava:

- Batom, sombrinha, espelho... uma porra de um livrinho!... Caralho! Aqui só tem dez reais!

- O que!?

- Só achei dez reais nessa porra!

- Não fode Neguinho! Procura direito, merda!

- Já procurei cacete! Vê se essa piranha não tem nada!

Caveira balançou o canivete:

- Aí, cadê a grana?

A moça gaguejou:

- I... Isso é tudo...

Puruca a segurou pelo braço, chacoalhando-a:

- Não me provoca, merda!

- Porra gente, vai ver é verdade... a situação tá feia! - falou o Caveira.

Neguinho escarneceu:

- Ah, Caveira, vai tomar no cu! Olha a cara da dondoca! Ela tem cara de quem caminha só pra se exercitar! Nem deve saber o que é andar de ônibus, a piranha!

Puruca começou a tirar as calças.

- Êpa! tá fazendo o que?! - perguntou o Caveira.

- O que parece? Vou comer a filha da puta... eu é que não vou sair no prejuízo com essa gostosa dando sopa!

- Não! Não! Pelo amor de deus! Eu já dei todo o dinheiro! - chorou a moça.

- Num esquenta, dona... a grana que eu ia pegar da senhora ia gastar no puteiro de qualquer jeito... piranha por piranha... é tudo a mesma merda! Segura ela Neguinho...

Neguinho a segurou com força:

- Manda ver maluco, mas vai rápido que depois é a minha vez!

- Calaboca, heim, piranha! Se eu escutar um pio te corto a garganta!

A moça preferiu não resistir... fingiu que a sua alma tinha ido embora para muito longe, deixando apenas a casca de seu corpo para que os criminosos abusassem dela... Primeiro o Puruca, depois o Neguinho e, por último, o Caveira, no chão imundo, forrado pelo papelão de uma dessas caixas.

Neguinho cutucou o ombro do Caveira:

- Vem vindo alguém!

- Ainda não gozei, porra!

- Se quiser ficar aí, pode ficar! - Neguinho e Puruca saíram correndo.

- Caralho! Me esperem seus filhos da puta! - disse caveira correndo também.

Pouco tempo depois os três estavam no topo do morro, observando a noite que estendia seu manto sobre a cidade:

Puruca filosofou:

- Porra... a favela é muito grande... parece até aquele mofo de pão, que se alastra rápido pra cacete...

- É... - caveira acendeu um cigarro.

- Tá fumando o que Caveira?

- Um baseado...

- Cadê a coca?

- Enterrei lá atrás do barracão...

- Beleza... mas vê se não cheira a porra toda dessa vez!

Caveira não respondeu.

Neguinho se levantou:

- A gente tá precisando de uma grana... temos que arranjar uma parada essa noite...

Puruca perguntou:

- Tá pensando em alguma coisa?

- Tou... a gente podia puxar uns carros...

Caveira agitou-se:

- Tá maluco porra?! Esses motoristas agora só andam com trabuco no carro!

- Porra Caveira! Tu é macho ou não é?

- Claro que sou... por que acha que me chamam de "Caveira"?

- He! he! he! Porque tu é magro pra cacete!

Puruca acalmou os companheiros:

- Calma aí, negada! Lembram de uma parada que o Léo pediu pra gente guardar?

Os dois lembravam.

- Vocês nem viram o que tinha dentro do embrulho?

Caveira respondeu:

- Tá maluco? Se o Léo descobre manda arrancar nosso saco!

- É que vocês são um bando de viados! Eu olhei o embrulho: tinha um monte de arma... até uma 12 de dois canos...

- Grandes merdas! O que você sugere?

- Tu é mesmo burro, heim, Caveira... a gente pode pegar os trabucos emprestados sem o Léo saber!

Caveira e Neguinho riram:

- Vai você!... e lembranças ao capeta!

- O papo é sério, porra! Tou devendo 1000 reais para os traficantes... eu sei que vocês também tão devendo... dá pra gente descolar uma grana, colocar os berros no lugar e o Léo nem vai descobrir... Lembram o que os traficantes fizeram com o Mane porque ele tava devendo 200?

Caveira balbuciou:

- Comeram o cu do cara e depois queimaram o coitado vivo...

- Então... vamos fazer o trampo ou não vamos?

Caveira e Neguinho ficaram de cabeças baixas.

- E então?

Caveira começou a falar:

- É Puruca... desde pequenininho a gente sempre quis ser bandido... na época de FEBEM a gente tava junto... o foda foi o vício... a gente tá devendo pra caralho... Não tem jeito... Vamos puxar os carros...

- Então tá acertado.

Os três esperaram cair a madrugada e se esconderam perto de um sinal:

- Porra! 3:15 da madruga e nenhum filho da puta parou até agora... esse povo tá ficando esperto! Não respeitam mais o crime! – reclamou o Caveira.

Nisso um carro importado parou, dirigido por um homem magrinho e de óculos.

- Cacete! Não acredito na nossa sorte! Esse tá no papo!

Os três correram e cercaram o carro. Neguinho bateu no vidro com a coronha da escopeta de dois canos:

- Pula fora, tio! É o cerol!

O homem saiu, trêmulo:

- Tu... tudo bem.... tudo bem... podem levar...

Caveira lamentou:

- É foda! A gente nem precisou dar uns tirinhos...

- Não falei que ia ser fácil pra caralho?! – disse Puruca.

- É, mas eu não vou embora sem experimentar essa belezinha! – falou Neguinho, alisando o cano da escopeta.

- Onde você vai usar essa merda, seu maluco? No carro?

- Claro que não, Caveira... Chega mais tio...

O homem ainda tremia:

- Eu?!

- É claro desgraçado! Vem cá!

Quando o homem se aproximava, Neguinho disparou os dois canos de uma vez. O homem deu uma cambalhota no ar e caiu, despedaçando os óculos.

- Porra Neguinho! Quando for fazer essas merdas me avisa! Acho que fiquei surdo!

Neguinho riu:

- Nossa! Vocês viram? He! He! He! É tão forte que acho até que desloquei o braço…

- Vamos parar com essa falação e entrar no carro! Acho que essa sua gracinha chamou a atenção dos policiais!

- Porra! É mesmo!

Os três entraram e saíram com os pneus guinchando. Um carro de polícia começava a se aproximar rapidamente:

- Acelera Puruca! Acelera! Eles tão chegando perto!

- Calaboca Porra! Calaboca! Tá me deixando nervoso!

Caveira pegou o 38:

- Vou atirar neles!

- Eu te ajudo! – disse o Neguinho.

Iniciou-se um grande tiroteio pelas ruas. Os policiais responderam pesadamente ao fogo dos bandidos.

- Porra Puruca, agora fodeu tudo: eles tão atirando de fuzil! O máximo que a gente tem é essa 12!

Os carros estavam a mais de 100 quilômetros por hora, vidros quebrados e as latarias completamente perfuradas.

- Depressa, Caveira, recarrega a escopeta!

Caveira pegou a escopeta e soltou um pavoroso grito, caindo no colo de Neguinho.

- Puruca! Acho que o Caveira foi atingido! Meu deus!

- Fecha a boca e continua atirando, merda!

- Meu deus! Ele não tá se mexendo! Tem muito sangue!

- Porra! Fica quieto! Tenta acertar o motorista!

- Puruca... ele tá com um buracão na cabeça... os miolos tão vazando...

Puruca, dirigindo, virou-se para trás e gritou:

- Cala a porra da boca desgraçado!

Essa distração foi o bastante para que o carro se chocasse violentamente contra um poste à frente. O corpo de Puruca, que dirigia, estilhaçou o pára-brisas com a mesma potencia de uma bala de canhão, esmagando sua cabeça contra um muro que se encontrava próximo.

Com uma dificuldade infinita, Neguinho saiu do carro, ainda desorientado e cambaleante; percebendo que estava completamente cercado, ergueu ao mãos e pronunciou as palavras com esforço:

- E... eu... me ren... do

Os policiais sorriram e o metralharam sem piedade, deixando-o caído numa poça de seu próprio sangue, enquanto o corpo do Caveira ardia dentro do carro em chamas e um cão faminto devorava o cérebro de puruca, que estava espalhado pelo chão.

Henrique de Castro Silva Junior
Enviado por Henrique de Castro Silva Junior em 03/05/2010
Código do texto: T2234760
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