O CRIME PERFEITO

Parece estranho falar sobre isso, mas acreditem em mim. Minha irmã não prestava, era o diabo em pessoa. Ela me humilhava, me xingava e me fazia submisso. Eu não podia aguentar.

Tivemos uma vida muito sofrida, nossos pais morreram quando éramos pequenos; eu tinha oito anos e minha irmã treze. Passamos a viver com parentes que nos maltratavam. Ela, então, teve que trabalhar para dar algum dinheiro para os meus tios (que também eram pobres).

Ela passou a cuidar de um velho doente; era como uma enfermeira para ele. Dava-lhe banho, fazia-lhe a comida, lavava-lhe a roupa, enfim, fazia tudo! Mas o velho lhe era grato, pois pagava um excelente salário, muito embora minha tia ficasse com a metade.

Ela cuidou do velho durante seis anos, até que um dia ele morreu. Minha irmã chorou muito, pois gostava bastante do velho, mas aí aconteceu a surpresa. Ele deixou toda sua fortuna para ela. Os parentes do velho não gostaram, entretanto o testamento era incontestável.

De uma hora para outra ela passou da pobreza à riqueza, mas ela não fez loucuras. Com o aluguel das diversas propriedades ela garantia uma renda altíssima, que lhe daria tranquilidade para o resto da vida. Porém ela não queria se acomodar e resolveu estudar.

Minha irmã estava estudando na faculdade São Judas Tadeu, quando conheceu Carlos. Carlos era alto, atraente e bonito, e só estava de olho no dinheiro dela – todo mundo via isso!- menos ela! - foi então que eu comecei a pensar: - Minha irmã é rica e se ela morrer, tudo será meu. Todavia, se ela se casar, eu não terei direito há nada, Tenho que evitar esse relacionamento entre Selma e Carlos.

Melhor que isso, eu tenho que matá-la! Só assim eu ficarei livre para sempre das humilhações.

É fácil matar! O difícil e arrumar um álibi. Matar uma pessoa que vive sob o mesmo teto que você é muito fácil, mas você é sempre o principal suspeito. Então eu comecei a pensar, até que em surgiu uma idéia.

Selma já tivera outros namorados, e entre as suas cartas eu haveria de encontrar algo comprometedor. Achei uma carta que dizia o seguinte:

“Querido, está tudo terminado entre nós. Não adianta você insistir Eu já decidi.”

Selma

Era uma carta que ela ia entregar para o seu último namorado, mas não entregou, não sei por quê. Contudo, essa carta me seria muito útil, pois não tinha nome algum e podia ser entregue para qualquer namorado de Selma, inclusive Carlos.

Finalmente tudo ficou claro em minha mente. Bolei um plano perfeito, deixei as minhas unhas crescerem, bem compridas e afiadas. Depois eu a pintaria com base. Isso a Primeira vista pode parecer estranho, mas tinha uma utilidade. Depois eu fui assistir a uma peça de teatro: ”um sonho de Valsa”. Prestei bastante atenção na peça, para não deixar passar nada despercebido. A peça era água-com-açúcar e de fácil assimilação e estaria em cartaz até a outra semana, mas eu agiria na sexta-feira.

Já estava tudo pronto! Selma saia da faculdade ás nove horas e ficava esperando Carlos num lugar habitual. Carlos chegava às nove e quinze, e lá ficavam namorando, conversando, etc. Era um lugar deserto onde ninguém aparecia (o ideal para namorar... e para matar!)

Na quinta feira eu fui até o correio. Escrevi o endereço de Carlos Guimarães num papel e chamei uma mulher.

- A Senhora Podia me fazer um favor?

- Sim. – respondeu a mulher meio assustada.

- Eu gostaria que a senhora colocasse essa carta no correio para mim, porém, eu quero que peça para a funcionária do correio escrever esse endereço no envelope.

A Carta era aquela que eu encontrei na gaveta de Selma, e eu não poderia escrever o endereço com a minha letra e nem mesmo à máquina, pois logo chegariam a mim. Dessa maneira, mesmo que fossem ao correio e interrogasse a funcionária, ela se lembraria da carta e associaria á uma mulher. Eu não tinha o que temer.

- E o que eu digo? – perguntou a mulher.

- Diga que você não tem caneta.

- E se ela me der uma caneta, escrevo eu?

- Não! – mostrei uma nota alta pra ela e ela me compreendeu.

Carlos receberia aquela carta no dia seguinte e a carta o comprometeria de alguma forma.

Na sexta-feira eu estava nervoso. Não fiz nada até ás sete da noite, quando finalmente eu saí. Fui até o teatro brigadeiro e comprei um ingresso para a peça “Um sonho de Valsa” ( a mesma que eu já havia assistido). O horário da peça era das oito as dez e este seria meu álibi. Fiquei observando as pessoas que entravam até perceber um tipo que se destacava. O tipo estava com uma jaqueta amarela e uma calça vermelha. Qualquer pessoa lembraria-se de uma figura assim.

Aí eu fui para o lugar de encontro entre minha irmã querida seu futuro (haha) marido. Cheguei quinze para às nove. Era só ela chegar e... Aquele lugar era deserto. Eu verifiquei durante uns dias e por ali não passava nenhuma alma viva... Nove horas!... Nove e um!... Ela vem se aproximando. O sangue começa a subir na minha cabeça e ferver nas minhas têmporas. Comecei a tremer. Não tinha nenhuma arma, também, não era preciso... Engoli seco e fui.

Agarrei-a e firmei minhas unhas em seu pescoço. Ela gritou e tentou escapar. Eu apertava cada vez mais e percebia que ela estava cedendo... Já havia perdido os sentidos – apertei mais! – finalmente! – Olhei nos seus olhos e ela estava morta.

Olhei no relógio, era nove e dez. Rapidamente eu rasguei suas roupas (para parecer a princípio, uma tentativa de estupro). Joguei sua bolsa longe, tomando cuidado para não deixar impressões digitais, e finalmente saí correndo.

Voltei para casa, cortei as unhas, tirei a base com acetona, limpei minha roupa, troquei-a por uma calça vermelha e uma blusa amarela e saí novamente. Fui até o teatro brigadeiro – a peça já estava terminado -, me juntei com a multidão que saia e passei a comentar com uma menina.

- Gostou da peça?

- Mais ou menos – respondeu-me a garota.

Depois de umas conversas eu já havia persuadido que ela fosse até a minha casa. Ela chegou a afirmar que tinha me visto sentado na terceira fileira e que me observou o tempo todo. Aquilo ia solidificar mais ainda meu álibi.

Chegamos em casa abraçados e fomos surpreendidos Por dois homens que estavam na porta.

- O que vocês querem?! – gritei eu, disfarçando uma estupidez.

- Você é irmão de Selma Meier?

- Sim, Por quê?

- Por Favor, Nós podemos entrar?

Eu me desocupei da garota – que por sinal estava louquinha – pedi o endereço dela (que podia servir para qualquer confirmação) e me despedi. Pedi para os cavalheiros entrarem e perguntei atônito.

- Aconteceu alguma coisa?!

- Sim,... Sua irmã...

- Vamos! Digam logo o que aconteceu!

- Sua irmã morreu!

- O quê? – fiz uma cara de surpresa que não deixou dúvidas sobre a minha ignorância sobre o assunto.

- Isso mesmo.

- Como?

- Bem, acreditamos que ela foi vítima de um estupro, ou então, de uma tentativa de estupro. Mas nós não podemos concluir nada, antes do laudo médico. Aconteceu quando ela saía da faculdade. Quem descobriu o corpo foi seu noivo.

- Carlos.

- Exatamente! – de qualquer forma você tem que vir com a gente para identificar o corpo.

- Tudo bem, vamos.

Eu identifiquei o corpo naturalmente e depois fui para casa. No dia seguinte me acordaram cedo para dar o laudo médico. Quem falava era o investigador César.

- A sua irmã não foi vítima de estupro.

- Não?!

- Sim, e também não houve assalto. Isso lhe sugere alguma coisa?

- Nn... Não.

- Ora essa, disse eu, quem faria uma coisa dessas!

- Pois bem, isso que estamos investigando. A morte deu-se por estrangulamento, e ao que me parece, o assassino possuía unhas bem compridas, pintadas à base.

- Poderia ter sido uma mulher, não?

- Sim, podia, mas devemos salientar que Carlos Guimarães Possui unhas enormes e asseadas, mas isso não quer dizer muita coisa. Alias, foi o tal Carlos que descobriu o corpo e somente nos avisou às 09h30min. Sabendo que Selma deixou a Faculdade às nove, e ele deixou a sua sala nove e quinze, o assassino teria menos de quinze minutos para realizar o trabalho.

- Ao menos que...

- que o assassino fosse ele próprio

- Oh, não, mas ele não teria motivos, afinal eles estavam para se casar.

- Sim, mas nós estamos procurando. Coloquei um dos meus homens para vigiar a casa dele. Deve haver alguma coisa que nós não sabemos. – Bem, não quero lhe incomodar mais, porém, devemos registrar o seu depoimento.

- Onde você estava ontem ás nove horas?

- Eu estava assistindo uma peça de teatro.

- Há alguém que pode confirmar isso?

- Sim – dei o endereço da garota que acabara de conhecer.

Depois que tudo estava anotado, o investigador me falou:

- Desculpe eu fazer-lhe essas perguntas, mas é necessário, pois afinal de contas, o principal beneficiado com a morte dela é você.

- Como ousa! - Eu perco a minha irmã querida e o senhor diz uma coisa dessas! - Eu quero que se puna o assassino! Forca! Cadeira elétrica! – Aí comecei a chorar convulsivamente, dando uma impressão de forte dor.

- Desculpe, eu não quis dizer isso. Sinto muito.

No mesmo dia o Inspetor voltou à minha casa para dar-me a noticia da prisão de Carlos Guimarães.

- Um dos nossos homens encontrou essa carta na casa dele - mostrou-me a carta – conhece a letra?

- Oh, sim! A letra é de Selma.

- Agora nós podemos deduzir tudo. Carlos recebeu essa carta e não se conformou, Ele não amava sua irmã, queria-a apenas pelo dinheiro, e estava louco para que o casamento fosse breve. Ela talvez percebeu isso e desmanchou tudo. Ele insistia e ela mandou essa carta. Ele, vendo que não havia jeito, resolveu vingar-se, Esperou-a sair e matou-a. Depois forjou pistas falsas para que pensássemos que fosse um estupro, mas se deu mal, pois havia meios de indicar uma tentativa de estupro, ao menos.

- Por quê?

- Bem, porque a vítima foi agarrada por trás e morreu sem ver seu assassino. Existe a possibilidade de uma tentativa de estupro fracassada, mas porque o infeliz rasgaria o vestido depois? Entende? Se um cara fosse violentar a sua irmã, mas ela morresse antes, o cara fugiria certo? Não precisava se preocupar em arrumar pistas falsas. Além do mais seria muita coincidência ela ser morta exatamente nesse intervalo de tempo – como se o assassino soubesse...

- Mas,... Ele saiu mesmo às nove e quinze?

- Você tocou em mais um ponto, Ele saiu antes das nove, muito embora afirme que ficou na cantina tomando um refrigerante. E essa era a prova que faltava, pois ela não iria se encontrar com ele aquela noite – eles não tinham mais nada! Portanto, foi ele que a levou para lá e a matou.

- Oh, meu Deus!

Carlos foi encaminhado para julgamento e não existem meios de provarem a sua inocência. Eu agora termino minha narrativa, pois consegui realizar um Crime Perfeito! Estou rico, e me livrei para sempre das humilhações da minha irmã. Hahaha.

Investigações

Meu nome é Jorge Mattos; sou advogado. Fui contratado por um certo Carlos Guimarães, que foi acusado de cometer um crime banal. Aceitei o caso porque sempre acreditei na inocência dele.

- Eu não a matei!

- Sim, sim, eu acredito. Do ponto de vista lógico, você não seria tão imbecil para cometer um crime assim. Nenhum criminoso se dá ao trabalho de descobrir o corpo. Por mais idiota que você fosse, não seria capaz de fazer uma besteira dessas... Mas eu preciso que você me conte tudo exatamente como aconteceu.

- Bem, antes de eu ir para Faculdade, eu recebi uma carta da Selma. Achei estranho que o meu nome estava escrito apenas no envelope, mas não pensei muito no assunto. Depois, na escola, eu saí da classe nove horas, mas fui para cantina tomar uma coca-cola, pois sabia que ela não iria me ver, estava escrito na carta! Aí bateu o sinal e eu saí. Não sei por que, eu resolvi passar pelo nosso caminho, quando... Quando encontrei a Selma daquele jeito.

- E porque você não chamou a polícia imediatamente?

- Meu celular não tinha sinal. Eu fui mais rápido que pude, mas eu tive que comprar uma ficha, procurar um orelhão... Isso leva tempo.

Deixei Carlos e pedi para o Delegado deixar-me ver a tal carta. Percebi logo de cara a diferença das letras da carta e do envelope, porém, ambas femininas. Vi que o papel da carta era meio amarelo, o que ficou bem claro que a carta era antiga e provavelmente nem foi escrita para o Carlos. Mas quem mandaria essa carta para ele? Claro! Somente Válter, o irmão de Selma! Mas como provar? O carimbo era da agência central. Fui até lá esperando conseguir alguma coisa.

Cheguei à agência e mostrei o envelope para as funcionárias. Logo uma notou alguma coisa.

- Ei! Essa letra é minha.

- Sua? – perguntei eu.

- Sim, agora eu me lembro. Uma senhora me deu essa carta, um endereço, e pediu para eu escrever.

- Você se lembraria se visse a tal senhora?

- Não sei, acho que não.

Mas eu não desanimei. Estava crente que tudo aquilo era obra de Válter. Pois somente ele poderia conseguir um bilhete, ou uma carta, que seja que Selma não tivesse enviado á ninguém. Além o mais, ele que lucrou com a morte da irmã. Resolvi conversar um pouco com ele.

- Olá, meu nome é Jorge, eu estou defendendo o seu ex-futuro cunhado, e... Poderia fazer algumas indagações?

- Sss sim – ele hesitou, mas concordou.

- Eu soube que você foi assistir a uma peça de teatro no dia fatídico, a peça foi... “Um sonho de Valsa” estou certo?

- Sim.

- Eu também fui assistir a essa peça, foi boa, não?

- Não. Eu não gostei – ele quase me contou a peça inteira, com detalhes que ninguém notaria.

- Vejo que você é um ótimo observador.

- Sim, eu sou.

- Eu... Ãn... Eu poderia dar uma olhada nas coisas da sua irmã?

Ele não gostou muito, mas deixou. Logo percebi uma gaveta cheia de cartas e notei uma expressão de medo nos olhos de Válter. As cartas eram de diversos namorados que ela teve, mas havia também, cartas que ela escrevia, mas não enviava. Aquilo não provava nada, mas solidificava minha hipótese. Saí do quarto e me despedi dele.

A minha teoria estava perfeita, só faltava à prova. – Ele assistiu à peça antes (decorou bem), depois mandou alguém colocar aquela carta no correio. No dia ele foi lá, matou a irmã, forjou as pistas (pois ele sabia o tempo exato que poderia usar), depois foi até o teatro e tratou de se fazer percebido. Aliás, vermelho e amarelo! Ah, sim! Claro! Provavelmente havia alguém no teatro daquele jeito! Esse cara é um gênio.

Mas ele tinha que ter alguma coisa que o incriminasse. Eu tinha que descobrir. Tinha!

Certo dia ele saiu com uma garota e deixou a casa vazia. Eu então aproveitei a situação. Arrombei uma janela e entrei. Fui até o quarto dele e abri o armário. Encontrei uma calça vermelha. Comecei a remexer nos bolsos e achei um cortador de unhas (muito significativo!), continuei procurando e achei um ingresso da peça “Um sonho de Valsa”, era do dia do crime, sexta-feira. Mas aí eu comecei a pensar numa coisa que poderia incriminá-lo definitivamente. Comecei a procurar nos bolsos de todas as suas roupas – talvez fosse inútil, mas não custava nada tentar – quando finalmente eu achei! – Outro ingresso da peça “Um sonho de Valsa”, essa, porém datando segunda-feira - o que significava que ele já havia assistido à peça antes. Corri para delegacia e apresentei a minha teoria, mostrei o cortador de unhas, os ingressos, algumas cartas de Selma, e ele (o delegado), concordou comigo, mas precisaríamos bolar uma armadilha para o Válter cair.

No dia seguinte eu e o Delegado fomos fazer uma visitinha ao Sr. Válter. Ele nos recebeu com surpresa.

- Vocês aqui?

- Sabe, é que temos agora uma testemunha ocular do crime.

- Como?

- Um individuo viu o crime ser cometido, porém se omitiu, com medo de ser envolvido. Mas agora um inocente podia ser condenado, então ele resolveu aparecer.

Eu notei que Válter empalidecia. Ele parecia ler nos nossos olhos que sabíamos de tudo. Não exatamente com uma testemunha ocular, mas sabíamos de tudo. Mas ele não tinha certeza.

- Vo-vo-cês sabem quem é o assassino?

- Oh, sim o crápula já está até preso.

De uma hora para outra sua fisionomia mudou. As faces coraram novamente e ele retomou a tranqüilidade.

- Ah, então está ótimo.

Mudei de assunto.

- Ah, eu estava lembrando, que no dia em que você foi assistir “Um sonho de Valsa”, um ator errou uma fala e causou à maior gargalhada no público, você não me falou disso...

- Eu me esqueci – disse ele rindo – mas agora eu estou lembrando, todo mundo começou a rir, e a pobre atriz...

- Ei, interrompeu o Delegado, mas isso aconteceu na quinta-feira!

- Quinta? – perguntei eu – eu pensei que fosse na sexta!

Válter não sabia o que fazer, ficou mudo, de repente gritou.

- Parem com isso! Não adianta vocês tentarem me incriminar dessa forma. Eu já estou condenado, mas vocês não vão me prender numa cela. Tudo daria certo se não houvesse essa maldita testemunha!

- Mas não houve testemunha alguma. Foi apenas um blefe.

- Mmm, mas, como?

Mostrei para ele o ingresso da peça que ele havia assistido anteriormente e ele suou frio. Olhou-me perplexo e exclamou.

- Desgraçado!

Aí ele correu para o quarto e nós ouvimos um tiro. Ele havia se matado. Carlos foi liberado e o caso foi encerrado, mas duas vidas foram sacrificadas em vão. Selma, uma garota que eu nem ao menos conheci, e Válter, um louco, talvez, que morreu sem conseguir realizar o seu sonho mórbido: Praticar um crime perfeito!