Uma Longa Noite de Domingo
Eu já não aguentava mais tomar o mesmo uísque barato todas as noites naquele mesmo boteco de esquina. Afogar as mágoas todo fim de semana já havia se tornado uma rotina. O trabalho era cansativo e me dava a impressão de que não valia a pena sempre que eu recebia o pagamento.
Mike! - eu ouvi uma voz amiga - Como está, meu velho?
Era o Louis. Um cara meio insistente e sarcástico, mas um bom amigo. Toda essa insistência mostrava que ele realmente se preocupava comigo.
- Eu tô bem, cara! E você? O que tá fazendo aqui nesse bar logo hoje, sábado? Não tinha que sair com a Lucy?
- Foi exatamente a Lucy que me trouxe aqui! - ele sorriu de um modo que parecesse que tentasse esconder sua preocupação.
- Brigaram de novo, não é?
- Pois é! Essas brigas com a Lucy acabam comigo. Eu realmente gosto dela...
- O amor é uma merda! - interrompi.
- Já vi que você também está com uns probleminhas. O que foi dessa vez? Tomou outro fora?
- Pra variar... E a Janice agora tá saindo com um cara, um tal de Dan.
- Dan?
- É, um traficantezinho da região. Big Dan. - fiz uma breve pausa para tomar mais um gole do uísque - O que mais me deixa apreensivo não é o fato de eu ter tomado mais um outro fora da Janice, mas sim o fato dela estar se envolvendo com um cara perigoso. Sabe, eu me preocupo com ela, de verdade.
- Eu sei que se preocupa com ela, mas eu acho que você devia esquecê-la. Você sabe que ela não te dá mais condição, você já a perdeu, e agora tá aí, há meses preso a ela. E agora ainda corre perigo ao ficar se metendo com uma garota que sai com um traficante...
- Perigo? Não se corre perigo quando não se tem nada a perder.
A conversa continuou por mais rápidas duas horas. Fui pra casa e me deitei, mas demorei a pegar no sono. Janice era a única que conseguia me preocupar agora.
O domingo estava comum. Havia alimentado meu cachorro Bacon e agora eu descansava em frente à televisão, com um copo de cerveja como companhia. O telefone toca. Era Amanda,a melhor amiga de Janice. Ela me contou que ela havia sumido desde sexta-feira. Ela estava desesperada. Talvez ligando pro seu ex-quase-namorado ela poderia conseguir alguma pista. Mas não conseguiu, porque eu também não sabia do paradeiro dela. Eu tinha que ir encontrá-la.
Entrei no carro e dirigi em direção à area do Big Dan. Abri o porta-luvas cerca de três vezes durante o trajeto pra me assegurar de que minha arma estivesse lá. Eu sabia que um dia aqueles três longos anos no exército e o curso de tiro valeriam à pena.
Aquela periferia tinha um certo charme. Já eram 20h e as ruas ainda estavam cheias. Cheias o suficiente para eu conseguir alguma informação. Entrei em uma boate e fui em direção ao balcão. Sentei e pedi uma bebida. Percebi um rapaz com um sotaque diferente ao meu lado, conversando com o garçom. Tentei puxar papo.
- Veio do sul?
Ele se virou para mim, seus cabelos batiam no ombro e seus olhos azuis mudavam de cor com as luzes piscantes da boate.
- E te interessa saber?
- Meu nome é Michael. Michael Kristher. Eu estou procurando uma garota que desapareceu. Se chama Janice. Ela é linda e...
- Janice? Janice não é a garota do Big Dan? - disse com ar sarcástico
- Você a conhece?! - perguntei assustado
- Você é policial, detetive ou algo do tipo? - ele rebateu
- Não.
- Então eu a conheço. Não sei o que você vai fazer cara, mas se você for se meter com o Big Dan, vai morrer. E eu não quero estar perto de você quando você for morrer.
- Mas você poderia me falar ao menos uma maneira de encontrá-lo?
- Tá legal. Siga a rua principal até chegar no açougue. Vire à direita e vá seguindo até o fim da rua, onde vai encontrar um beco. Daí você já saberá o que fazer.
- Obrigado! Você pode ter me ajudado a salvar uma vida...
- Ou te mandando direto pro inferno.
Pedi uma bebida pra rapaz, por minha conta. Matei o meu drink em uma golada só e saí da boate. Segui as direções do garoto. Cheguei à um açougue, virei à direita e fui até o fim. As casas daquele local pareciam amontoadas umas nas outras. Eram mal construídas, mal acabadas. Encontrei o beco. Haviam três carros parados. Em um deles, havia um homem encostado, segurando um fuzil. Ele me perguntou o que eu tava fazendo ali e se eu queria comprar drogas. Falei que queria encontrar Big Dan. O homem me mandou ir embora.
Voltei para a rua que cortava o beco. Precisava fazer algo. Eu sabia que a Janice estava com traficante. Eu podia sentir o cheiro dela. Dei à volta em uma grande casa que ocupava um quarteirão inteiro e fui até o carro buscar minha arma. Pulei o muro de concreto. Estava em um quintal que parecia não ser cuidado há muito tempo. O mato alto era um lugar perfeito pra eu me esconder. Havia também plantações de maconha. A casa estava movimentada. Eu podia ouvir várias vozes distintas. Andei até uma das janelas apagadas. Droga! Estava trancada. Fui em direção ao outro lado da casa para procurar uma janela ou porta que estivesse aberta e me deparei com um cachorro. Merda!
Ele começou a latir, chamando a atenção dos cretinos. Dois deles vieram, armados com pistolas. Abaixei no mato e atirei no cachorro. Eles já sabiam que eu estava ali. Rolei para trás de uma grande pilha de tijolos. Ouvi gritos e vi silhuetas de pessoas saindo da casa, desesperadas. Os dois caras armados que vieram atrás de mim estavam olhando pra uma outra direção. Era minha deixa. Não hesitei em atirar duas vezes em um deles. O outro precisou de mais três disparos para cair. É, o curso de tiro havia valido a pena. Corri até os corpos e peguei as armas deles, descartando a minha. Não havia o porquê de se preocupar com evidências e com a polícia. Ali era uma terra sem lei. Corri pra trás da casa, até um sobrado que se encontrava na parte de trás do quintal. Vieram mais três homens, armados agora com fuzis. Aproveitei a penumbra pra me esconder. Dois deles vieram em minha direção. Eu tinha que ser rápido senão estava morto. Me perguntei, por um momento, se a Janice valia todo esse trabalho. Eu faria isso mil vezes por ela.
Me joguei contra a parede do sobrado e atirei algumas vezes contra os bastardos. Merda! Eles não morreram. Senti uma rajada de tiros de fuzil atingindo as paredes. Eu tinha que usar o terreno ao meu favor. Dei a volta por trás do sobrado e me joguei no meio das plantações de drogas. O barulho chamou a atenção deles. Era agora ou nunca. Atirei impiedosamente. Dois caíram. Um estava de pé. Senti um tiro de raspão no meu ombro esquerdo. Não era nada. Atirei mais uma vez e ele caiu. Ouvi mais gritos vindo da casa. Big Dan estava lá e parecia furioso. Atirei na fechadura e entrei no sobrado o mais rápido possível. Janice estava lá. Ela estava dopada, deitada no chão, com os braços algemados para trás e com marcas de pancadas e escoriações por todo o corpo. Peguei ela no colo, meu ombro doía muito e o sangue escorria pelo meu peito. Corri e a escondi no meio do mato. Big Dan veio, e dessa veio com mais cinco capangas. Todos armados. Não tinha como eu sair dessa. Não tinha como, até que eu vejo uma sétima silhueta surgir por trás dos outros homens. Ele empunhou seu fuzil e atirou contra eles, pegando-os de surpresa pelas costas. O cheiro de sangue impregnava o ar. Um a um, os homens de Big Dan caíram no chão. O próprio Big Dan estava lá, caido, implorando por misericórdia. Mas eu não sou do tipo que atende os pedidos de um cara que sequestra e agride uma mulher. Encaixei uma bala em sua testa. Vejo um rosto conhecido. Era o rapaz da boate.
- Pensei que não quisesse morrer.
- Já tava cansado desse cara. E aproveitei e vim te resgatar do inferno. - falou, com um sorriso
- Obrigado mais uma vez...
- Não precisa agradecer! - ele me interrompeu - Agora eu tenho que sair daqui. Até qualquer hora!
E correu pelo portão da frente. Fui até onde estava Janice e a peguei novamente no colo. No caminho até a saída, peguei a arma que havia descartado, para guardar como uma recordação. Corri até meu carro e coloquei Janice deitada confortavelmente no banco de trás. Saí dali o mais rápido possível.
Quando cheguei em casa, levei Janice até meu quarto e tirei suas algemas. Dei um banho nela, fiz alguns curativos e deixei-a descansar, enquanto fui assistir o noticiário. Os repórteres falavam sobre uma chacina em uma periferia da cidade. O motivo? Aparentemente foi um acerto de contas de uma gangue rival. Perfeito. A última coisa que eu ia querer agora era a polícia batendo na minha porta.
Deixei Janice descansar por mais duas horas e então a acordei para levá-la em casa. Ela era tão linda. No caminho, conversamos. Mas em nenhum momento tocamos no assunto "nós". Tudo bem, ela sempre fazia isso. Cheguei na porta da casa dela e parei meu carro. Ela se despediu de mim com um beijo, não na boca, mas no rosto. Um simples beijo no rosto. Que patético. Depois de tudo que eu fiz. Quando ela abriu a porta de casa, eu falei:
- Vou cuidar de você, não se preocupe. Só tente não se meter em encrenca novamente.
Ela sorriu. Um sorriso lindo, que me fez esquecer do que havia acabado de acontecer. E então, ela entrou e bateu a porta. É, mais um domingo. Antes de ir embora, me encostei no carro e acendi um cigarro. Ahh, tudo o que eu mais queria agora era um copo daquele velho e bom uísque barato.