190
Quando o dia raiou ela não viu,também não viu a mão escarlate que lhe era estendida e dormiu na hora que acordou, pois a vida passou e ela não viu.
Passou em um tubo de plástico, deitada na cama, cortina fechada, poeira e ácaro no ar.
A voz sempre nasalada, perdida no tempo, sumiu...
Era rosa a Rosa.
Morena a flor, formusura e molejo, cadeiras quebradas; o sol!
Figura as vezes centrada, falava em aristóteles, o Grego.
Tião o negro de toda hora, viril e bonachão, ficava louco de tesão ao vê-la acordar com as coxas grossas de fora.
Manhã de sábado ela acordou cedinho. Tião dormia a seu lado, pelado!
Olhou mais uma vez a cena de toda uma vida.
Foi até a cozinha, pegou o raticida, misturou ao leite e colocou sobre a mesa.
No banheiro escovou os cabelos com vontade, brilho e cheiro bom.
Iria preparar um queijo quente, era gostoso ver o queijo puxa, feito chiclete estender-se até arrebentar, ficava horas brincando com o queijo, até Tião reclamar!
Sai do banheiro cantando, segue o corredor e encontra Tião tonteando:- é sono? pergunta brejeira, até que o vê tombando.
Passa por ele, segue até o quintal, inspira o ar até sentir os pulmões e expira de olhos fechados. Coloca alpiste para o pássaro triste.
Espera que ele coma, beba a água limpa.
Coloca a roupa na máquina.
Volta até a gaiola, abre a portinhola... Assustado "tilinho", o pássaro olha sua dona. Pela primeira vez solta um pio triste, e sem jeito sai da gaiola saltitando, pula ao chão, sai andando. Pula de degrau em degrau, ganha a rua e sai voando.
Lá dentro Tião ao chão com a boca espumando.
Rosa, tira a camisola, veste o short mais curto, pega o telefone e disca 190.
Abre a cortina do quarto, a janela,
Salve o dia!