Conto Policial – O médico-monstro

          
 
Quando o velho amigo Leandro estava hospitalizado numa grande capital brasileira, vítima de uma dor horrenda advinda da altura do pâncreas, isso depois de haver feito uma cirurgia de vesícula, andara definhando de maneira tão estranha e rápida, que aos olhos de todos e principalmente de seu médico dava a entender tratar-se de um câncer em estado progressivo.

            A pobre de sua mulher, que tinha raízes no interior, muito linda e educada, daquelas seriíssimas, honestas, criada com rigor, que realmente o amava, padecia sem nada reclamar, mas a verdade é que via seu esposo ir desaparecendo aos poucos, como por encanto, deixando de ser aquele homem saudável, forte e também dono de uma força de vontade fora do comum. Bom pai, excelente companheiro de todas as horas, difícil seria não resistir lado a lado com aquele que tudo representava em sua vida.

            Nem é preciso dizer que aquela exuberância de fêmea despertara no facultativo ambições libidinosas, impróprias para aqueles que exercem a medicina como profissão, sob juramento. Bastava vê-la para que seu órgão sexual se rebelasse doido para entrar em cena... Um moleque, na expressão da palavra. De nada ela desconfiava, seu pensamento era um so: Seu marido, o único amor de sua vida, homem que nunca falhara na hora “H”, e sabia fazê-la feliz também sexualmente.

            Medicamento algum estava resolvendo a situação; apenas os fortíssimos analgésicos controlados conseguiam dominar as dores por algumas horas, entretanto depois retornavam com maior intensidade; havia receio de abrir novamente o abdômen do paciente, eis que em se pensando tratar-se de doença cancerígena difícil seria de conseguir a cura naquela época.

            Os dias passam, parece que nem a consciência do médico pesava, enquanto Leandro quase sem forças para falar implorava pelo amor de Deus que ele o reoperasse; quem sabe não poderia haver uma chance... O pobre doente nem ao menos desconfiava do diagnóstico do doutor, que apenas o confidenciara a sua família, muitos acham que ele agiu corretamente, outros o reprovam. Os exames praticamente confirmavam a má notícia.

            Até que o homem criou coragem. Marcaria para dentro de poucos dias a data e hora da nova cirurgia. A expectativa do paciente era enorme, seus parentes a mesma coisa, não queriam perder aquele que era um líder nato, um chefe, um guia a conduzir sua família de maneira honrada. Tinha um bom emprego, era competente e gozava dos patrões a melhor confiança possível.

            Pois bem, antes do dia “D” o pobre gemera de tanta dor que a sua fiel esposa correu ao consultório de urgência, no próprio hospital, e por uma obra do diabo era o danado do médico que estava de plantão. Atendeu-a muito solícito, mas segurou-a pelo braço e a puxara para si, a fim de beijar-lhe a boca. Imediatamente, ela se desvencilhou dele e saíra correndo de volta ao apartamento onde estava o doente. Implorou ao Senhor Deus que a amparasse nesses momentos tão vexatórios... e Ele nunca falha.

            Não contara nada a ninguém; se alguma pessoa da família soubesse, esse desgraçado doutor de sacanagem, batoré enxerido, poderia encomendar seu caixão. Na comunidade da ofendida moralmente havia alguns advogados, todavia e mesmo assim ela guardou para si aquele desagradável segredo.

            Numa hora em que revezava com sua filha os momentos de acompanhar seu marido, mesmo a contragosto, porque o que se falava da instituição era um desastre, aproveitara a brecha e comparecera à delegacia de polícia mais próxima e registrara uma ocorrência. Perguntaram se havia provas suficientes ao enquadramento do facínora. – Não, não tenho, mas quero sugerir uma operação surpresa às autoridades. – Como assim, senhora? – Da próxima vez que ele me tentar marcarei um encontro no próprio apartamento e darei todos os detalhes ao Delegado. Assim ficara combinado.

 Pouco tempo depois ele deu novamente em cima da honesta senhora, justamente na véspera da nova cirurgia. Dissera: “Vou dar tudo de mim para tentar salvá-lo, seja boazinha comigo; sabe, perfeitamente, que sou o melhor especialista nessa doença”. – Tudo bem, vou confiar, mas quanto a ficar comigo eu o esperarei aqui no apartamento, que é amplo, por volta das 21:00 horas de hoje, pois é justamente o momento em que ele deverá estar no auge do sono, no pré-operatório para a cirurgia de amanhã de manhã. – Fica combinado, respondera. Nem é preciso dizer que o desgraçado mandara reforçar a dose de ansiolítico ao paciente!

Claro que o doutorzinho ignorava o fato de que ela havia providenciado, em sigilo, no sentido de que seu marido fosse operado por outro cirurgião, que já havia sido contatado e aceitara o encargo. Seria uma tapa sem luva.

            Ao Delegado comunicara o fato, implorando que ele não atrasasse um minuto sequer, porquanto ela não se sujeitaria a qualquer tipo de sacanagem, agressão ou desaforo que o seu desafeto tentasse... Não era mulher desse tipo.

            Mas na hora programada, assim meio sem jeito, tomou seu banho quente, se aprontou e ficou à espera do tarado. Antes, deu pra notar a presença, nos corredores, de três policiais civis, inclusive o Delegado, que estavam somente esperando o momento de agir. Não poderiam penetrar no recinto ao mesmo momento dele, pois assim não o flagrariam com a mão na massa, na botija, digamos assim.

            À entrada, de tão maluco de excitação nem fechou a porta à chave, fora logo se deitando na poltrona onde ela se achava belíssima, cheirosa como uma deusa, e começara a beijá-la por todo o corpo numa ânsia desesperadora, embora com sua rejeição. No exato momento em que tentava tirar a sua calcinha, que já estava nos joelhos, comportamento que buscava impedir, eis que os policias entram e registram o flagrante, todavia sem fazer aquela espetacularização que tem saído na mídia. Levaram-no preso, algemado, pois não seria conveniente deixá-lo no hospital, até mesmo porque poderia fazer outras vítimas.

            Notificado o hospital, em segredo de justiça, teve de demitir aquele monstro, que respondia a processo em liberdade, pois era primário. Se a população viesse a saber da ocorrência o conceito daquele casa hospitalar iria de água abaixo.  Paralelamente, no Conselho de Medicina, corriam as apurações com vistas à cassação da licença para o exercício da nobre profissão que aquele imundo estava denegrindo.

            Realizado o procedimento por outro cirurgião, que praticamente não chegara ao fim, porquanto havia um tumor de tamanho crescido, de uns oito a nove centímetros, encravado no pâncreas do Leandro, que não resistiria à extração, pois muito abatido, sem forças para suportar mais quatro a cinco horas de cirurgia.  Foi praticamente abrir e fechar a incisão simultaneamente.

Era caso terminal como se fala na medicina, entretanto somente pra mulher dele fora comunicada a ocorrência. Pelo que lera nessas revistas mensais, um pâncreas mediria no máximo 15 cm, e em sendo assim o caso era mesmo gravíssimo. O Leandro passava o dia dormindo por causa do efeito das drogas que tomava.

            Leandro passou a ser acompanhado por outro especialista, porém recebera alta logo depois, isso de tanto insistir que preferia morrer em casa, perto dos que lhe eram caros, no que recebera a concordância de toda a parentela.

            No enterro daquele meu amigo somente mesmo o pessoal da família e um ou outro colega mais próximo. E quando me lembro do quanto lhe chaleiravam em busca de benefícios os mais diversos chego a ficar decepcionado. E ele atendia a todos! Já se passaram doze anos. Sempre que tocam no assunto as lágrimas caem como se fosse uma cachoeira da face da senhora viúva, que até hoje não quis relacionamento com outro homem.

            O médico fora afastado da medicina, e condenado a uma pena por tentativa de estupro... E assim estava feita a justiça em mais um caso dos milhares que ocorrem mundo afora... fala-se que estabelecera uma clínica particular num país vizinho nosso...

 

Em revisão.

Qualquer semelhança com fatos, pessoas, viva ou morta, é mera coincidência, ficção.

ansilgus
Enviado por ansilgus em 14/03/2010
Reeditado em 05/11/2012
Código do texto: T2138435
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