"... quando toda a cidade chorou!"
toda a cidade chorou!”
(Theo Padilha)
Pode uma bela família sofrer os infortúnios de uma tragédia? Seria ironia do destino? Até agora, o tempo, esse inexorável determinante, ainda não apagou suas marcas. Aconteceu tudo tão rapidamente. Tão bruscamente.
Seu Jair era casado com Ana. Possuíam uma venda na parte alta da pequena cidade paranaense e ali viviam tentando criar sua prole de sete filhos. Jair era de cor parda, cerca de 50 anos e sua esposa era branca com 40 anos. Tinham lindos filhos e eram até felizes. Uma boa freguesia. Sua venda estava sempre cheia.
Mas uma morena, casada, mulher de um ferroviário, com seus 30 anos, que tinha vindo ali perto morar, transforma toda aquela relação. Tira a paz do casal. Ameaça destruir aquele lar. Helena, essa mulata não tinha nada de beleza, mas consegue, com sua fala mansa, seu jeito trigueiro, com olhares maliciosos e arrebatadores, seduzir Jair. Acho que por instinto ou arte do capeta. Sei lá. E vai conseguir.
— Jair! Não gostei nada do jeito daquela mulher olhar para você! Olhar... Debruçar em cima de você com as melancias de fora! – exclamou Ana, enciumada.
— Ora, mulher, você sabe que Helena é casada, é o jeito desleixado dela se arrumar, como a Gabriela do filme “Gabriela, Cravo e Canela”! E além do mais, o marido dela é muito meu amigo! – responde Jair, mudando de assunto.
E assim foi. Aquelas conversinhas. Aqueles cochichos de todas as tardes no canto do balcão deram lugar a encontros furtivos nas cidades vizinhas. Jair cedera aos encantos de Helena. Já estava até apaixonado.
— Ana! - Tenho que ir a Santo Antonio ver a poupança da Caixa, e você vai ter que cuidar da venda para nós, você pode subir lá?
— Num sei não! Você já foi lá outro dia? Não foi? – perguntou Ana, meio desconfiada, debruçada sobre o tanque cheio de roupas.
— É mais o gerente me mandou voltar hoje! - disse Jair entrando no velho carro.
E aquilo virou uma rotina. A “poupança” não era bem da Caixa. Jair já estava indo até na casa de Helena, pois seu marido trabalhava fora. Helena tinha uma mocinha. Na casa de Helena todos bebiam muito e até a menina. E um dia...
— A mãe mandou buscar uma garrafa de pinga, depois ela paga! – a menina falou colocando a garrafa vazia sobre o balcão. A filha de Helena já apresentava um estado de embriaguês. A pobre mulher não queria vender pinga para a menor. E demorou em atendê-la.
— Você está brava porque o teu marido está namorando minha mãe?
—O quê? –pergunta Ana.
— É isso mesmo que você ouviu! Teu marido sempre vai lá à minha casa!
Aquilo para Ana foi terrível. Quase teve um infarto fulminante. Doeu muito para aquela senhora. Seria verdade o que aquela criança dizia? Mas a mulher deu a pinga e se conteve. Esperaria até que o marido se pronunciasse.
Aquele assunto se tornaria um mar de intrigas e discussões. Helena cortou suas vindas à venda. Não demorou muito para que o marido dela também ficasse sabendo. Mesmo achando que eram boatos.
Até que numa satânica tarde de domingo, começam uma acalorada discussão. E Ana conta tudo o que sabia. Jair extremamente nervoso não se conteve. Já tinha bebido alguma coisa. Dá uns empurrões na mulher, enquanto apanha um objeto na gaveta. Logo em seguida, desfere uma facada na coitada da mulher, mesmo assim ela luta. Outra facada, várias... Ana tenta acertar Jair com uma panela. Um dos filhos intervém. E também leva uma facada. As crianças correm chamar ajuda. O pai está possesso... Todos correm... E o sangue banha a cozinha daquela casa. Pouco depois, Ana cai. Está morta. Jair foge ameaçando os vizinhos! Logo depois é preso. E a casa já está cercada pela polícia. Uma multidão de curiosos quer ver o corpo daquela indefesa moribunda. Uma cena muito forte para toda uma população. A tragédia, essa sombria, infame, companheira do ciúme doentio, havia baixado suas negras asas naquele pequeno lugar. Jair foi condenado e cumpriu sua pena na cadeia. Jair morre logo depois. Helena vira prostituta, é agora um farrapo humano, junto com a filha, continua pagando o seu delito. Ninguém esquece essa história de Ana e Jair, quando toda a cidade chorou!
Copyright © by Theo Padilha. Joaquim Távora, 29 de janeiro de 2010.